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Contrato Verde e Amarelo em debate

A presidente da AMATRA IV, Carolina Gralha, foi palestrante no seminário que avaliou os impactos da Medida Provisória 905 na vida dos brasileiros. O evento ocorreu nesta sexta-feira, 6/12, no Foro Trabalhista de Porto Alegre, e reuniu diversos operadores do Direito.

Em sua manifestação, a magistrada enumerou diversas questões técnicas que tornam a MP incoerente. Entre os pontos nesse sentido, referiu itens ligados à remuneração, às multas de dívidas trabalhistas, acidentes de trajeto e percentual de adicional de periculosidade.

Leia, a seguir, a íntegra da palestra da presidente da AMATRA IV.

Cumprimento os colegas que estão aqui presentes hoje. Juízes, procuradores, servidores, advogados, peritos e os demais integrantes da sociedade civil.

Cumprimento os meus colegas de debate, destacando a importância de um diálogo aberto, sério e técnico sobre as alterações propostas na MP 905 e o quanto elas podem impactar na vida de todos os brasileiros.

Agradeço o convite e a oportunidade de apresentar a visão da AMATRA neste espaço.

Ouvimos muito falar em CALMA PRODUTIVA.

Somente com essa “calma produtiva”, dizem os especialistas, que se recupera índices gerais de crescimento.

Fiz questão de iniciar falando sobre isso, porque é exatamente o contrário que nós estamos vivendo no nosso país nos últimos anos.

Há pouco mais de dois anos, a legislação trabalhista sofreu a sua mais profunda alteração, conhecemos a então Reforma Trabalhista.

Gostando ou não, aprovando os seus termos ou não, certo é que a Reforma em seu bojo apresentou falhas técnicas e que, mesmo com o passar do tempo, não foram corrigidas ou revisadas.

Naquela época, a alteração foi vendida como a única solução para combater o desemprego, a única forma de retomada do crescimento e de se encontrar segurança jurídica.

Não preciso nem de qualquer esforço para reconhecer que a Reforma não nos entregou as suas promessas. Os últimos índices indicam a estagnação do número de desempregados, o aumento da informalidade e o aumento da desigualdade.

O que vivenciamos nesse período foi a redução do número de ações na Justiça do Trabalho, por diversos fatores, inclusive em razão da instituição do sistema de sucumbência e de Justiça Gratuita. Números estes que retomaram o crescimento neste ano de 2019, porque o descumprimento da lei mais básica jamais cessou e, não à toa, que os pedidos mais recorrentes são sobre verbas rescisórias, representando em torno de 58% das ações.

Nesse cenário instável e sem compreender ainda a extensão dos impactos de terceirização ampla e irrestrita, do contrato intermitente e do próprio negociado sobre o legislado, por exemplo, passamos por uma dramática reforma da previdência e pela MP da Liberdade Econômica, todas atingindo o mundo do trabalho.

Não bastassem as referidas alterações, o Governo edita a MP 905 que não tem como não a identificar como mais uma Reforma Trabalhista, dada a sua envergadura na modificação de pontos relevantes na vida dos trabalhadores e empregadores deste país.

A vigência, como sabem, é imediata, por 60 dias, ou seja, até 20 de fevereiro, prorrogáveis por igual período.

No Congresso Nacional, já recebeu 2000 emendas, ou seja, longo trabalho pela frente.

Enfim, na análise do texto propriamente dito, encontramos o carro chefe: o contrato verde amarelo.

Nesse contrato, vinculado à ideia de abertura de novos postos de trabalho para atividades transitórias ou permanentes, a MP define que os trabalhadores entre 18 e 29 anos, podem ser contratados nesta modalidade pelo período de dois anos, a partir de janeiro de 2020 até 31 de dezembro de 2022 – claro que se estendendo até 2024, se neste ano for contratado.

Ainda, reforça um limite de que seja o primeiro contrato da pessoa, exceto relações anteriores de aprendizagem, de experiência, intermitente e avulso.

Há, ainda, uma limitação de 20% dos empregados da empresa, mas se a empresa contar com menos de 10 empregados, pode ter duas pessoas nessa modalidade especial.

E uma vedação de não ter sido empregado da mesma empresa no período anterior de 180 dias, o que aparenta contradição dada a informação de que se presta o contrato apenas para novos postos de trabalho e já excetua modalidades de aprendizagem, experiência, intermitente e avulso.

Vedado também o contrato para trabalhadores submetidos a legislação especial.

Celebrado o contrato verde amarelo, o empregado receberá até um salário mínimo e meio, sendo possível aumento salarial após 12 meses de relação, sem que esse aumento seja abrangido nas isenções conferidas.

A dúvida quanto ao salário aqui, fica nas categorias em que o piso definido em norma coletiva é superior ao teto da MP – um salário mínimo e meio. Aí já começa: mas o que está em vigor é o negociado sobre o legislado ou a lei, aqui neste caso, vai prevalecer? Se definir que deve ser pago o piso da categoria superior ao teto da MP, será contrato especial ou por prazo indeterminado?

A MP afasta a aplicação do artigo 451 da CLT nesta modalidade de relação, ou seja, pode prorrogar o prazo de vigência mais de uma vez, sem que isso a torne por prazo indeterminado, já que apenas quando extrapola o prazo de dois anos que assim se torna ou quando é contratado percentual superior aos 20% antes mencionado.

O empregado verde amarelo pode receber, junto com o salário, mês a mês, as frações de férias, 13º salário e da indenização do FGTS que reduz de 40 para 20% (devida independente da causa de rompimento do contrato). Aliás, a própria alíquota do FGTS cai de 8 para 2%.

As regras de horas extras são as mesmas do contrato por prazo indeterminado, exceto quanto à possibilidade de compensação tácita.

Em contrapartida, as empresas ficam isentas da contribuição de 20% ao INSS, do pagamento do salário educação e dos recolhimentos ao Sistema S.

Na rescisão contratual, são devidas as parcelas previstas em lei, mas define a MP que não é aplicável a indenização do art. 479 da CLT (caso de rescisão antecipada do contrato a termo), sendo para esse empregado garantido o direito ao seguro-desemprego, caso preencha os requisitos.

A MP também traz a possibilidade de contratação pelo empregador de seguro privado de acidentes pessoais (art. 15), sem exclusão de indenização por dano decorrente de dolo ou culpa do empregador, embora não estabeleça qualquer valor mínimo para aquele, quando ficará reduzido o percentual de adicional de periculosidade eventualmente devido de 30 para 5% e apenas se o trabalhador estiver exposto no mínimo 50% de sua jornada ao agente perigoso – definindo assim numericamente o conceito de exposição permanente.

Com todo esse arcabouço veremos o que será do contrato verde amarelo, mas a MP não para por aí.

Na sequência, cria o programa de habilitação e reabilitação física e profissional, prevenção e redução de acidentes do trabalho, cuja receita contará com os valores de multas e penalidades aplicadas em ações civis públicas, acordos judiciais e TACs.

E aqui trago mais uma incoerência, o programa, diz a MP, se valerá da receita decorrente das multas pelo descumprimento da reserva de cargos destinados a pessoas com deficiência – e logo depois o mesmo governo apresenta projeto de lei que desobriga as empresas a contratarem pessoas com deficiência.

Enfim.

Sob o título de estímulo ao microcrédito, a MP extingue a contribuição de 10% sobre o saldo do FGTS (além dos 40%), a partir de janeiro de 2020, tema que já era objeto de questionamento perante o STF, mas ainda sem apreciação do recurso extraordinário.

Além das alterações referidas, a medida trata de outras na CLT e em leis esparsas.

Prevê a possibilidade de armazenamento eletrônico de documentos, competências do auditor fiscal do trabalho e algumas multas em relação a procedimentos na CTPS.

Abre a possiblidade de trabalho aos domingos e feriados, independente de norma coletiva, e prevê a periodicidade de repouso semanal no domingo de acordo com o setor.

Quanto aos professores, revoga a vedação específica de aulas e exames aos domingos para a categoria.

Outra categoria diretamente implicada é a dos bancários como todos sabem.

A jornada de seis horas até então de todos os bancários, passa a ser aplicada apenas para os caixas – salvo acordo individual escrito ou negociação coletiva que defina a de oito horas. Expressa que os demais empregados de banco terão horário extraordinário reconhecido a partir da oitava hora trabalhada e, inclusive, se afastado o cargo de confiança por decisão judicial, determina a compensação de horas extras no valor da gratificação e seus reflexos.

E para finalizar este item, houve a revogação da lei que proibia o funcionamento de estabelecimentos de crédito aos sábados, ou seja, até para quem acha que não é atingido pela MP, temos que refletir: os boletos que vencem no sábado, não podem ser mais pagos no primeiro dia útil seguinte?

Seguindo.

Sobre as novas regras para embargo ou interdição, sobre a fiscalização trabalhista, autuação e multas, capítulos que contam com amplas modificações, me permito a ouvir o Procurador do Trabalho que na sequência nos esclarecerá de forma mais apropriada.

E inovações também nos deparamos no sistema de remuneração.

Alimentação não houve mudança significativa, pois já havia previsão da natureza indenizatória da verba, se criando apenas outras especificidades.

Já no tópico das gorjetas, a MP 905 ressuscita as diversas previsões contidas na MP 808 de 2017, aquela posterior à Reforma Trabalhista que perdeu a vigência por falta de votação no Congresso.

No que se refere à multa prevista no artigo 477 da CLT, pelo descumprimento do prazo de pagamento das verbas rescisórias, a MP se limita a atualizar a multa administrativa anteriormente prevista.

A MP revoga expressamente o dever legal de geração e apresentação da Relação Anual de Informações Sociais – a RAIS.

Define a observância do IPCA-E como índice de correção do débito trabalhista desde a condenação e o cumprimento da decisão e estipula nova regra dos juros de mora para aplicação dos índices da poupança, o que significa em termos reais derrubar do então 1% para, a partir da vigência da MP, 0,5% os juros das dívidas trabalhistas.

A lei que trata da participação nos lucros e resultados, a Lei 10.101/2000 também é ajustada na MP, com esclarecimento de questões e até a possibilidade de negociação direta e individual com os altos empregados.

E também, dentro da mesma lei, trata do regramento dos prêmios que estão na CLT. É mais uma forma de regulamentar – principalmente a natureza indenizatória do prêmio – o que deixou de ficar regulamentado pela MP 808 que perdeu a vigência.

O que foi muito questionado na Reforma Trabalhista, foi a ausência de regras de transição. A MP deixa claro que se aplicam todas as alterações aos contratos de trabalho vigentes, o que pode gerar discussões quanto à constitucionalidade.

A MP revoga diversos dispositivos que não tinham mais aplicações nos dias atuais, mas também revoga o artigo da Lei 8.213/91 que classificava o acidente de trajeto como acidente de trabalho e, então, nestes casos a empresa não mais estará obrigada a emitir CAT, nem a recolher o FGTS do período de afastamento, tampouco garantir no emprego o trabalhador por um ano a partir de seu retorno.

Essa constante alteração das leis, essas inconsistências lógicas, a atecnia está acima de qualquer discussão ideológica.

Não temos e não teremos qualquer calma produtiva nos próximos anos que permita, de fato, crescimento e desenvolvimento do nosso país.

Enquanto apostarmos na falsa dualidade dos direitos sociais e geração de empregos, defendendo que apenas reduzindo direitos garantiremos o aquecimento da nossa economia, permaneceremos inertes diante do aprofundamento do poço da desigualdade.

Deixou-se de acreditar no poder de compra do trabalhador, no poder do dinheiro dos trabalhadores no giro da economia, pois esses trabalhadores terceirizados, intermitentes, aposentados ou agora verde amarelos, dificilmente farão carnê ou terão condições mais dignas de vida.

Lei não cria emprego, Justiça do Trabalho não gera desemprego, pelo contrário: se presta ao combate da concorrência desleal.

Precisamos de segurança, precisamos de políticas sérias de desenvolvimento e não pacotes sem prévio e amplo diálogo.

Empregados e empregadores – lembrando que é o micro e pequeno empresário que emprega a grande massa no Brasil – não se beneficiam das medidas que aqui referi e sequer acompanham a velocidade das mudanças, que nós mesmos temos muitas dificuldades para tanto.

A Amatra acredita nos direitos sociais para um país mais igual, defende a independência judicial e uma Justiça do Trabalho forte, tudo como ferramentas de um estado democrático de direito.

Ataques aos juízes do trabalho e à existência da Justiça do Trabalho apenas servirão para nos unir cada vez mais, pois acreditamos estar do lado certo da história e temos convicção na defesa da verdade e da técnica.

Justiça do Trabalho: direito do Brasil, direito da gente.

Saiba mais sobre o seminário em: https://bit.ly/2RnCbEN

Fotos: Divulgação

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