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Minha filhinha autista me ensina, a cada dia, como ser uma pessoa melhor

Por Cleiner Palezi
Juiz do Trabalho aposentado

Já no terceiro dia da vidinha dela, algo me dizia que havia coisas fora do lugar; no terceiro mês eu não tinha mais dúvida. Aí vieram as três fases mais críticas da minha vida, as quais, felizmente, levaram apenas à minha aposentadoria.

A primeira fase foi convencer que a Gigi se desenvolvia de modo diferente e preocupante e que precisávamos de ajuda médica. Eu tenho outros dois filhos, já adultos, e o desenvolvimento da Giovanna era muito diferente comparado ao que foi o desenvolvimento desses outros dois.
A incompreensão me angustiava mais do que o desenvolvimento da minha Princesinha.

Vencida essa fase, veio a segunda, e a mais difícil, porque, buscada a ajuda, vieram os diagnósticos negativos de neurologista, psiquiatra e geneticista.
Isso, no entanto, não serviu para diminuir a minha inquietação, porque os diagnósticos dos três médicos especialistas dizendo não ser a Gigi portadora de autismo em nada modificaram o ritmo do desenvolvimento dela. Por isso eu continuava convicto, apesar dos diagnósticos, que tinha algo fora da curva.

Veio, então, a segunda fase, a mais dolorida, porque importava em ir contra os diagnósticos e convencer que eles, por algum motivo, estavam equivocados.

Isso, por óbvio, respingou no meu trabalho – o que seria a terceira fase -, porque eu, para não ter um pesadelo às avessas, e sonhar que era apenas um sonho e acordar com a realidade, não dormia, tendo acontecido de eu ir trabalhar sem ter dormido por dois dias seguidos, ou seja, passar duas noites sem dormir e ainda reunir força para o trabalho.

Durante as vinte e quatro horas do dia eu usava um milímetro do cérebro para trabalhar e o restante dele para pensar na minha filhinha. Passei, então, a contar os segundos que faltavam para eu poder me aposentar.
Até hoje não sei como consegui manter em dia o meu trabalho e como não me envolvi em nenhum acidente na BR 116, indo de Porto Alegre para Sapiranga e vice-versa.

Mas tudo começou a mudar – o que até parece ser contraditório – quando o diagnóstico positivo foi confirmado entre os quatro e os cinco anos, pois, com a ajuda de profissionais, a Gigi passou a se desenvolver e a nos surpreender diariamente.
Hoje a Gigi tem sete anos, está na segunda série do Colégio Rosário, é alfabetizada, linda – já foi convidada três vezes para ser modelo – e inteligente.

Eu não tenho palavras para dizer o quanto ela foi bem acolhida na escola e como é amada pelos coleguinhas dela e os professores, sendo eles – colegas e profissionais – os grandes responsáveis pela inclusão dela no ambiente escolar, sem qualquer tipo de discriminação, propiciando o aprendizado praticamente sem adaptação de currículo, embora, sim, haja algumas dificuldades.

É que nem sempre o mar é apenas de rosas, porque há os esperados momentos de desorganização, que são superados com o apoio incondicional dos profissionais que gravitam em torno da Giovanna e dos coleguinhas de aula, estes, tenho certeza, bem orientados pelos pais.
Inclusão, portanto, é tudo o que precisam esses anjos maravilhosos que apenas veem a vida de uma forma distinta.

Os tempos de aflição passaram e hoje vivo a certeza de ter uma filha maravilhosa, divertida, amada e que, às vezes, vê o mundo de um modo diferente e o tem só para ela.

Aliás, lembro que naqueles tempos difíceis algumas pessoas, em solidariedade, diziam para mim: ”Deus não dá um fardo maior daquele que se pode carregar”!

Hoje eu digo que não há fardo nenhum.
Há, sim, uma vidinha maravilhosa para ser vivida, e eu me sinto o moleque mais feliz do mundo participando das travessuras – no bom sentido -, e das traquinagens da minha filhinha.

Nem na minha infância e me diverti tanto como me divirto agora brincando com a Gigi. São momentos divinos e gloriosos, regados pela mais linda pureza que vem do coração dela.

Um coração que dá vida a um serzinho que é incapaz de mentir, dissimular, falsear e que tem na candidez da alma o traço mais marcante.
Por isso ela traz consigo um dom, raro, que é a capacidade de, sem querer, mudar a vida das pessoas, como fez com a minha.

Vale dizer, com a sua pureza, a minha filhinha autista me ensina, a cada dia, como ser uma pessoa melhor! Mas ela ainda tem algum trabalho pela frente para que eu realmente me torne uma pessoa boa!

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