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Artigo – Reflexões sobre a conciliação

“A transação dialogada possibilita aos indivíduos a oportunidade de amadurecer como cidadãos e lhes outorga mais consciência sobre o seu papel no direito”, menciona a juíza do Trabalho da 4ª Região Juliana Oliveira em artigo a respeito da conciliação. “Não é por acaso que o Novo CPC privilegiou a conciliação, ao lado da mediação”, refere a magistrada.

 

Reflexões sobre a conciliação

Por Juliana Oliveira 

Juíza do Trabalho da 4ª Região 

Moro em uma rua pequena, na qual a maioria dos residentes se conhecem. Eu, na condição de juíza do trabalho, sou bem conhecida por todos. Sempre atendo a quem me consulta, desde que não tenha relação com meus processos – deve ser uma peculiaridade de cidade do interior ou do meu bairro. Certo dia o comerciante de melancias estabelecido provisoriamente na vizinhança, o qual chamarei “Seu João”, pediu ao meu esposo se poderia conversar com “a juíza”. Eu o recebi na minha casa.

Seu João queria simplesmente que eu consultasse seus processos no sistema do TJRS, já que seu advogado é da cidade vizinha, e pretendia saber a minha opinião sobre eles – para o que me informou os detalhes das lides. Dessa conversa descobri que tramitam três processos nos quais litigam o Seu João e sua ex-esposa, um no JEC, um na Vara de Família e um na Vara Criminal, todos decorrência de uma mesma relação jurídica rompida. 

 

Eu não vou expor o conteúdo dos processos, apesar de achar interessante para explicar a minha opinião, pois não quero adentrar na intimidade do Seu João. Mas concluí, ainda que limitada a um único ponto de vista, que os processos foram ajuizados dada à incapacidade das partes em dialogarem de forma construtiva para resolverem os seus conflitos, já que nenhuma delas violava a ordem jurídica de forma proposital. Os três processos, com um pouco de esforço por parte do Poder Judiciário, poderiam ser resolvidos de forma rápida e muito eficaz com várias cláusulas de um único acordo. Entretanto, nenhum deles se encaminhava para esse fim, o que pude perceber pelas informações do Seu João e dos andamentos dos processos.

Não é fácil intermediar um acordo com essas características, assim como não é fácil intermediar diversos acordos os quais, no fim de um dia de trabalho, acabamos por homologar. Mas considero que o esforço é compensado. 

Os diálogos que antecedem as transações mais complexas ou mais difíceis – tanto as bem sucedidas como as inexitosas – podem ser verdadeiras aulas de cidadania ao jurisdicionado. Assim acontece quando se expõe o direito discutido em juízo, os valores que o fundamentam e a sua importância para o titular e para a organização da sociedade. O mesmo ocorre quando se esclarece aos jurisdicionados a extensão de suas responsabilidades na defesa de seus direitos e no exercício de seus deveres. 

É importante adentrar nessas questões, porque o titular de um direito é um dos agentes para a sua preservação, não apenas quando exercita o direito de ação, mas quando busca conhecê-lo previamente ou não se submete inerte à sua violação. Da mesma forma, o indivíduo vinculado a um dever jurídico deve ser ciente dos motivos pelos quais o Estado cria as determinadas obrigações que afetam a sua liberdade, para que as cumpra de forma consciente e responsável. Considero que evidenciar essas questões evita concepções simplistas como a de que um indivíduo é protegido por ser um “coitado”, e o outro tem obrigações por ser demasiadamente privilegiado – penso que essa mítica faz com que ambos se comportem e tratem ao outro conforme os estereótipos que lhes são atribuídos. 

Claro que esses conceitos não ficam absolutamente explícitos durante as tratativas de acordo, mas um diálogo bem conduzido proporciona às partes a aquisição de uma consciência maior sobre suas responsabilidades na defesa de seus direitos, no respeito ao direito alheio e na observância de suas obrigações. Para tanto o juiz deve ser um ouvinte, em primeiro lugar, e questionar sobre os motivos que levaram as partes ao impasse no qual se encontram. Ouve-se o demandante e, depois, o demandado; pondera-se sobre ambas as razões; se necessário, defere-se novamente a palavra. Não se exclui o papel do advogado, que sempre deve ser de colaboração – afinal, em um Judiciário sobrecarregado de processos morosos, melhor advogado é aquele que resolve mais rápido e de forma satisfatória o processo do seu cliente.  

Pois é, o Seu João e suas múltiplas lides me fizeram pensar no Judiciário que eu não quero: abarrotado de processos de longa tramitação, no qual as partes não são ouvidas e se delega o poder da decisão a um perito ou assistente. 

Também me fez refletir sobre o enfoque de que o juiz, as partes e os procuradores são todos igualmente essenciais à conciliação e devem necessariamente colaborar com esse ato tão importante à efetividade da jurisdição. Não é por acaso que o Novo CPC privilegiou a conciliação, ao lado da mediação. O descaso com esse momento processual prejudica a prestação jurisdicional completa e constitucionalmente adequada ao princípio da razoável duração do processo.

A transação dialogada possibilita aos indivíduos a oportunidade de amadurecer como cidadãos e lhes outorga mais consciência sobre o seu papel no direito. Ensina que o Estado não é o único ente com poder e capacidade para solucionar os conflitos de interesses. Atenua o caráter autoritário e paternalista da jurisdição e, ao mesmo tempo, legitima a necessidade das decisões impostas. 

As partes devem ser estimuladas, pelo juiz e pelos seus procuradores, a participarem ativamente da solução dos seus problemas e a auxiliarem na obtenção da solução que será, na transação bem sucedida, a que melhor atende aos interesses dos envolvidos e da sociedade. Em alguns casos, a solução que provém da transação é a única que alcança verdadeiramente a justiça e a pacificação dos litigantes. Como juíza e como ser humano, fico plenamente realizada quando atinjo esse desiderato.

Foto: TRT-RS

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