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Caderno 13

Prezados amigos e colegas!
Com imenso orgulho apresentamos mais uma edição do nosso Cadernos da AMATRA IV, agora com a coletânea especial dos artigos relativos às palestras apresentadas em nosso XX Encontro Regional, em Buenos Aires, nos dias 11 e 12 de junho de 2009.

Encontramos aqui textos que renovam nossa crença no direito do trabalho como um direito social transformador e que nos convencem de que é possível lutar por uma sociedade em que existam menos desigualdades, na qual a justiça não seja um valor inatingível.
Essa é a última edição dos Cadernos da nossa gestão na Presidência da AMATRA IV. Toda a produção científica desses dois anos de trabalho em conjunto rendeu frutos extremamente positivos. Estamos cada vez mais a vontade para divulgar nossas idéias inovadoras, dividindo com os colegas os resultado de nossas mais íntimas reflexões.
O Encontro Regional em Buenos Aires foi um momento significativo para todos nós e a Carta de Buenos Aires, também presente nessa edição especial, é o resumo do nosso compromisso com a efetividade da Constituição Federal, em busca de um direito do trabalho com ela irremediavelmente comprometido.
É um trabalho importante para os Juízes da Quarta Região, que mesmo assoberbados de tarefas em seu cotidiano no foro trabalhista, encontram tempo para a leitura, o estudo e a divulgação de suas inquietações.
Brindando mais esta edição do nosso Caderno, conclamo os colegas a continuarem a contribuir, sempre e cada vez mais, para um debate prenhe, maduro e democrático, sobre as questões da relação entre capital e trabalho.

Luiz Antonio Colussi
Presidente da AMATRA IV


DISCURSO DE ABERTURA DO XX ENCONTRO REGIONAL DOS JUÍZES  DO TRABALHO DO RIO GRANDE DO SUL

O encontro em Buenos Aires visa dar seguimento a uma experiência exitosa realizada em Montevidéu, Capital do Uruguai, em 2006, buscando o intercâmbio com os Estados latino-americanos, e na troca de experiências melhorarmos o nosso trabalho e aperfeiçoarmos nossos ideais.

Agradecemos a todos os que aqui estão presentes, argentinos, brasileiros e de outras nacionalidades e uma saudação especial aos nossos anfitriões, pela fidalguia, carinho e apoio que nos dispensaram.

Agradecemos a todos os que ajudaram na preparação e organização            do encontro, as comissões científica e organizadora da AMATRA IV, os funcionários da AMATRA IV, e os demais colaboradores.

Agradecemos aos nossos palestrantes, que se dispuseram a estar aqui para abrilhantar nosso evento, nosso mais profundo reconhecimento.

Compreendemos aqueles que aqui não puderam estar e gostariam de dividir conosco esse momento especial, e o faço citando duas pessoas que não puderam estar presentes por problemas de saúde, o vice-presidente Salomão e a minha mulher Elisabete.

Contudo, temos certeza que saberemos levar a todos os ensinamentos aqui recebidos. Mas certamente a amizade e a confraternização, essa levaremos para sempre em nossos corações.

Em 2008 foram completados 20 anos de vigência da Constituição Federal, que é marco para a implementação dos direitos sociais em nosso Estado Democrático de Direito. Nela, verifica-se o acerto do constituinte brasileiro: de buscar a efetividade aos direitos sociais, de garantir os direitos laborais.

É sabido que o mundo passa por uma grande dificuldade, contudo, não se pode permitir que essa situação, pelas quais passam as empresas, pela crise financeira mundial, venha prejudicar os direitos duramente conquistados pelos trabalhadores. É contra isso que se tem de lutar, de resistir, para que se possa encontrar trabalho digno para os cidadãos, um trabalho que lhes permita sobreviver no mundo globalizado que privilegia o lucro.

Para a Organização Internacional do Trabalho todos têm direito a um trabalho decente que nada mais é do que ter um bom trabalho ou um emprego digno. O trabalho que dignifica e permite desenvolvimento das próprias capacidades não é qualquer trabalho, pelo contrário, pode-se afirmar que não é decente o trabalho que se realiza sem respeito aos princípios e direitos fundamentais, nem aquele que ocorre sem proteção social e sem cumprimento das normas trabalhistas.

É neste campo que entra o presente encontro, que traz em seu tema principal O Papel do Poder Judiciário na consolidação da Democracia, sem a qual não se pode almejar o ideal de dignidade a todos os cidadãos.

Para a consolidação da Democracia é necessário que se tenha juízes independentes, comprometidos com seu trabalho, com a Constituição. Ilustrando esta manifestação de abertura do encontro, é muito interessante trazer o ensinamento de Dalmo de Abreu Dallari, no livro, O Poder dos Juízes:

“A magistratura deve ser independente para que se possa orientar no sentido da justiça, decidindo com eqüidade os conflitos de interesses. O juiz não pode sofrer qualquer espécie de violência, de ameaça ou de constrangimento material, moral ou psicológico. Ele necessita da independência para                  poder desempenhar plenamente suas funções, decidindo com serenidade                     e imparcialidade, cumprindo verdadeira missão no interesse da sociedade. Assim, pois, segundo essa visão ideal do juiz, mais do que este, individualmente, é a sociedade quem precisa dessa independência, o que, em última análise, faz o próprio magistrado incluir-se entre os que devem zelar pela existência da magistratura independente.” (fl. 48-9)

Assim, ao tempo em que comemora os 20 anos da Constituição brasileira, e nosso XX Encontro Regional, a AMATRA IV continua sua luta para demonstrar a importância da efetivação do Direito do Trabalho, do cumprimento da legislação social, sempre como forma de valorização do trabalho e da pessoa humana do trabalhador.

Buenos Aires, 11 junho de 2009.

LUIZ ANTONIO COLUSSI

Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho                           do Rio Grande do Sul – AMATRA IV


CARTA DE BUENOS AIRES

Os Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul, reunidos no XX Encontro Regional da AMATRA IV, na cidade de Buenos Aires, República Argentina, nos dias 11 e 12 de junho de 2009, debateram a realidade do direito do trabalho, firmando os seguintes compromissos:
A – Reafirmar a Democracia como valor central do Estado Democrático de Direito.
B – Confirmar o primado da Constituição como fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico.
C – Compreender os direitos sociais como direitos humanos fundamentais.
D – Reafirmar o princípio da proteção como estrutura vertebral do direito e do processo do trabalho.
E – Aplicar as normas internacionais de proteção ao trabalho como forma de redução das desigualdades sociais.
F – Adotar o princípio da proibição de retrocesso social como critério hermenêutico.
G – Resistir a precarização das relações de trabalho, ao processo de terceirização e a interpretação flexibilizadora das leis trabalhistas.
H – Manter o intercâmbio cultural e associativo entre os operadores juslaboralistas no âmbito da América Latina.
I – Afirmar que as prerrogativas constitucionais da magistratura constituem condição de possibilidade para a independência do Juiz, pressuposto do Estado Democrático de Direito e instrumento de construção da República.

Cidade de Buenos Aires, República Argentina, 12 de junho de 2009.

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DO RIO GRANDE DO SUL
AMATRA IV


Algumas notas a respeito dos direitos fundamentais sociais e a proibição de retrocesso: desafios e perspectivas

Ingo Wolfgang Sarlet

Doutor e Pós-Doutor em Direito (Universidade de Munique e Instituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro e Internacional, Alemanha)

Professor Titular de Direito Constitucional na Faculdade e no Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da PUC/RS e na Escola Superior da Magistratura do RS

Membro da Diretoria do IBEC-Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais

Professor do Doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide, Sevilha, Professor Visitante da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa (bolsista do Programa Erasmus Mundus)

Pesquisador Visitante nas Universidades de Georgetown e Harvard, EUA

Juiz de Direito no RS

SUMÁRIO: 1. O Estado Constitucional e o dever de progressiva realização dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESCA) – aproximação           e delimitação do tema; 2. Conceito, fundamentação jurídico-constitucional             e significado da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais;                    2.1. Aspectos terminológicos e conceituais; 2.2. Notas sobre a fundamentação de uma proibição de retrocesso na perspectiva jurídico-constitucional; 3. Alguns parâmetros para aferição do alcance do princípio da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais; Considerações Finais.

1. O ESTADO CONSTITUCIONAL E O DEVER DE PROGRESSIVA REALIZAÇÃO DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS, CULTURAIS E AMBIENTAIS (DESCA[1]) – APROXIMAÇÃO E DELIMITAÇÃO      DO TEMA

Considerando o quadro normativo constitucional contemporâneo dominante, pelo menos no que diz com a evolução em termos formais (textuais) e quantitativos, é possível endossar a afirmação de Peter Häberle no sentido de que os direitos sociais (aqui compreendidos em sentido amplo, abrangendo a dimensão cultural e ambiental), especialmente em virtude de sua umbilical relação com a dignidade da pessoa humana e a própria democracia, constituem parte integrante de um autêntico Estado (Constitucional) Democrático de Direito,[2] à exceção, por evidente, daquilo que se pode designar de um constitucionalismo meramente textual ou aparente, lamentavelmente não raro de ser encontrado[3]. Com efeito, ainda de acordo com Peter Häberle, ao mesmo tempo em que a dignidade da pessoa humana, na sua condição de “premissa antropológica” do Estado Constitucional e do Direito estatal, implica o dever do Estado de impedir que as pessoas sejam reduzidas à condição de mero objeto no âmbito social, econômico e cultural, o princípio democrático-pluralista, como consequência organizatória da própria dignidade da pessoa humana, assim como os direitos político-participativos que lhe são inerentes, exige um mínimo de direitos sociais, que viabilizem a efetiva participação do cidadão no processo democrático-deliberativo de uma autêntica sociedade aberta[4], da mesma forma como – cabe acrescentar – não se pode mais conceber uma existência humana digna sem a garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado e saudável e sem que o Estado Democrático de Direito seja simultaneamente também um Estado Socioambiental, que tenha como tarefa permanente a proteção e promoção sustentável dos direitos fundamentais em todas as suas múltiplas dimensões. Que a medida adequada em termos de reconhecimento quantitativo e qualitativo dos direitos fundamentais, com destaque, considerando o enfoque do presente texto, para os Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (doravante representados pela sigla DESCA).

De outra parte, em instigante e influente ensaio produzido há quase quatro décadas, o mesmo Peter Häberle (antes, portanto, de alguns autores mais recentes, festejados, neste particular sem razão, pela sua originalidade e pioneirismo) sublinha que precisamente o referido vínculo entre dignidade, democracia e os DESCA (entre outros aspectos, importa frisar) evidencia o quanto, em certo sentido, todos os direitos fundamentais são sempre também direitos sociais, visto sempre terem uma dimensão comunitária, mas em especial por serem todos, em maior ou menor medida, dependentes de concretização também por meio de prestações estatais. Ao mesmo tempo, tais vínculos revelam a natureza meramente gradual e relativa das distinções entre os diversos tipos, manifestações e funções de direitos fundamentais, de tal sorte que tais funções e tipologias devem ser compreendidas e concretizadas em conjunto, no sentido de se complementarem e reforçarem mutuamente[5]. Aliás, é precisamente esta interdependência uma das razões que dão suporte  à opção terminológica em prol de um Estado Socioambiental, e que, de outra parte, recomendam a inclusão, no mesmo plano, dos direitos e deveres ambientais (ecológicos) no rol dos direitos econômicos, sociais e culturais, não sendo o nosso propósito adentrar aqui a discussão a respeito da correção de tal opção terminológica e mesmo conceitual. Para salientar ainda mais             tal perspectiva, basta, no momento, recordar que mesmo os direitos civis e políticos têm experimentado um processo de releitura e mesmo reconstrução, adquirindo, como de modo sugestivo formulou Vasco Pereira da Silva, uma tintura verde, ecológica[6], como bem o demonstram, citando-se apenas alguns exemplos, o reconhecimento de uma função simultaneamente social e ambiental da posse e da propriedade, o direito a informações na esfera ambiental, a noção de uma ecocidadania[7], assim como a conexão entre saúde, moradia, trabalho e meio-ambiente.

Por outro lado, para além da circunstância, muitas vezes apontada de forma crítica, de que muitas constituições (especialmente de países tidos como periféricos ou em desenvolvimento), dada a amplitude de seu catálogo constitucional de direitos sociais, talvez de fato tenham prometido mais do que o desejável ou mesmo possível de ser cumprido[8], aspecto que também diz respeito ao que já se designou de uma banalização da noção de direitos fundamentais (fenômeno que não se manifesta apenas na seara dos direitos sociais)[9], há que reconhecer que, transitando do plano textual para o da realidade social, econômica e cultural, a ausência significativa de efetividade do projeto social constitucional para a maioria das populações dos países designados de periféricos ou em desenvolvimento, marcados por níveis importantes de desigualdade e exclusão social, segue sendo um elemento caracterizador de uma face comum negativa. Tal crise, no sentido de uma crise de efetividade, por sua vez, é comum – em maior ou menor escala –              a todos os direitos fundamentais, não podendo ser considerada uma espécie de triste privilégio dos direitos sociais, precisamente pela conexão entre os direitos sociais e o gozo efetivo dos assim designados direitos civis e políticos. Com efeito, também a democracia, a cultura e o ambiente se ressentem da fragilidade dos direitos sociais no que concerne à sua realização efetiva pelo menos para a ampla maioria dos cidadãos dos Estados Constitucionais que consagraram o projeto do Estado Socioambiental. Nesta mesma perspectiva, embora não seja nosso propósito desenvolver tal tópico, nunca é demais lembrar o quanto a exclusão social e econômica e a instauração de ambientes caracterizados pelo que Boaventura Santos chamou de “fascismos societais”[10], encontram-se vinculados a determinadas opções de política econômica e modelos desenvolvimentistas assumidamente excludentes e responsáveis pelos altos índices de concentração de renda e, portanto, de desigualdades.

Tais considerações, por sua vez, propiciam uma aproximação com o enfoque específico do nosso estudo, visto que também a noção de uma proibição de retrocesso, como se verá, é, em certo sentido, comum a todos os direitos fundamentais. De outra parte, considerando que a proibição de retrocesso em matéria de proteção e promoção dos DESCA guarda relação com a previsão expressa de um dever de progressiva realização contido              em cláusulas vinculativas de direito internacional (como é o caso do pacto internacional de direitos sociais, econômicos e culturais, de 1966, ratificado pela ampla maioria dos estados latino-americanos, igualmente vinculados pela Convenção Americana de 1969 e pelo Protocolo de São Salvador, que, por sua vez, complementa a Convenção Americana ao dispor sobre os direitos sociais[11]), poder-se-á afirmar que pelo menos tanto quanto proteger o pouco que há em termos de direitos sociais efetivos, há que priorizar o dever de progressiva implantação de tais direitos e de ampliação da de uma cidadania inclusiva. Com efeito, progresso, aqui compreendido na perspectiva de um dever de desenvolvimento sustentável, necessariamente conciliando os eixos econômico, social e ambiental[12], segue sendo possivelmente o maior desafio não apenas, mas especialmente para Estados Constitucionais tidos como periféricos ou em fase de desenvolvimento.

De outra parte, independentemente de o quanto os deveres de progressividade (em matéria de direitos sociais) e desenvolvimento possam (ou mesmo devam) ocupar um lugar de destaque, segue sendo necessária uma preocupação permanente com a consolidação e manutenção pelo menos dos níveis de proteção social mínimos, onde e quando alcançados, nas várias esferas da segurança social e da tutela dos direitos sociais compreendidos em toda a sua amplitude, inclusive como condição para a funcionalidade da própria democracia e sobrevivência do Estado Constitucional. Especialmente considerando a sequelas causadas (ainda que não exclusivamente) pelo do avanço da globalização econômica – e vinculadas ao ideário habitualmente designado como neoliberal – sobre os direitos humanos e fundamentais,[13] verifica-se não ser possível simplesmente negligenciar a relevância do reconhecimento de uma proibição de retrocesso como categoria jurídico-constitucional, ainda mais quando a expressiva maioria das reformas que               têm sido levadas a efeito em todas as partes do Planeta envolve mudanças no plano das políticas públicas e da legislação. Com efeito, dentre os diversos efeitos perversos da crise e da globalização econômica (embora não se possa imputar à globalização todas as mazelas vivenciadas na esfera social e econômica), situa-se a disseminação de políticas de “flexibilização” e até mesmo supressão de garantias dos trabalhadores (sem falar no crescimento dos níveis de desemprego e índices de subemprego), redução dos níveis de prestação social, desmantelamento dos sistemas públicos de saúde, aumento desproporcional de contribuições sociais por parte dos participantes do sistema de proteção social, incremento da exclusão social e das desigualdades, entre outros aspectos que poderiam ser mencionados.

Por outro lado, pelo menos de acordo com setores importantes da doutrina e alguma jurisprudência, é perceptível que também na ordem jurídico-constitucional brasileira acabou encontrando receptividade o assim designado princípio da proibição de retrocesso social, temática que, de resto, nos tem sido particularmente cara, pelo menos desde as nossas primeiras publicações sobre o tema[14]. Desde então, especialmente nos últimos anos, constata-se que além de toda uma produção doutrinária brasileira mais recente[15], também na esfera jurisprudencial, embora de modo ainda muito tímido, são encontradas referências à noção de proibição de retrocesso[16].             Já por esta razão, consideramos oportuno, ainda que com base em nossos escritos anteriores, retomar a discussão, pelo menos para o efeito de render homenagem aos novos aportes doutrinários, ampliando o debate quanto a alguns aspectos em particular, bem como refletindo sobre a correção das nossas próprias posições. Assim, é possível afirmar que o presente estudo tem por objetivo principal, a partir de textos anteriores, e mediante o diálogo com novas contribuições, revisitar o tema da assim designada proibição              de retrocesso na esfera dos direitos sociais, especialmente retomando a discussão em torno dos limites e possibilidades de tal instituto para a promoção e proteção de tais direitos, sempre compreendidos em sentido amplo. Assumida, por outro lado, como correta a premissa de que um Estado Democrático (e Social) de Direito tem como tarefa assegurar a todos uma existência digna (pelo menos é o que deflui, no caso brasileiro, do artigo 170, caput, da Constituição Federal de 1988), cuidando-se, portanto, de um modelo de Estado comprometido com a promoção do livre desenvolvimento da personalidade da população em geral, coloca-se o problema de saber até que ponto pode este mesmo Estado, por meio de reformas na esfera da segurança social, suprimir prestações (benefícios), de modo a piorar os níveis de proteção social atingidos, ainda mais se com isso acabar ficando aquém do assim designado mínimo existencial e, portanto, daquilo que exige o princípio da dignidade da pessoa humana.

2. CONCEITO, FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL E SIGNIFICADO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO  EM  MATÉRIA  DE  DIREITOS  SOCIAIS

2.1. Aspectos terminológicos e conceituais

Se tomarmos a idéia da proibição de retrocesso em um sentido amplo, significando toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais            em face de medidas do poder público (com destaque para o legislador e                     o administrador!), que tenham por escopo a supressão ou mesmo restrição de direitos fundamentais (sejam eles sociais, ou não) constata-se, em termos gerais, que, embora nem sempre sob este rótulo, tal noção já foi recepcionada no âmbito do constitucionalismo luso-brasileiro e, em perspectiva mais ampla, no ambiente constitucional latino-americano e mesmo alguns países europeus, sem prejuízo da evolução na esfera do direito internacional.

Com efeito, desde logo se verifica que, num certo sentido, a garantia constitucional (expressa ou implícita) dos direitos adquiridos, dos atos jurídicos perfeitos e da coisa julgada, assim como as demais vedações constitucionais de atos retroativos, ou mesmo – e de modo todo especial – as normas constitucionais, em especial, todavia, a construção doutrinária e jurisprudencial, dispondo sobre o controle das restrições de direitos fundamentais, já dão conta de o quanto a questão da proteção de direitos contra a ação supressiva  e mesmo erosiva por parte dos órgãos estatais encontrou ressonância.                     Da mesma forma, a proteção contra a ação do poder constituinte reformador, notadamente no concernente à previsão de limites materiais à reforma, igualmente não deixa de constituir uma relevante manifestação em favor da manutenção de determinados conteúdos da Constituição, em particular de todos aqueles que integram o cerne material da ordem constitucional ou – para os que ainda teimam em refutar a existência de limites implícitos – pelo menos daqueles dispositivos (e respectivos conteúdos normativos) expressamente tidos como insuscetíveis de abolição mediante a obra do poder de reforma constitucional, limites que também (embora, é certo, com significativa variação) já constituem um elemento comum ao direito constitucional contemporâneo[17].

De outra parte, importa referir o reconhecimento, como se verifica, com particular agudeza, no direito constitucional brasileiro, de um direito subjetivo negativo, ou seja, da possibilidade de impugnação de qualquer medida contrária aos parâmetros estabelecidos pela normativa constitucional, mesmo na seara das assim designadas normas constitucionais programáticas (impositivas de programas, fins e tarefas) ou normas impositivas de legislação, o que também aponta para a noção de uma proibição de atuação contrária             às imposições constitucionais, tal qual adotada no âmbito da proibição de retrocesso[18]. Neste sentido, o reconhecimento de uma proibição de retrocesso situa-se na esfera daquilo que se pode chamar, abrangendo todas as situações referidas, de uma eficácia negativa das normas constitucionais. Assim, independentemente da exigibilidade dos direitos sociais como direitos positivos, ou seja, direitos subjetivos a prestações sociais, no âmbito da assim designada eficácia negativa, se está em face de uma importante possibilidade de exigibilidade judicial dos direitos sociais como direitos subjetivos de defesa, em outros termos, como proibições de intervenção ou proibições de eliminação de determinadas posições jurídicas.

A partir do exposto, já se percebe que não podem soar tão mal os argumentos daqueles que sustentam que a problemática da proibição de retrocesso social constitui, em verdade, apenas uma forma especial de designar a questão dos limites e restrições aos direitos fundamentais sociais no âmbito mais amplo dos direitos fundamentais, visto que os direitos sociais, precisamente por serem também direitos fundamentais, encontram-se sujeitos, em termos gerais, ao mesmo regime jurídico-constitucional no que diz com os limites às restrições impostas pelo poder público.[19] Com efeito, admitir que apenas os direitos sociais estejam sujeitos a uma tutela contra um retrocesso poderia, inclusive, legitimar o entendimento de que existe uma diferença relevante no que diz com o regime jurídico (no caso, a tutela) constitucional dos direitos sociais e dos demais direitos fundamentais, visto que a estes se aplicariam os critérios convencionais utilizados para legitimar (limites) e controlar (limites dos limites) a constitucionalidade de medidas restritivas, reforçando, inclusive, a idéia – que segue encontrando adeptos – de que os direitos sociais, especialmente em relação aos direitos civis e políticos, ou não são sequer fundamentais, ou estão sujeitos a um regime jurídico diverso, seja ele menos reforçado, seja ele mais forte.

Justamente pelo fato de que importa reconhecer a força dos argumentos referidos, reitera-se a nossa posição em prol da possibilidade de uma aplicação da noção de proibição de retrocesso, desde que tomada em sentido amplo, no sentido de uma proteção dos direitos contra medidas de cunho restritivo, a todos os direitos fundamentais. Assim, verifica-se que a designação proibição de retrocesso social, que opera precisamente na esfera dos direitos sociais, especialmente no que diz com a proteção “negativa” (vedação da supressão ou diminuição) de direitos a prestações sociais, além de uma idéia-força importante (a iluminar a idéia de que existe de fato um retrocesso – e não um simples voltar atrás, portanto, uma mera medida de cunho regressivo) poderia ser justificada a partir de algumas peculiaridades dos direitos sociais, o que, importa sempre frisar, não se revela incompatível com a substancial equivalência – de modo especial no que diz com sua relevância para a ordem constitucional – entre direitos sociais (positivos e negativos) e os demais direitos fundamentais. Em primeiro lugar, o repúdio da ordem jurídica a medidas que, de algum modo, instaurem um estado de retrocesso (expressão que por si só já veicula uma carga negativa), sinaliza que nem todo ajuste, ainda que resulte em eventual restrição de direito fundamental, configura uma violação do direito, mesmo no campo da reversão (ainda mais quando parcial) de políticas públicas, mas que haverá retrocesso, portanto, uma situação constitucionalmente ilegítima, quando forem transpostas certas barreiras, representadas, por sua vez, por um conjunto de limites expressos e implícitos estabelecidos pela ordem jurídico-constitucional, sem prejuízo de barreiras inerentes ao processo político e social, em geral mais eficazes quando se trata de conter determinadas reformas.

No campo dos direitos sociais tal fenômeno talvez seja ainda mais perceptível, especialmente quando se trata de alterações legislativas que afetam um determinado nível de concretização de tais direitos. Ainda que se diga que no campo das restrições aos direitos fundamentais sociais a noção de limites dos limites dos direitos fundamentais (gênero ao qual pertencem os direitos sociais) substitui por completo e com vantagens a de proibição de retrocesso, percebe-se que a noção de proibição de retrocesso (aqui afinada com a idéia de proibição de regressividade difundida no direito internacional), especialmente quando empregada para balizar a tutela dos direitos sociais, assume uma importância toda especial, mesmo que, como já frisado, atue como um elemento argumentativo adicional, a reforçar a necessidade de tutela dos direitos sociais contra toda e qualquer medida que implique em supressão ou restrição ilegítima dos níveis vigentes de proteção social. Também pelas razões ora colacionadas, justifica-se a nossa opção em seguir privilegiando, no plano terminológico, a expressão proibição de retrocesso, justamente pelo fato de que não será qualquer medida restritiva ou regressiva (que, de certa forma, sempre veicula uma restrição) que ensejará uma censura por força da violação da proibição de retrocesso, consoante, aliás, será examinado mais adiante. De outra parte, é preciso reconhecer que a noção de uma proibição de retrocesso (ou proibição de regressividade) tem encontrado crescente receptividade no âmbito da doutrina constitucional[20].

O que já resulta do exposto, é que também a proibição de retrocesso, como categoria jurídico-normativa de matriz constitucional, está a reclamar uma definição jurídica, para que possa alcançar uma adequada aplicação e não se transformar – como, de resto, se suspeita já esteja sendo o caso – em mais um rótulo que se presta a toda a sorte de arbitrariedades, e que, não sendo devidamente compreendido e delimitado, acaba por inserir – de forma paradoxal – mais insegurança no sistema, justamente aquilo que pretende (também e em certa medida!) combater. Da mesma forma, não poderá a proibição de retrocesso servir para a chancela de privilégios por si só já questionáveis no que diz com a sua legitimidade constitucional, o que remete novamente à problemática do conteúdo e dos limites da proteção dos direitos adquiridos, que aqui não será enfrentada.

De outra parte, é preciso enfatizar que mesmo em se reconhecendo             uma função autônoma para a proibição de retrocesso, especialmente na seara dos direitos sociais, tal autonomia sempre será parcial e relativa. Com efeito, se é verdade que a noção de proibição de retrocesso não se confunde com a de segurança jurídica e suas respectivas manifestações (com destaque para os direitos adquiridos e a proteção à confiança), o que sempre fizemos questão de sublinhar[21], também resulta evidente que se registra, conforme já lembrado, uma incensurável conexão entre ambas as figuras (proibição de retrocesso e segurança jurídica), assim como incontornável o liame entre a proibição de retrocesso e outros princípios e institutos jurídico-constitucionais, com destaque para o da proporcionalidade e razoabilidade, assim como com a própria dignidade da pessoa humana.

Desenvolvendo um pouco mais o ponto, é preciso reconhecer que embora a proibição de retrocesso, segurança jurídica (incluindo a proteção da confiança, os direitos adquiridos e as expectativas de direitos) e dignidade da pessoa humana não se confundem, de tal sorte que o princípio da proibição de retrocesso poderá assumir algum contorno autônomo, não se poderá afirmar que tal autonomia implica uma aplicação isolada e sem qualquer relação com outros institutos, como, de resto, demonstram absolutamente todos os exemplos encontrados na doutrina e jurisprudência. Assim, como princípio implícito que é – já que não foi expressamente consagrada com  este rótulo nas constituições – a proibição de retrocesso se encontra referida ao sistema constitucional como um todo, incluindo (mediante referência                  à noção de um bloco de constitucionalidade em sentido amplo) o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, como bem atesta o dever de progressividade na promoção dos direitos sociais e a correlata proibição de regressividade[22].

Resulta perceptível, portanto, que a proibição de retrocesso atua como baliza para a impugnação de medidas que impliquem supressão ou restrição de direitos sociais e que possam ser compreendidas como efetiva violação de tais direitos, os quais, por sua vez, também não dispõem de uma autonomia absoluta no sistema constitucional, sendo, em boa parte e em níveis diferenciados, concretizações da própria dignidade da pessoa humana. Assim, na sua aplicação concreta, isto é, na aferição da existência, ou não, de uma violação da proibição de retrocesso, não se poderiam – como, de resto, tem evidenciado toda a produção jurisprudencial sobre o tema – dispensar critérios adicionais, como é o caso da proteção da confiança (a depender da situação, é claro), da dignidade da pessoa humana e do correlato mínimo existencial, do núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, da proporcionalidade, apenas para citar os mais relevantes.

Por outro lado, é preciso admitir que a segurança jurídica e os institutos que lhe são inerentes, com destaque aqui para o direito adquirido, exigem uma compreensão que dialogue com as peculiaridades dos direitos sociais, inclusive no que diz com a própria proibição de retrocesso, abandonando-se uma perspectiva individualista e privilegiando-se, sem prejuízo da tutela dos direitos individuais, uma exegese afinada com a noção de justiça social, razão pela qual, há quem sustente a necessidade de se reconhecer um direito adquirido social[23], aspecto que, todavia, aqui não temos condições de aprofundar, mas que guarda relação com desenvolvimentos similares, como foi o caso, na Alemanha, da releitura e ampliação do âmbito de proteção da garantia da propriedade, no sentido de abranger algumas modalidades de direitos subjetivos públicos a prestações na esfera da seguridade social, justamente com o intuito de atribuir a tais posições jurídicas uma proteção jurídico-constitucional contra eventuais retrocessos[24].

Neste mesmo contexto, afirmar que a proibição de retrocesso encontra fundamento também (embora jamais exclusivamente) na segurança jurídica e na dignidade da pessoa humana, com as quais, embora guarde relação, não se confunde, também não implica reconhecer à proibição de retrocesso caráter meramente instrumental. Com efeito, além da circunstância de que a proibição de retrocesso não protege apenas a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial, o que se afirma é que a própria noção de segurança jurídica,              no âmbito de uma constituição que consagra direitos sociais, não pode ficar reduzida às tradicionais figuras da tutela dos direitos adquiridos ou da irretroatividade de certas medidas do poder público, exigindo, portanto, uma aplicação em sintonia com a plena tutela e promoção dos direitos fundamentais em geral, incluindo os direitos sociais. O reconhecimento de uma proibição de retrocesso como princípio-garantia jurídico (seja qual for o rótulo utilizado), se revela, portanto, como necessário, pois parte das medidas que resultam em supressão e diminuição de direitos sociais ocorre sem que ocorra uma alteração do texto constitucional, sem que se verifique a violação de direitos adquiridos ou mesmo sem que se trate de medidas tipicamente retroativas.

Dando sequência à tentativa de definir os contornos da proibição de retrocesso, é preciso lembrar aqui da hipótese – talvez a mais comum em se considerando as referências feitas na doutrina e jurisprudência – da concretização pelo legislador infraconstitucional do conteúdo e da proteção dos direitos sociais, especialmente (mas não exclusivamente) na sua dimensão positiva, o que nos remete diretamente à noção de que o conteúdo essencial dos direitos sociais deverá ser interpretado (também!) no sentido dos elementos nucleares do nível prestacional legislativamente definido, o que, por sua vez, desemboca inevitavelmente no já anunciado problema da proibição de um retrocesso social. Em suma, a questão central que se coloca neste contexto específico  da proibição de retrocesso é a de saber, se e até que ponto pode o legislador infraconstitucional (assim como os demais órgãos estatais, quando for o caso), voltar atrás no que diz com a concretização dos direitos fundamentais sociais, assim como dos objetivos estabelecidos pelas constituições em matéria de promoção da justiça social, designadamente no âmbito das normas impositivas de programas, fins e tarefas na esfera social, ainda que não o faça com efeitos retroativos e que não esteja em causa uma alteração do texto constitucional.

Desde logo, à vista do que foi colocado, nos parece dispensar maiores considerações o quanto medidas tomadas com efeitos prospectivos podem representar um grave retrocesso, não apenas (embora também) sob a ótica dos direitos de cada pessoa considerada na sua individualidade, quanto para a ordem jurídica e social como um todo. Além disso, percebe-se nitidamente a complexidade da temática, especialmente no âmbito daquilo que pode ser designado como constituindo uma “eficácia protetiva” dos direitos fundamentais. Portanto, mais uma vez vale repisar que estamos diante de um fenômeno, que, compreendido em sentido amplo, à feição, por exemplo, da proposta de acordo com a qual se trata de um problema de limites dos limites próprio de todos os direitos fundamentais, não se manifesta apenas na seara dos direitos fundamentais sociais, pelo menos se tomados em sentido estrito, como direitos a prestações sociais[25]. Assim, por exemplo, dentre as diversas possibilidades que envolvem uma noção abrangente de proibição de retrocesso, designadamente em face das peculiaridades do direito ambiental, é possível, como bem aponta Carlos Alberto Molinaro, falar de um princípio de vedação da retrogradação, já que o direito ambiental cuida justamente da proteção e promoção dos          bens ambientais, especialmente no sentido de impedir a degradação do meio ambiente, o que corresponde, por sua vez, a uma perspectiva evolucionista          (e não involucionista) da vida.[26]

Verifica-se, portanto, que insistir no fato de que a blindagem dos direitos fundamentais contra medidas retrocessivas (ou regressivas, se preferirmos) seja um “privilégio” dos direitos sociais, como se apenas nesta esfera se colocasse o problema (por mais que haja peculiaridades a serem consideradas e que justificam o reconhecimento de uma proibição de retrocesso social), significaria, ao fim e ao cabo, ou a exclusão dos demais direitos fundamentais de tal proteção (como se aqui a proteção com base na segurança jurídica fosse suficiente), ou a constatação – evidentemente equivocada – de que o sistema de limitações às restrições de direitos, designadamente a proporcionalidade e a garantia do núcleo essencial, apenas para citar os mais importantes, nada teria a ver com a proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais.

Sem que se pretenda, todavia, avançar no debate sobre o quão autônoma é (ou não) a garantia constitucional contra um retrocesso em relação a outros institutos jurídico-constitucionais, partiremos aqui do pressuposto de que o princípio da proibição de retrocesso, em diálogo permanente com outros princípios e regras, tem assumido uma posição de destaque, seja na esfera constitucional, seja na esfera do direito internacional dos direitos humanos, como importante ferramenta contra uma evolução regressiva (retrocessiva) em matéria de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Aliás, apenas para que fique consignado, a possibilidade de se controlar medidas de cunho regressivo com base numa proibição jurídica de retrocesso pressupõe avaliação sempre em caráter relacional, pois um retrocesso (no sentido de uma supressão, diminuição, um voltar atrás, um regresso) somente se pode dar em relação a um estado anterior, que sirva de referência para tal avaliação. De outra parte, enfatizando a nossa opção (sumariamente justificada acima) pelo termo proibição de retrocesso, renunciamos à pretensão de aprofundar a querela em torno da terminologia mais apropriada, especialmente no que diz com a possibilidade de atribuição de um conteúdo e significado distintos aos demais rótulos convencionais, no caso, proibição de regressividade, proibição de evolução reacionária, princípio da não-reversibilidade, ou mesmo outros que possam ser utilizados[27]. Tais expressões, para efeitos deste trabalho, serão tidas como equivalentes à proibição de retrocesso, não apenas pelo fato de a considerarmos a expressão mais apropriada, mas também em função da necessidade de um acordo semântico.

2.2. Notas sobre a fundamentação de uma proibição de retrocesso na perspectiva jurídico-constitucional

De partida, aderindo ao justificado ceticismo em relação à importação acrítica e muitas vezes inadequada de institutos oriundos de outras experiências jurídicas[28], convém sublinhar que, ao mesmo tempo em que a discussão em torno da redução (e até mesmo do desmonte) do Estado social de Direito e dos direitos sociais que lhe são inerentes apresenta proporções mundiais, não há como desconsiderar que as dimensões da crise e as respostas reclamadas em cada Estado individualmente considerado são inexoravelmente diversas, ainda que se possam constatar pontos comuns. Diferenciadas são, por              outro lado, as soluções encontradas por cada ordem jurídica para enfrentar o problema, diferenças que não se limitam à esfera da natureza dos instrumentos, mas que, de modo especial, abrangem a intensidade da proteção outorgada por àqueles aos sistemas de seguridade social, o que, à evidência, não poderá deixar de ser considerado nas linhas que se seguem. Assim, também a temática da proibição de retrocesso reclama um tratamento constitucionalmente adequado e, portanto, nos termos da lição de Peter Häberle, também exige uma interpretação contextualizada, referida à realidade (kontextbezogene Auslegung)[29].

Tal enfoque – diferenciado e contextualizado – assume feições ainda mais emergenciais quando nos damos conta que as constituições latino-americanas inserem-se num ambiente significativamente diverso, por exemplo, do experimentado pelo constitucionalismo europeu. Com efeito, além de as constituições terem, em boa parte e de modo diferenciado entre si, um caráter marcadamente compromissário e dirigente, importa endossar as palavras de Lenio Streck no sentido de que as promessas da modernidade sequer foram minimamente cumpridas para a maioria dos habitantes da América Latina, de tal sorte que a concepção de um Estado Constitucional, que mereça a qualificação de um autêntico Estado Democrático (e social) de Direito, compreendido como Estado da justiça material e que assegura uma igualdade de oportunidades não passa, no mais das vezes, de um simulacro[30]. Já por tais razões, verifica-se que se a discussão em torno da proibição de retrocesso na esfera dos direitos sociais constitui tarefa permanente, pelas mesmas razões resulta evidente que na perspectiva da cidadania e para o direito constitucional, o problema maior ainda é o de dar cumprimento eficiente e eficaz ao dever de progressiva concretização dos objetivos sociais e dos direitos sociais constitucionalmente reconhecidos e assegurados, o que não afasta a necessidade de se levar (muito) a sério a proibição de retrocesso, naquilo onde mesmo o pouco que foi alcançado possa estar em risco. Pelo contrário, onde a ampla maioria da população se situa na faixa do assim designado mínimo existencial ou mesmo aquém deste patamar, maior vigilância de impõe em relação a toda e qualquer medida potencialmente restritiva ou mesmo supressiva de proteção social.                   O dever de progressividade (e, portanto, de promoção e desenvolvimento) e a proibição de retrocesso (de uma evolução regressiva) constituem, portanto, dimensões interligadas e que reclamam uma produtiva e dinâmica compreensão e aplicação.

Por outro lado, embora se trate de instituto que recebeu ampla acolhida na comunidade internacional (pelo menos, no âmbito dos direitos sociais, econômicos e culturais), não se pode afirmar que a proibição de retrocesso, especialmente na perspectiva aqui privilegiada, esteja ocupando um lugar de destaque similar nos diversos ordenamentos jurídicos, visto que não se                pode afirmar que represente um amplo consenso no direito comparado.               Pelo menos, há que reconhecer que em muitos países a proibição de retrocesso tem sido aplicada ou com outro rótulo ou mediante recurso a outras figuras jurídicas, embora cumprindo a função de garantia contra uma supressão e mesmo redução, a depender das circunstâncias, de conquistas na esfera dos direitos sociais. Assim, convém que se avance na identificação dos principais argumentos que sustentam, no plano da dogmática jurídico-constitucional, o reconhecimento de uma proibição de retrocesso, designadamente em matéria de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESCA).

Como ponto de partida, é possível recolher a lição de Luís Roberto Barroso, que, aderindo à evolução doutrinária precedente, pelo menos no           que diz com a literatura luso-brasileira, bem averba que, “por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido”.[31] Embora tal fundamentação seja insuficiente para dar conta da complexidade da proibição de retrocesso, ela demonstra que a noção de proibição de retrocesso segue, como já frisado acima, sendo vinculada à noção de um direito subjetivo negativo, no sentido de que é possível impugnar judicialmente toda e qualquer medida que se encontre em conflito com o teor da Constituição (inclusive com os objetivos estabelecidos nas normas de cunho programático), bem como rechaçar medidas legislativas que venham, pura e simplesmente, subtrair supervenientemente a uma norma constitucional o grau de concretização anterior que lhe foi outorgado pelo legislador.[32] Em suma, colacionando, para este efeito, a lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira, as normas constitucionais que reconhecem direitos sociais de caráter positivo implicam uma proibição de retrocesso, já que “uma vez dada satisfação ao direito, este se transforma, nessa medida, em direito negativo, ou direito de defesa, isto é, num direito a que o Estado se abstenha de atentar contra ele”.[33]

De acordo com tal linha de entendimento, não é possível, portanto, admitir-se uma ausência de vinculação do legislador (assim como dos órgãos estatais em geral) às normas de direitos sociais, assim como, ainda que em medida diferenciada, às normas constitucionais impositivas de fins e tarefas em matéria de justiça social, pois, se assim fosse, estar-se-ia chancelando uma fraude à Constituição, pois o legislador – que ao legislar em matéria de proteção social apenas está a cumprir um mandamento do Constituinte – poderia pura e simplesmente desfazer o que fez no estrito cumprimento                da Constituição. Valendo-nos aqui da lição de Jorge Miranda (que, todavia, admite uma proibição apenas relativa de retrocesso), o legislador não pode simplesmente eliminar as normas (legais) que concretizam os direitos sociais, pois isto equivaleria a subtrair às normas constitucionais a sua eficácia jurídica, já que o cumprimento de um comando constitucional acaba por converter-se em uma proibição de destruir a situação instaurada pelo legislador.[34] Em outras palavras, mesmo tendo em conta que o “espaço de prognose e decisão” legislativo seja variável, ainda mais no marco dos direitos sociais e das políticas públicas para a sua realização,[35] não se pode admitir que em nome da liberdade de conformação do legislador o valor jurídico dos direitos sociais, assim como a sua própria fundamentalidade, acabem sendo esvaziados.[36] Tudo somado, constata-se que também a problemática da proibição de retrocesso acaba guardando forte relação com o tema da liberdade de conformação do legislador (em outras palavras, da margem de ação legislativa) e as possibilidades e limites de seu controle, em especial por parte da assim chamada jurisdição constitucional, no marco do Estado Democrático de Direito.

A partir desta perspectiva e renunciando desde logo ao esgotamento e aprofundamento individualizado de todo o leque de razões passíveis de serem referidas, verifica-se que, numa perspectiva jurídico-constitucional que pode ser considerada como sendo substancialmente comum às diversas constituições latino-americanas, o princípio da proibição de retrocesso social decorre – como já sinalizado – de modo implícito do sistema constitucional,[37] designadamente dos seguintes princípios e argumentos de matriz jurídico-constitucional, o que não vale dizer (insista-se!) que a proibição de retrocesso se confunda com tais institutos ou mesmo que deles decorra exclusivamente, ainda mais quando considerados de modo isolado.

a) Dos princípios do Estado Democrático e Social de Direito, em suma, daquilo que hoje corresponde ao modelo do Estado Constitucional, que exige a promoção e manutenção de um patamar mínimo tanto em termos de proteção social quanto em termos de segurança jurídica, o que necessariamente, dentre outros aspectos, abrange a garantia de um mínimo existencial, assim como a proteção contra medidas retroativa, e, pelo menos em certa medida, contra atos de cunho retrocessivo – ainda que de efeitos prospectivos – de um modo geral;

b) Do princípio da dignidade da pessoa humana que, exigindo a satisfação – por meio de prestações positivas (e, portanto, de direitos fundamentais sociais) – de uma existência condigna para todos, tem como efeito, na sua perspectiva negativa, a inviabilidade de medidas que fiquem aquém deste patamar[38]; Embora o conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais não possa, ainda mais no caso de constituições analíticas e muito pródigas em direitos, ser pura e simplesmente equiparado ao conteúdo essencial dos direitos fundamentais, é certo que tanto a dignidade da pessoa humana quanto o núcleo essencial operam como limites dos limites aos direitos fundamentais, blindando tais conteúdos (dignidade e/ou núcleo essencial) em face de medidas restritivas, o que se aplica, em termos gerais, tanto aos direitos sociais quanto aos demais direitos fundamentais;

c) Do dever de assegurar a máxima eficácia e efetividade às normas definidoras de direiteos fundamentais, que necessariamente abrange também a maximização da proteção dos direitos fundamentais, exigindo um sistema de tutela isento de lacunas; Aliás, também neste sentido não se deve olvidar das lições de Peter Häberle, ao sustentar a necessidade de se ter sempre presente a máxima do desenvolvimento de uma “eficácia protetiva” dos direitos fundamentais[39].

d) O princípio da proteção da confiança, na condição de elemento nuclear do Estado de Direito (já em função de sua íntima conexão com a própria segurança jurídica) impõe aos órgãos estatais – inclusive (mas não exclusivamente) como exigência da boa-fé nas relações com os particulares – o respeito pela confiança depositada pelos indivíduos em relação a um determinado nível de estabilidade e continuidade da ordem jurídica objetiva, assim como dos direitos subjetivos atribuídos às pessoas. A proteção da confiança, portanto, atua menos no sentido de um fundamento propriamente dito da proibição de retrocesso do que como critério auxiliar para sua adequada aplicação. Com efeito, parece evidente que os órgãos estatais, inclusive (mas não só!) por força da segurança jurídica e da proteção à confiança, encontram-se vinculados não apenas às imposições constitucionais no âmbito da sua concretização no plano infraconstitucional, mas devem observar certo grau de vinculação em relação aos próprios atos já praticados.[40] Tal obrigação, por sua vez, alcança tanto o legislador, quando os atos da administração e, em certa medida, os órgãos jurisdicionais, aspecto que, todavia, carece de maior desenvolvimento do que o permitido pelos limites do presente estudo;

e) Além do exposto, constata-se que negar reconhecimento ao princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte.[41] Com efeito, como bem lembra Luís Roberto Barroso, mediante o reconhecimento de uma proibição de retrocesso, está a se impedir a frustração da efetividade constitucional, já que, na hipótese de o legislador revogar o ato que deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito, estaria acarretando um retorno à situação de omissão (inconstitucional, como poderíamos acrescentar) anterior.[42] Precisamente neste contexto, insere-se também a argumentação deduzida pelos votos condutores (especialmente do então Conselheiro Vital Moreira) do conhecido leading case do Tribunal Constitucional de Portugal, versando sobre o Serviço Nacional de Saúde, sustentando que “as tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas a criá-los, obrigam também a não aboli-los uma vez criados”, aduzindo que “após ter emanado uma lei requerida pela Constituição para realizar um direito fundamental, é interdito ao legislador revogar esta lei, repondo o estado de coisas anterior.” Daí se extrai, na linha de pensamento do autor, que as instituições, serviços ou institutos jurídicos, uma vez criados pela lei ou por ato da administração pública, com o intuito de concretizar a proteção e promoção de direito fundamental ou finalidade constitucional, passam a ter a sua existência constitucionalmente garantida, de tal sorte que uma nova lei pode vir a alterá-los ou reformá-los nos limites constitucionalmente admitidos, mas não pode pura e simplesmente revogá-los.

f) Os argumentos esgrimidos restam enrobustecidos por um importante fundamento adicional extraído do direito internacional, notadamente no plano dos direitos econômicos sociais e culturais. Com efeito, de acordo com arguta observação de Victor Abramovich e Christian Courtis,[43] sustentando que o sistema de proteção internacional impõe a progressiva concretização da proteção social por parte dos Estados, encontra-se implicitamente vedado o retrocesso em relação aos direitos sociais já concretizados. Neste plano, aliás, percebe-se que a proibição de retrocesso (regressividade) atua como relevante ponto de encontro entre o direito constitucional dos estados e o direito internacional dos direitos humanos, operando, além disso, como elemento que impulsiona precisamente não apenas a formação, neste particular, de um direito constitucional interno (estatal) comum na esfera regional (no caso brasileiro, da América Latina), mas também de um direito constitucional internacional. Como já referido, a adesão por parte dos estados latino-americanos ao Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais e ao Protocolo de San Salvador por si só já implica um comprometimento jurídico-constitucional com o dever de progressiva realização de tais direitos e, por via de consequência, com a correlata proibição de regressividade[44].

Se em favor do reconhecimento de uma proibição de retrocesso em matéria de direitos fundamentais sociais podem ser – para além da controvérsia sobre a terminologia – colacionados fortes argumentos de matriz jurídico-constitucional, também é verdade que há, ainda, considerável espaço para controvérsia em torno da amplitude da proteção outorgada pelo princípio da proibição de retrocesso social no direito comparado. Este, contudo, o tema do próximo segmento.

3. ALGUNS PARÂMETROS PARA AFERIÇÃO DO ALCANCE DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO EM MATÉRIA DE DIREITOS SOCIAIS

Parece correto apontar a existência de considerável aceitação, pelo menos no Brasil e em alguns outros países, assim como, de modo geral, na esfera do direito internacional, quanto à necessidade de uma proteção jurídica contra o retrocesso em matéria de realização dos direitos sociais e das imposições constitucionais na esfera da justiça social, igualmente é certo que tal consenso (como já foi lembrado) abrange o reconhecimento de que tal proteção não pode assumir um caráter absoluto, notadamente no que diz com a concretização dos direitos sociais a prestações. Para além desse consenso (no sentido de que existe uma proibição relativa de retrocesso em matéria de direitos sociais), constata-se intensa discussão em torno da amplitude da proteção contra o retrocesso, sendo significativas as diferenças de entendimento registradas no âmbito doutrinário e jurisprudencial, mas também na seara das soluções adotadas pelo direito positivo de cada ordem jurídica individualmente considerada. Assim, ilustrando as principais tendências no que diz com o reconhecimento de um valor jurídico à proibição de retrocesso, pode-se partilhar do entendimento de que entre uma negativa total da eficácia jurídica do princípio da proibição de retrocesso (que, ao fim e ao cabo, teria a função de mera diretriz para os agentes políticos) e o outro extremo, o que propugna uma vedação categórica de toda e qualquer ajuste em termos de direitos sociais, também aqui o melhor caminho é o do meio, ou seja, o que             implica uma tutela efetiva, mas não cega e descontextualizada dos direitos fundamentais sociais[45].

Que o reconhecimento de uma proibição de retrocesso não pode resultar na transformação do legislador em órgão de mera execução das decisões constitucionais e nem assegurar (caso compreendida como absoluta vedação de qualquer alteração ou ajuste) aos direitos fundamentais sociais a prestações legislativamente concretizados uma eficácia mais reforçada do que a atribuída aos direitos de defesa em geral, já que estes podem ser restringidos pelo legislador, desde que preservado seu núcleo essencial, já foi objeto de referência na doutrina[46]. Posta a questão em outros termos, a aplicação de uma proibição de retrocesso por si só não veda uma diminuição dos níveis de proteção e promoção de direitos sociais, especialmente na perspectiva subjetiva, para assegurar outros interesses públicos urgentes e relevantes, pois do contrário poderia levar a uma proteção maior dos direitos sociais em relação aos direitos civis e políticos.[47] Em síntese, se uma posição preferencial das liberdades há de ser afastada, pelo menos no sentido de um caráter secundário dos DESCA, no Estado Democrático de Direito também não se poderia justificar uma posição preferencial (ou absolutamente preferencial) de tais direitos, tema que, à evidência, merece maior reflexão do que aqui se pode oferecer.

Aliás, bastaria esta linha argumentativa para reconhecer que não se pode encarar a proibição de retrocesso como tendo a natureza de uma regra de cunho absoluto,[48] seja pelo fato, já apontado, de que a atividade legislativa não pode ser reduzida à função de execução pura e simples da Constituição, seja pelo fato de que esta solução radical, caso tida como aceitável, acabaria por conduzir a uma espécie de transmutação das normas infraconstitucionais em direito constitucional, além de inviabilizar o próprio desenvolvimento deste.[49] Além disso, resulta evidente que a admissão de uma vedação absoluta de retrocesso – especialmente no sentido estrito aqui versado – inexoravelmente resultaria na procedência das críticas formuladas pelos seus adversários.

Resta, contudo, avaliar o mais difícil, qual seja, o como deve ocorrer o controle da limitação da aplicação da proibição de retrocesso. Nesta perspectiva, importa destacar a orientação doutrinária e jurisprudencial, de acordo com a qual qualquer redução do alcance de um direito social deverá, pelo menos prima facie, ser considerada como constituindo uma violação do dever de progressiva realização dos direitos sociais e, portanto, tida como ofensa à proibição de retrocesso, de tal sorte que a restrição do conteúdo protegido de um direito social apenas se revela constitucionalmente legítima quando cuidadosamente avaliada pelo órgão estatal (no mais das vezes, o legislador) que a promove e que se revela como razoável e proporcional, sendo mesmo necessária para alcançar propósitos constitucionais relevantes ou até cogentes[50]. Tal orientação, como se percebe sem esforço, guarda relação             com a dogmática de há muito praticada no plano do controle das restrições dos direitos fundamentais em geral, visto que condiciona a liberdade de conformação do legislador e a discricionariedade administrativa aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade, que balizam toda e qualquer restrição de direito fundamental. Neste sentido, verifica-se que (aqui sem maior preocupação no que diz com a precisão terminológica) que a proibição de retrocesso opera como espécie de limite dos limites dos direitos fundamentais sociais. Por outro lado – o que inclusive é apontado como uma das principais vantagens desta metódica de controle das medidas supressivas ou restritivas de direitos sociais – preserva-se a necessária margem de ação e adequação do poder público em face dos câmbios sociais e econômicos e mesmo no que diz com a manutenção do equilíbrio e coerência interna do sistema jurídico-constitucional, além de se fomentar uma ampla e responsável deliberação pública no sentido de justificar a necessidade dos ajustes no campo dos direitos sociais[51].

Embora não se pretenda desenvolver aqui com a necessária profundidade os aspectos ventilados, vinculados aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade e ao dever de justificação das medidas restritivas, assume-se como correta, pelo menos em termos gerais, tal linha de entendimento, até mesmo pelo fato de que, em se cuidando de controlar a atuação do poder público resultante em restrições de direitos fundamentais sociais, não se poderia aqui deixar de operar com os correlatos critérios para o controle de tais restrições, ainda que com a eventualmente necessária adequação ao regime e peculiaridades dos direitos sociais e do contexto jurídico-constitucional, social, político e econômico.

De outra parte, também é perceptível que reduzir a proibição de retrocesso a um mero controle da razoabilidade e proporcionalidade, assim como de uma adequada justificação das medidas restritivas, poderá não ser            o suficiente, ainda mais se ao controle da proporcionalidade não for agregada a noção de que qualquer medida restritiva deverá preservar o núcleo (ou conteúdo essencial) do direito fundamental afetado, o que, por sua vez, guarda relação com a opção, no que diz com os limites aos limites dos direitos fundamentais, entre a teoria externa e a teoria interna, sem prejuízo de outros aspectos relevantes a serem considerados e que aqui não serão desenvolvidos. É precisamente aqui, no que diz com o alcance da proteção assegurada por conta de uma proibição de retrocesso, que a dignidade da pessoa humana e o assim designado mínimo existencial (assim como a garantia do núcleo essencial dos direitos) podem assumir particular relevância, tal como tem apontado relevante doutrina e jurisprudência.

Com efeito, adentrando a problemática central deste capítulo, colaciona-se lição de Gomes Canotilho, a sustentar que o núcleo essencial dos direitos sociais concretizado pelo legislador encontra-se constitucionalmente garantido contra medidas estatais que, na prática, resultem na anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial, de tal sorte que a liberdade de conformação do legislador e a inerente auto-reversibilidade encontram limitação no núcleo essencial já realizado.[52] O legislador (assim como o poder público em geral) não pode, portanto, uma vez concretizado determinado direito social no plano da legislação infraconstitucional, mesmo com efeitos meramente prospectivos, voltar atrás e, mediante uma supressão ou mesmo relativização (no sentido de uma restrição), afetar o núcleo essencial legislativamente concretizado de determinado direito social constitucionalmente assegurado. Assim, é em primeira linha o núcleo essencial dos direitos sociais que vincula o poder público no âmbito de uma proteção contra o retrocesso e que, portanto, representa aquilo que efetivamente se encontra protegido.[53]

Muito embora tal concepção possa servir como ponto de partida para               a análise da problemática do alcance da proteção contra o retrocesso em matéria de direitos sociais, não nos parece dispensável algum tipo de aprofundamento, notadamente no que diz com a vinculação do problema às noções de dignidade da pessoa e da garantia das condições materiais mínimas para uma vida digna, que, por sua vez, guardam relação com a noção de núcleo essencial dos direitos sociais, embora não se confundam necessariamente. Além disso, a noção de mínimo existencial, compreendida, por sua vez,   como abrangendo o conjunto de prestações materiais que asseguram a            cada indivíduo uma vida com dignidade, no sentido de uma vida saudável[54], ou seja, de uma vida que corresponda a padrões qualitativos mínimos, nos revela que a dignidade da pessoa atua como diretriz jurídico-material tanto para a definição do núcleo essencial (embora não necessariamente em todos os casos e da mesma forma), quanto para a definição do que constitui a garantia do mínimo existencial, que, na esteira de farta doutrina, abrange bem mais do que a garantia da mera sobrevivência física, não podendo ser restringido, portanto, à noção de um mínimo vital ou a uma noção estritamente liberal de um mínimo suficiente para assegurar o exercício das liberdades fundamentais,[55] ainda mais em se tratando de um “ambiente constitucional, marcado – pelo menos no plano formal – por um constitucionalismo socialmente comprometido.

Com efeito, em se partindo do pressuposto que as prestações estatais básicas destinadas à garantia de uma vida digna para cada pessoa constituem parâmetro para a própria exigibilidade dos direitos sociais na sua condição de direitos subjetivos a prestações, que, neste caso, prevalecem, em regra, até mesmo em face de outros princípios constitucionais (como é o caso da “reserva do possível” [e da conexa reserva parlamentar em matéria orçamentária] e da separação dos poderes)[56], resulta evidente – ainda mais em se cuidando de uma dimensão negativa (ou defensiva) dos direitos sociais (e neste sentido não apenas dos direitos a prestações) – que este conjunto de prestações básicas não poderá ser suprimido ou reduzido (para aquém do seu conteúdo em dignidade da pessoa) nem mesmo mediante ressalva dos direitos adquiridos. Com isso também se percebe nitidamente que a proibição de retrocesso                no sentido aqui versado representa, em verdade, uma proteção que vai além da proteção tradicionalmente imprimida pelas figuras do direito adquirido,       da coisa julgada, bem como das demais vedações específicas de medidas retroativas.

Por outro lado, independentemente da discussão em torno da maior ou menor autonomia (se é que tal autonomia – no sentido de uma autonomia absoluta – de fato existe, dada a evidente conexão da proibição de retrocesso com outras categorias, como a segurança jurídica e a proporcionalidade, por exemplo) da proibição de retrocesso em relação ao regime jurídico dos limites dos direitos fundamentais, no contexto do qual a proibição de retrocesso atuaria, segundo já se apontou, como limite dos limites, merece acolhida a já lembrada tese de que uma medida restritiva em matéria de direitos sociais em princípio deve ser encarada com reservas, isto é, como uma medida “suspeita” e submetida a uma presunção (sempre relativa) de inconstitucionalidade, de tal sorte que sujeita a controle no que concerne à sua proporcionalidade ou mesmo no que diz com a observância de outras exigências.[57] Dentre tais exigências, situa-se precisamente a salvaguarda do núcleo essencial e, de modo especial, do conteúdo em dignidade humana do direito social objeto de restrição. Assim, se uma medida restritiva de direito social deve passar pelos testes da razoabilidade e da proporcionalidade, desafiando a declaração da sua ilegitimidade constitucional se não for adequada e necessária, também deverá – ainda que adequada e necessária             – respeitar as barreiras da assim designada proporcionalidade em sentido estrito, salvaguardando o núcleo essencial dos direitos afetados e o seu conteúdo em dignidade da pessoa humana[58].

Tais premissas, ainda que não mencionadas da mesma forma na fundamentação, encontram-se na base de julgado do Tribunal Constitucional de Portugal, que, por sua vez, tem sido reiteradamente citado em escritos sobre o tema, pelo menos no que diz com a literatura brasileira. Trata-se do Acórdão nº 509/2002, que versa sobre a inconstitucionalidade (por violação do princípio da proibição de retrocesso) do Decreto da Assembléia da República que, ao substituir o antigo rendimento mínimo garantido por um novo rendimento social de inserção, excluiu da fruição do benefício (ainda que mediante a ressalva dos direitos adquiridos) pessoas com idade entre 18     e 25 anos. Em termos gerais e para o que importa neste momento, a decisão, ainda que não unânime, entendeu que a legislação revogada, atinente ao rendimento mínimo garantido, concretizou o direito à segurança social               dos cidadãos mais carentes (incluindo os jovens entre os 18 e 25 anos), de tal sorte que a nova legislação, ao excluir do novo rendimento social de inserção as pessoas nesta faixa etária, sem a previsão e/ou manutenção de algum tipo de proteção social similar, estaria a retroceder no grau de realização já alcançado do direito à segurança social a ponto de violar o conteúdo mínimo desse direito já que atingido o conteúdo nuclear do direito a um mínimo de existência condigna, não existindo outros instrumentos jurídicos que o possam assegurar com um mínimo de eficácia. Destaque-se, ainda, que o Tribunal Constitucional português reiterou pronunciamentos anteriores, reconhecendo que no âmbito da concretização dos direitos sociais o legislador dispõe de ampla liberdade de conformação, podendo decidir a respeito dos instrumentos e sobre o montante dos benefícios sociais a serem prestados, sob pressuposto de que, em qualquer caso a escolha legislativa assegure, com um mínimo de eficácia jurídica, a garantia do direito a um mínimo de existência condigna para todos os casos.[59]

Da análise da paradigmática decisão ora citada, que guarda harmonia com a argumentação desenvolvida ao longo do presente texto, resulta que uma medida de cunho retrocessivo, para que não venha a violar o princípio da proibição de retrocesso, deve, além de contar com uma justificativa de porte constitucional, salvaguardar – em qualquer hipótese – o núcleo essencial dos direitos sociais, notadamente naquilo em que corresponde às prestações materiais indispensáveis para uma vida com dignidade para todas as pessoas. De tal sorte não há, de fato, como sustentar que o reconhecimento de uma proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais (nos termos expostos) resultaria numa aniquilação da liberdade de conformação do legislador, que, de resto – e importa relembrar tal circunstância – nunca foi e nem poderia ser ilimitada no contexto de um Estado constitucional de Direito, como bem revelam os significativos limites impostos na seara das restrições legislativas ao exercício dos direitos fundamentais.

Considerando que o núcleo essencial dos direitos fundamentais, inclusive sociais, nem sempre corresponde ao seu conteúdo em dignidade (que poderá ser variável, a depender do direito fundamental em causa) é de se admitir até mesmo a eventual inconstitucionalidade de medidas que – mesmo não afetando diretamente a dignidade da pessoa humana – inequivocamente estejam a invadir o núcleo essencial. Que também no âmbito da proibição de retrocesso importa que se tenha sempre presente a circunstância de que o conteúdo              do mínimo existencial para uma vida digna encontra-se condicionado pelas circunstâncias históricas, geográficas, sociais, econômicas e culturais em cada lugar e momento em que estiver em causa, mas varia também conforme a natureza do direito social em particular (moradia, saúde, assistência social, apenas para mencionar alguns exemplos) resulta evidente e vai aqui assumido como pressuposto de nossa análise.

Com relação à objeção de que em função da incidência da assim designada “reserva do possível”, isto é, de uma justificativa calcada na falta de recursos e, portanto, fundada na necessidade de promover ajustes para menos ou mesmo a supressão de certos prestações sociais, não haveria como invocar, com sucesso, a proibição de retrocesso, importa ter presente alguns fatores que no mínimo não deveriam ser negligenciados. Em primeiro lugar, se tem sido geralmente admitido que na esfera da garantia do mínimo existencial existe um direito subjetivo definitivo às prestações que lhe são inerentes, ou seja, que eventual obstáculo de ordem financeira e orçamentária deverá ceder ou ser removido, inclusive mediante a realocação de recursos, fixação de prioridades, ou mesmo outras medidas, também – e neste caso com maior razão ainda – não se poderá pretender suprimir ou esvaziar, pelo menos não aquém do mínimo existencial, a concretização já levada a efeito dos direitos sociais. Como exemplo desta tutela negativa do mínimo existencial colaciona-se a sua função como limite material ao poder de tributar do Estado, já que este, em regra, não pode tributar o mínimo existencial (no âmbito do imposto sobe a renda, por exemplo), ainda que mediante a alegação da necessidade de reforçar a arrecadação para promover os direitos sociais[60]. O que se percebe, à vista do exposto, é que o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana operam tanto como fundamentos para a limitação de direitos, quando tal se revelar indispensável à salvaguarda da dignidade, quanto atuam como limites dos limites, pois constituem, ao mesmo tempo, o marco a ser respeitado pelas medidas restritivas[61].

Por outro lado, o que importa, nesta quadra, é enfatizar que embora a alegação da falta de recursos para a manutenção de determinados benefícios sociais ou, o que é mais comum, para a preservação de determinado patamar de proteção social, seja um possível fundamento para justificar uma medida restritiva, não poderá servir de justificativa para a afetação do núcleo essencial dos direitos sociais, ainda mais quando em causa as exigências mínimas para uma vida com dignidade. Com efeito, se o mínimo existencial é aquilo que o Estado em todo o caso deve assegurar positivamente, também é aquilo que o estado deve respeitar por força de um dever de não-intervenção[62]. Precisamente nesta perspectiva (ainda que não idêntica a argumentação) vale referir decisão do Tribunal Constitucional da Colômbia, de acordo com o qual a decisão de reduzir os recursos destinados a subsidiar habitações para a população de baixa renda, promovida pelo poder público municipal, embora em abstrato justificada pela necessidade de contenção de despesas (pela carência de recursos) e atendimento a outras demandas de cunho social, não resultou convincente no caso concreto, especialmente quando as dificuldades financeiras apontadas podem ser atribuídas à falta de planejamento e gestão deficiente do próprio poder público[63].

Em face do exposto, importa reafirmar, também no contexto da proteção dos direitos sociais na esfera de uma proibição de retrocesso, que uma violação do mínimo existencial (mesmo em se cuidando do núcleo essencial legislativamente concretizado dos direitos sociais) significará sempre uma violação da dignidade da pessoa humana e por esta razão será sempre desproporcional e, portanto, inconstitucional, o que, à evidência, não afasta                a discussão sobre qual o conteúdo do mínimo existencial em cada caso e               no contexto de cada direito social e do estágio de desenvolvimento social e econômico de cada país.[64]

Ainda no que diz com relevância do princípio da proporcionalidade na esfera da assim designada proibição de retrocesso e da salvaguarda dos direitos sociais vinculados ao mínimo existencial, importa lembrar que a proporcionalidade opera tanto como uma proibição de excesso, quanto naquilo em que, vinculada aos deveres de proteção – com os quais não se confunde –, proíbe uma proteção insuficiente – exigindo, pelo contrário, uma proteção social compatível com as exigências da dignidade da pessoa humana no marco de um Estado Democrático e Social de Direito.[65] A conexão entre a proibição de retrocesso social e a assim designada proibição de proteção insuficiente ou deficiente (o que abrange, no caso, a proteção social, em geral representada pela concretização dos direitos sociais) resulta evidente, pois atua tanto como parâmetro para o controle das omissões e ações insuficientes do poder público, quanto serve de critério para o controle de medidas que venham a resultar na supressão ou diminuição de direitos sociais antes concretizados em nível satisfatório, ou seja, em patamares correspondentes         às exigências do mínimo existencial. Em outras palavras, a proibição de retrocesso implica – como já frisado – não apenas a vedação da recriação de um estado de omissão inconstitucional, mas também a proibição de uma  ação insuficiente[66].

Em sintonia com tal linha argumentativa (de modo especial com a noção de uma garantia de um mínimo existencial), embora a ausência de referência direta a uma proibição de proteção insuficiente, como fundamento da decisão, é possível citar julgado proferido por Tribunal da Argentina (Câmara de Apelações do Contencioso Administrativo e Tributário da Cidade de Buenos Aires), onde igualmente estava em causa a garantia de uma habitação (moradia) digna para pessoas submetidas a condições de vida precárias em ambiente marcado por forte exclusão social. No caso concreto (que envolvia a negação do acesso à moradia por parte do autor da demanda judicial), o Tribunal argumentou que a descontinuidade das prestações sociais viola o princípio da proibição de retrocesso, pois uma vez reconhecido e efetivado um direito social, designadamente quando se trata de pessoas que se encontram em situação econômica e social precária, não é possível eliminar pura e simplesmente esta condição básica de inclusão social, ainda mais quando da falta de alternativas razoáveis adotadas por parte do poder público[67].

Para além do exposto e tendo em conta que a dignidade da pessoa humana e a correlata noção de mínimo existencial, a despeito de sua transcendental e decisiva relevância, não são os únicos critérios a serem considerados no âmbito da aplicação do princípio da proibição de retrocesso, importa relembrar aqui as noções de segurança jurídica e proteção da confiança, igualmente referidas em muitas das decisões sobre o tema, inclusive na decisão do Tribunal Constitucional de Portugal, já citada[68]. Assim – mesmo que não se pretenda desenvolver estes aspectos – é certo que também na esfera da proibição de retrocesso tal como versada, a noção de segurança jurídica pressupõe a confiança na estabilidade de uma situação legal atual.[69] Com efeito, a partir do princípio da proteção da confiança, eventual intervenção restritiva no âmbito de posições jurídicas sociais exige, portanto, uma ponderação (hierarquização) entre a agressão (dano) provocada pela lei restritiva à confiança individual e a importância do objetivo almejado pelo legislador para o bem da coletividade.[70] Que tais questões – consoante já frisado – nos remetem novamente aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, mas também dizem respeito ao princípio da isonomia, os quais igualmente devem ser observados neste contexto, salta aos olhos embora aqui não venha a ser mais desenvolvido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cientes de que deixamos muitas questões em aberto, pois a pretensão não era a de efetuar um inventário completo dos aspectos apresentados, seguem algumas conclusões e proposições, que, talvez, possam contribuir para o avanço no debate sobre as possibilidades e limites da proibição                  de retrocesso, especialmente quando compreendida como noção correlata             aos deveres de desenvolvimento sustentável e de progressiva realização dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais.

Quanto ao reconhecimento em si de uma proibição de retrocesso, é possível assumir como correta a constatação no que diz com uma crescente convergência entre o sistema internacional dos direitos humanos e a gradativa incorporação da noção de proibição de retrocesso (insista-se, muitas vezes sob rótulo diverso e com manifestações distintas) à gramática jurídico-constitucional de uma série de países, pelo menos na esfera do constitucionalismo latino-americano e na Europa ocidental, muito embora se trate de uma noção carente de desenvolvimento em vários níveis.

De modo especial, atentando especialmente para os expressivos níveis de exclusão social e os correspondentes reclamos de proteção contra medidas que venham a corroer, ainda mais, os deficitários patamares de segurança social vigentes em países tidos como periféricos, é de reafirmar que a análise sóbria e constitucionalmente adequada da temática ora versada neste ensaio (que não possui mais do que caráter exploratório) assume caráter emergencial e segue reclamando uma atenção constante da doutrina e da jurisprudência, em especial no que diz com a construção de uma sólida e adequada dogmático jurídico-constitucional, definindo os contornos, os limites e possibilidades da proibição de retrocesso. Especialmente relevante é a necessária diferenciação, a despeito dos elos comuns, em relação ao que ocorre em países economicamente mais robustos, onde a noção de proibição de retrocesso igualmente assume importância (veja-se os casos da Alemanha e de Portugal, em caráter ilustrativo), mas onde os sistemas de proteção social, mesmo passando por um processo de “encolhimento”, em termos gerais alcançaram um patamar que corresponde às exigências de uma vida digna para as respectivas populações. Com efeito, embora desenvolvimento sustentável seja também no plano Europeu um dever jurídico-constitucionalmente relevante, o dever de progressiva realização dos DESCA (que guarda relação, mas não se confunde, importa frisar, com o dever de sustentabilidade) – considerado o estágio relativamente salutar dos níveis de tutela social – já se manifesta como mais central para os países em desenvolvimento. Da mesma forma, a própria forma de se compreender e aplicar a proibição de retrocesso em ambientes substancialmente distintos deve ser objeto de especial consideração.

Da mesma forma, se faz necessária também a reconstrução (mas não o abandono) da noção de constitucionalismo dirigente, que, portanto, impõe uma vinculação do legislador ao postulado de uma eficiente e eficaz promoção e garantia dos direitos fundamentais, mesmo (e talvez por isso mesmo, como já o lembramos ao tratar da segurança jurídica) numa sociedade em constante processo de mudança. Com efeito, considerando os desenvolvimentos antecedentes, seguimos acreditando que o reconhecimento de um princípio constitucional (implícito) da proibição de retrocesso constitui – pelo menos no que diz com a vinculação do legislador aos programas de cunho social e econômico (nos quais se insere a previsão dos próprios direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais) – uma manifestação possível de um dirigismo constitucional[71], que além de vincular o legislador de forma direta à Constituição, também assegura uma vinculação, que poderíamos designar de mediata, no sentido de uma vinculação do legislador à sua própria obra, especialmente no sentido de impedir uma frustração da vontade constitucional. Também nesta esfera faz-se indispensável uma contextualização e adequação à realidade normativa e fática dos países em desenvolvimento e que, como              é o caso, por exemplo, da maioria dos estados latino-americanos, possuem constituições analíticas e dirigentes, pena de chegarmos a resultados constitucionalmente inadequados e, portanto, ilegítimos, não sendo à toa           que se fala em um constitucionalismo dirigente adequado aos países de modernidade tardia[72]. Nesta mesma perspectiva, é necessário vincular o dever de desenvolvimento sustentável e a obrigação de uma progressiva realização (tutela e promoção) dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais à concepção de um constitucionalismo dirigente possível, já que somente neste contexto, como já frisado ao longo do texto, faz sentido insistir com uma proibição de retrocesso nesta seara.

Por outro lado, se o manejo constitucionalmente adequado e responsável do princípio da proibição de retrocesso (que definitivamente não se presta                   a blindar privilégios injustificáveis, pelo simples fato de terem sido, em determinado contexto, assegurados a certo grupo de pessoas) não constitui certamente a única via para proteger os direitos fundamentais sociais, também não restam dúvidas de que se trata de uma importante conquista da dogmática jurídico-constitucional (notadamente mediante o labor da doutrina e crescente incidência na esfera jurisprudencial) para assegurar, especialmente no plano de uma eficácia negativa, a proteção dos direitos sociais contra a sua supressão e erosão pelos poderes constituídos, ainda mais num ambiente marcado por acentuada instabilidade social e econômica, como é o caso – também – do espaço latino-americano. Aliás, é a referida instabilidade, somada à tímida realização do dever de uma efetiva (embora progressiva) promoção pelo menos do mínimo existencial em matéria de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, que atua também como um fator de distúrbio, assumindo a feição de obstáculo à afirmação de um direito constitucional comum latino-americano, que não seja meramente identificado pela convergência em matéria textual ou no plano da teorização por parte da doutrina.

Neste contexto, convém não esquecer que nem a afirmação de um dirigismo constitucional, representado pelos deveres de desenvolvimento e progressividade em matéria de DESCA, nem a proibição de retrocesso como categoria jurídico-constitucional (visto que, por si só, na sua condição jurídico-normativa, tais categorias não implicam substancial e efetiva mudança da realidade social), dispensam o resgate do verdadeiro papel da cidadania[73]. Precisamente neste contexto assume relevância o resgate e valorização da noção de um status activus processualis, tal qual cunhada por Peter Häberle[74], visto que a garantia da participação efetiva dos cidadãos nos processos de deliberação e decisão sobre as prioridades a serem atendidas na esfera das políticas públicas, assim como na discussão a respeito de eventuais ajustes e mesmo restrições, deveria necessariamente ser considerada tanto no que diz com a implantação, pela via da organização e procedimento, de mecanismos de participação e controle social, quanto por ocasião da maior ou menor intensidade do controle jurisdicional dos atos do poder público quando em causa uma medida de cunho regressivo.

O que nos parece certo é que dever de progressividade e proibição de retrocesso apenas fazem sentido quando referidos a determinados valores e quando utilizados como instrumentos de promoção de um desenvolvimento para a liberdade, rompendo com a lógica excludente que caracteriza os processos políticos e econômicos privilegiados no cenário internacional contemporâneo. Que a promoção do direito ao trabalho e a proteção do trabalho e do trabalhador reclamam, também no contexto do dever de “progressividade” e da correlata proibição de retrocesso, uma redobrada atenção, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência, mas acima de tudo pelo legislador a quem incumbe promover (ou não!) as reformas indispensáveis, assume ares de obviedade mas nem por isso perde em atualidade e relevância.


[1] Ao longo do texto a expressão “direitos sociais” (nem sempre acompanhada da sigla DESCA) estará sendo utilizada em perspectiva genérica, ou seja, como abrangendo os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais.

[2] Cf. Peter Häberle, “Dignita’Dell’Uomo e Diritti Sociali nelle Costituzioni degli Stati di Diritto”, in: Costituzione e Diritti Sociali, Éditions Universitaires Fribourg Suisse, 1990, p. 99-100-102.

[3] Cf. Peter Häberle, in: EuGRZ 2006, cit., p. 533-34.

[4] Cf., novamente, Peter Häberle, in: Costituzione e Diritti Sociali, cit., p. 100-101.

[5] Cf. Peter Häberle, “Grundrechte im Leistungsstaat”, in: VVDStrL 30, 1972, p. 76.

[6] Cf. Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente, Coimbra: Almedina, 2005.

[7] Sobre o tema, v., entre outros Plauto Faraco de Azevedo, Ecocivilização. Ambiente e Direito no Limiar da Vida, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

[8] Cf. a ponderação de Peter Häberle, in: Costituzione e Diritti Sociali, cit., p. 102, mediante expressa referência aos exemplos de Portugal e do Brasil, embora a possibilidade de ampliar o leque de exemplos, em se considerando a evolução constitucional latino-americana mais recente.

[9] Sobre José Casalta Nabais, Por uma liberdade com responsabilidade. Estudos sobre direitos e deveres fundamentais, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 103, que aponta para os riscos daquilo que designa de uma panjusfundamentalização.

[10] Cf. Boaventura Souza Santos. Reinventar a Democracia: entre o Pré-Contratualismo e o Pós-Contratualismo Coimbra: Oficina do CES, 1998.

[11] Sobre a evolução da proteção internacional dos direitos humanos, abrangendo o sistema interamericano, v., em especial, Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, São Paulo: Saraiva, 2006, designadamente p. 107 e ss. (parte I e II).

[12] Sobre o desenvolvimento sustentável, v., por todos e recentemente, Klaus Bosselmann,           The principle of sustainability, Ashgate, 2008.

[13] Cf. António José Avelãs Nunes, Neoliberalismo & Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

[14] Cf. Ingo Wolfgang Sarlet. “O Estado Social de Direito, a Proibição de Retrocesso e a Garantia Fundamental da Propriedade”, in: Revista da Faculdade de Direito da UFRGS nº 17, 1999,           p. 111-132. No sentido do necessário reconhecimento de uma proteção contra o retrocesso em matéria de direitos sociais, v. também o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 9. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p., 436 e ss., com item específico sobre o tema inserido já na primeira edição, de 1998, periodicamente revisto e atualizado, por sua vez resultante da adequação de capítulo da nossa tese doutoral sobre os direitos sociais no Brasil e na Alemanha, apresentada em julho de 1996 e publicada em 1997, na Alemanha, sob o título Die Problematik der sozialen Grundrechte in der brasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz – eine rechtsvergleichende Untersuchung, Peter Lang: Frankfurt am Main, 1997, 629 p. Da mesma época do nosso artigo data a primeira edição da já clássica obra de Lenio Luiz Streck, Hermenêutica Jurídica e (m) Crise, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999,  p. 39, com referência à decisão do Tribunal Constitucional de Portugal sobre o tema, invocando a noção de uma proibição de retrocesso social. Propondo, de modo pioneiro, a aplicação da proibição de retrocesso em relação à legislação de Direito Privado, v., entre nós, o

artigo da lavra de Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzik, “Um Projeto de Código Civil na Contramão da Constituição”, Revista Trimestral de Direito Civil, ano 1, vol. 4, Rio de Janeiro, out/dez. 2000, p. 243-263.

[15] Cf., além de uma série de artigos já publicados, bem como inúmeras referências ao tema em cursos, manuais e obras que não versam exclusivamente sobre o tema, referem-se apenas as monografias sobre o tema, designadamente as obras de Felipe Derbli. O Princípio da Proibição de Retrocesso Social na Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Renovar, 2007, bem como Mario de Conto, Princípio da Proibição de Retrocesso Social, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, e, por último, Narbal Antônio Mendonça Fileti, A fundamentalidade dos direitos sociais e o princípio da proibição de retrocesso social, São José: Editora Conceito Editorial, 2009.

[16] Cf., por exemplo, o Acórdão no Recurso Especial nº 567.873-MG, Relator Ministro Luiz Fux (DJ 25.02.2004), versando sobre a ilegitimidade da supressão da isenção do IPI para a aquisição de automóveis por parte de portadores de necessidades especiais. Apresentando um inventário de decisões onde houve referência à noção de proibição de retrocesso, v. em especial Felipe Derbli, O Princípio da Proibição de Retrocesso Social…, op. cit., p. 186 e ss., bem como, mais recentemente, (VER autor advogado, e, por último, Narbal Antônio Mendonça FIleti, op. cit., p. 143 e ss.

[17] Sobre o tema, v. o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 9. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 404 e ss. Para uma perspectiva de direito comparado, embora centrada na experiência norte-americana e européia, v., em especial, Sergio M. Diaz Ricci, Teoria de la Reforma Constitucional, Buenos Aires, 2004.

[18] Para o caso do Brasil, basta aqui recordar as contribuições indispensáveis, inclusive por terem influenciado fortemente o discurso da efetividade constitucional que tem caracterizado especialmente o momento constitucional posterior a 1988, de José Afonsa da Silva. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 7. ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 117 e ss., neste particular, embora a significativa atualização da obra, mantendo-se fiel, em termos gerais, ao entendimento sustentado nas edições publicadas ainda sob a égide da Constituição de 1967-69. Trilhando a mesma linha argumentativa, v. Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 106 e ss. (em edições mais recentes, o autor também se refere à proibição de retrocesso como princípio implícito do direito constitucional brasileiro). Igualmente associando a proibição de retrocesso à noção de eficácia negativa dos princípios constitucionais, v. também Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais, O principio da dignidade da pessoa humana, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 70 e ss.

[19] Cf. Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais: Trunfos contra a maioria, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 200.

[20] Cf., em especial, se pode inferir da maior parte das contribuições sobre o tema, versando sobre a experiência de diversos países, além da perspectiva internacional, que integram a excelente e atualizada coletânea coordenada e organizada por Christian Courtis, Ní un paso atrás. La prohibición de regresividad en matéria de derechos sociales, Buenos Aires, 2006.

[21] Confira-se o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, op. cit., p. 436 e ss.

[22] Sobre o tópico, na perspectiva internacional e do direito constitucional comparado, v. em especial, Christian Courtis, “La prohibición de regresividad en matéria de derechos sociales: apuntes introductorios”, in: Christian Courtis (Comp.), Ní un paso atrás, op. cit., p. 3 e ss. Analisando detidamente o problema na perspectiva do direito internacional público, v. Magdalena Sepúlveda, The Nature of Obligations under the International Covenant on Economic, Social and Cultural RIghts, Antwerp: Intersentia, 2003.

[23]Cf. Marcos Orione Gonçalves Correia, “Direito Adquirido Social”, in: Érica Paula Barcha Correia e Marcos Orione Gonçalves Correia, Curso de Direito da Seguridade Social, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 01 e SS.

[24] Para maior desenvolvimento, v., de nossa autoria, “O Estado Social de Direito, a Proibição de Retrocesso e a Garantia Fundamental da Propriedade”, in: Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, nº 17, Porto Alegre, 1999, p. 111 e ss., trabalho no qual, contudo, centramos                     a nossa atenção na apresentação da “solução” germânica, com algumas considerações juscomparativas, inclusive apontando para a inadequação (pelo menos em termos gerais) do modelo alemão ao sistema constitucional brasileiro.

[25] Neste sentido, v. também Luis Fernando Calil de Freitas, Direitos Fundamentais: limites e restrições, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 216.

[26] Cf. Carlos Alberto Molinaro, Direito Ambiental. Proibição de Retrocesso, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, especialmente p. 91 e ss.

[27] A respeito da diversidade terminológica, v., por último, o documentado inventário oferecido por Narbal Antônio Mendonça FIleti, op. cit., p. 148 e ss.

[28] Cf., especialmente na seara dos direitos sociais, bem destaca Andreas Krell, Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (Des) caminhos de um Direito Constitucional “Comparado”, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 42.

[29] Cf. Peter Häberle, “Neue Horizonte und Herausforderungen des Konstitutionalismus”,               in: EuGRZ 2006, p. 535

[30] Neste contexto insere-se a (entre nós) célebre discussão a respeito da “sobrevivência” do constitucionalismo dirigente, tal qual sustentado, originariamente, por José Joaquim Gomes Canotilho na sua obra Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra: Coimbra Editora, 1982, justamente em função da revisão crítica levada a efeito pelo próprio Gomes Canotilho em diversos trabalhos mais recentes, especialmente a contar da década de 1990, no que diz com as premissas basilares de sua antiga tese, bastando aqui remeter o leitor ao prefácio redigido para a segunda edição da obra ora citada. Não sendo o caso de adentrar aqui esta controvérsia, o que se verifica é que as mudanças no âmbito do pensamento do Professor Gomes Canotilho sem dúvida devem ser enquadradas no seu devido contexto, já que nem o texto da Constituição Portuguesa de 1976 guarda o mesmo perfil revolucionário e dirigente que lhe foi originariamente atribuído, já que objeto de várias e relativamente profundas revisões, notadamente em face da inserção de Portugal na União Européia e, portanto, seu enquadramento em uma ordem jurídica supranacional. Por isso também nós – embora não de modo necessariamente coincidente com o de outros autores – seguimos sustentando que o paradigma da Constituição dirigente ainda cumpre um relevante papel no âmbito do constitucionalismo pátrio e apresenta – mesmo hoje (e talvez por isso mesmo) – todo um potencial a ser explorado. A respeito dessa

temática, v., ainda, além do indispensável contributo de Lenio Luiz Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, especialmente p. 106 e ss., também as lições de Gilberto Bercovici, “A Problemática da Constituição Dirigente: algumas considerações sobre o caso brasileiro”, in: Revista de Informação Legislativa, nº 142, Brasília: Senado Federal, abril/junho de 1999, p. 35-51, assim como a oportuna coletânea organizada por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Canotilho e a Constituição Dirigente, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, obra que reúne aportes de diversos autores nacionais e retrata uma discussão sobre o tema travada com o próprio Gomes Canotilho.

[31] Cfr. Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas, 5. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 158.

[32] Neste sentido, aponta-se, entre outros, além do já referido entendimento de Luís Roberto Barroso, a lição já clássica (mantida em edições mais recentes de sua obra) de José Afonso da Silva, Aplicabilidade das Normas Constitucionais, op. cit., p. 147 e 156 e ss.; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. IV, op. cit., p. 397-99, Lenio Luiz Streck, Hermenêutica Jurídica e (m) crise, op. cit., p. 31 e ss., assim como, Ana Paula de Barcellos, A eficácia dos princípios constitucionais…, op. cit., p. 68 e ss., que sustenta tratar-se de um desdobramento de uma eficácia negativa dos princípios constitucionais. José Vicente dos S. Mendonça, Vedação do Retrocesso…, op. cit., p. 218 e ss., muito embora sinalando que não se trata de uma questão apenas atrelada à eficácia negativa das normas constitucionais.

[33] Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 131.

[34] Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. IV, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 397 e ss.

[35] Cf. Cristina Queiroz, Direitos Fundamentais Sociais, Coimbra: Coimbra Editora, 2006,                p. 75. Desenvolvendo o tópico no âmbito da proibição de retrocesso, v., da mesma autora,                O Princípio da Não Reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 83 e ss., cuidando da vinculação do legislador aos direitos sociais.

[36] Cf. Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais: Trunfos contra a maioria, op. cit., p. 190.

[37] Neste sentido também Felipe Derbli, O Pricípio da Proibição de Retrocesso Social…, op. cit., p. 199 e ss., igualmente adotando a concepção de que se cuida de um princípio implícito e bem desenvolvendo o ponto.

[38] Aderindo a tal entendimento e enfatizando a relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o da proibição de retrocesso social, v., mais recentemente, Dayse Coelho de Almeida, “A fundamentalidade dos direitos sociais e o princípio da proibição de retrocesso”, in: Inclusão Social, vol. 2, n. 1, out. 2006/mar. 2007, p. 118-124.

[39] Cf. Peter Häberle, Nueve ensayos constitucionales y una lección jubilar, Lima: Palestra Editores, 2004, p. 95 e ss.

[40] Cfr., dentre outros, Harmut Maurer,”Kontinuitätsgewähr und Vertrauensschutz”, in: Josef Isensee/Paul Kirchhof (Org), Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland, vol. III, p. 244 e ss., não obstante o autor – assim como a doutrina e jurisprudência em geral – sejam bastante restritivos no que diz com a admissão de uma auto-vinculação do legislador, temática que aqui não iremos desenvolver mas que tem sido objeto de uma certa discussão na Alemanha, sob a rubrica de uma vinculação sistêmica do legislador, desenvolvida essencialmente à luz do princípio da igualdade. Neste sentido, v., entre outros, Uwe Kischel, “Systembindung des Gesetzgebers und Gleichheitssatz”, in: Archiv des öffentlichen Rechts, vol. 124, 1999,                p. 174-211. Entre nós, confira-se, sobre a proteção da confiança no Direito Público, o paradigmático contributo de Almiro do Couto e Silva, “O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da administração pública de anular os seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei n° 9.784/99)”, in: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 237, jul./set. 2004; Mais recentemente, v. Também a monografia de Rafael Maffini, Princípio da Proteção Substancial da Confiança no Direito Administrativo Brasileiro, Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006.

[41] Tal ponto de vista apenas poderia ser sustentado, em tese, em se partindo da premissa de que os direitos sociais não podem (mesmo no que diz com seu conteúdo essencial) ser definidos em nível constitucional, a exemplo do que parece propor Manuel Afonso Vaz, Lei e Reserva de Lei…, op. cit., p. 383-4, o que contraria até mesmo a lógica do sistema jurídico-constitucional, notadamente no que diz com a função concretizadora exercida pelo legislador e demais órgãos estatais.

[42] Cfr. Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit., p. 158-9.

[43] Cf. Victor Abramovich e Christian Courtis, Los derechos sociales como derechos exigibles, Madrid: Trotta, 2002, p. 92 e ss. Aprofundando o tema, com destaque para o direito internacional e comparado, v., ainda, Christian Courtis, “La prohibición de regresividad en materia de derechos sociales: apuntes introductorios”, in: Christian Courtis (Ed), Ni un paso atrás, op. cit., p. 03-52., além dos demais ensaios constantes da coletânea, destacando-se os trabalhos de Julieta Rossi (p. 79-116) e Magdalena Sepulveda (P. 117-152), ambos versando sobre a jurisprudência do Comitê de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, e de Magdalena Sepúlveda, portanto, com especial atenção para a perspectiva internacional.

[44] Em especial, v. a relação da noção de regressividade com a interpretação da noção de progressividade adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, no âmbito das normas para a confecção dos informes periódicos previstos no artigo 19 do Protocolo de San Salvador. Sobre o tema, v., por todos, Christian Courtis, in: Ni un paso atrás, op. cit., p. 3-8, apresentando as diversas facetas da noção de regressividade, bem como p. 11-17, onde apresenta a compreensão da noção de proibição de regressividade no sistema americano de tutela dos direitos sociais.

[45] Neste sentido, v. Rodrigo Uprimny e Diana Guarnizo, “Es posible uma dogmática adecuada sobre la prohibición de regresividad? Un Enfoque desde la Jurisprudencia Constitucional Colombiana”, in: Direitos Fundamentais & Justiça, Ano 2, Nr. 3, Abr/Jun. 2008, especialmente p. 40 e ss.

[46] Cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais…, op. cit., p. 391 e ss.

[47] Cfr. Andreas Krell, Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha…, op. cit., p. 40.

[48] Neste sentido, v. também, a reflexão de Patrícia do Couto Villela Abbud Martins,                         “A proibição do retrocesso social como fenômeno jurídico”, in: Emerson Garcia, (Coord),              A Efetividade dos Direitos Sociais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 408 e ss.

[49] Neste sentido v. também João Caupers, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Coimbra: Almedina, 1985, p. 44, que, apesar de favorável à proibição de retrocesso social, considera que a proteção dos sistemas prestacionais existentes não pode ser maior do que a concedida aos direitos de liberdade (direitos de defesa).

[50] Cf., por todos, Rodrigo Uprimny e Diana Guarnizo, in: Direitos Fundamentais & Justiça, op. cit., p. 44 e ss.

[51] Sobre o tópico, v. também Rodrigo Uprimny e Diana Guarizo , in: Direitos Fundamentais & Justiça, op. cit., p. 55 e ss., à luz de diversos exemplos extraídos da rica jurisprudência constitucional colombiana.

[52] Cfr. José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7. ed., Coimbra: Almedina, 2007, p. 338 e ss.

[53] Neste sentido também, Cristina Queiroz, Direitos Fundamentais Sociais, op. cit., p. 81 e ss. e p. 101 e ss.

[54] Sobre o ponto, v. o nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 6. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 63.

[55] A respeito da noção de mínimo existencial, remetemos ao indispensável e pioneiro estudo                  – atualizado e aprofundado em contribuições mais recentes – de Ricardo Lobo Torres,                         “O Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais”, in: Revista de Direito Administrativo,            nº 177, 1989, p. 29 e ss., muito embora o autor – a partir de uma profunda análise especialmente da doutrina norte-americana e germânica – esteja aparentemente a se inclinar em prol de uma noção liberal (embora não necessariamente reducionista) de mínimo existencial, já que bem destaca o papel da dignidade da pessoa na construção do conceito de mínimo existencial. Dentre as contribuições mais recentes, importa referir, além do nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, op. cit., p. 330 e ss., o já citado estudo de Ana Paula de Barcellos, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, especialmente p. 247 e ss., assim como Paulo Gilberto Cogo Leivas, Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. Por último, v. Ricardo Lobo Torres, O Direito ao Mínimo Existencial, Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

[56] Sobre o tema, remetemos ao nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, especialmente            p. 299 e ss.

[57] Cf. também Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais: trunfos contra a maioria, op. cit., p. 201.

[58] Importa destacar que não desconhecemos a controvérsia que existe (cada vez mais forte) em relação à figura do núcleo essencial dos direitos fundamentais, que, para significativa doutrina, acaba sendo sempre reconduzido ao controle da proporcionalidade, notadamente no que diz com a terceira fase, da assim designada proporcionalidade em sentido estrito. Neste sentido, precisamente questionando a noção de um núcleo essencial na perspectiva de uma proibição de retrocesso (embora sem questionar o reconhecimento, em si, de uma proibição de retrocesso), v. Rodolfo Arango, “La prohibición de retroceso en Colombia” in: Christian Courtis (Comp), Ni un paso atrás, op. cit., p. 153 e ss.

[59] Para quem deseja aprofundar a análise, vale a pena conferir na íntegra a fundamentação do já citado Acórdão nº 509/2002, Processo nº 768/2002, apreciado pelo Tribunal Constitucional de Portugal em 19.12.2002.

[60] Sobre o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana como limites ao poder de tributar, v., no direito brasileiro, Ricardo Lobo Torres, Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: os direitos humanos e a tributação – imunidades e isonomia, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 144 e ss., bem como Humberto Ávila, Sistema Constitucional Tributário, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 331 e ss.

[61] Cf. o nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, op. cit., p. 123 e ss.

[62] Aqui bastaria apontar para o exemplo da proteção do mínimo existencial contra o poder de tributar do Estado, atuando como um limite constitucional nesta seara.

[63] Cf. sentença T-1318 de 2005, referida e comentada por Rodrigo Uprimny e Diana Guarizo, in: Direitos Fundamentais & Justiça, op. cit., p. 48-49.

[64] Sobre o princípio da proporcionalidade e a função da dignidade da pessoa humana neste contexto, v., entre outros, Heinrich Scholler, “O princípio da proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da Alemanha”, in: Revista Interesse Público nº 2, 1999, p. 93-107.

[65] Cf. bem apontado por Cristina Queiroz, Direitos Fundamentais Sociais, op. cit., p. 117.         Da mesma autora, com maior desenvolvimento, O Princípio da Não Reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais, op. cit., p. 76 e p. 100 e ss.

[66] Cf., por todos, Jorge Pereira da Silva, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2003, p. 282 e ss.

[67] Cuida-se de caso julgado em 08.10.2003, referido por Christian Courtis, in: Ni un paso atrás, op. cit., p. 22-23. Igualmente desenvolvendo o tema, com ênfase na experiência argentina, v. Horácio González, El desarolllo de los derechos a la seguridad social y la prohibición de regresividad en Argentina, in: Christian Courtis (Comp), Ni un paso atrás, op. cit., p. 193-253, mediante referência a outros casos.

[68] Para o caso da Colômbia, v. o elenco de decisões referido por Rodrigo Uprimny e Diana Guarnizo, in: Direitos Fundamentais & Justiça, op. cit., p. 37 e ss.

[69] Cfr. Winfried Boecken, Der verfassungsrechtliche Schutz von Altersrentenansprüche und Anwartschaften in Italien und in der Bundesrepublik Deutschland sowie deren Schutz im Rahmen der Europäischen Menschenrechtskonvention, Berlin: Duncker & Humblot, 1987, p 80.

[70] Cfr., dentre tantos, Dietrich Katzenstein, “Die bisherige Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts zum Eigentumsschutz sozialrechtlicher Positionen”, in: Festschrift für Helmut Simon, Baden-Baden: Nomos, 1987, p. 862, com apoio na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal. Neste contexto, Hans-Jürgen Papier, “Der Einfluss des Verfassungsrechts auf das Sozialrecht”, in: Bernd Baron von Maydell/Franz Ruland (Org), Sozialrechtshandbuch, 3ª ed., Baden-Baden: Nomos, 2003, p. 120, lembra que no âmbito da ponderação de bens e interesses a ser procedida em cada caso, a regulação legislativa será inconstitucional apenas quando se verificar que a confiança do indivíduo na continuidade da situação legal atual pode ser tida como prevalente em face dos objetivos almejados pelo legislador com as alterações propostas, destacando, todavia, que tais critérios assumem um papel secundário na aferição da constitucionalidade de medidas retroativas. Tal fórmula tem sido largamente adotada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (especialmente desde BVerfGE 24, p. 220, 230 e ss.), no sentido de que importa ponderar, em cada caso, entre a extensão do dano à confiança do indivíduo e o significado da medida adotada pelo poder público para a comunidade.

[71] Cf. o nosso “Proibição de retrocesso, dignidade da pessoa humana e direitos sociais: manifestação de um constitucionalismo dirigente possível”, in: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXXII, 2006.

[72] Neste sentido, v. a referencial proposta de Lenio Luiz Streck, “A Concretização de Direitos e a Validade da Tese da Constituição Dirigente em Países de Modernidade Tardia”, in: António Avelãs Nunes e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (orgs), Diálogos Constitucionais: Brasil/Portugal, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 334, onde aponta – neste passo em sintonia com as lições de José Joaquim Gomes Canotilho – que a noção de constituição dirigente não implica a admissão da possibilidade de um normativismo constitucional revolucionário, capaz de, por si só, operar transformações emancipatórias, mas sim, uma vinculação do legislador aos ditames da materialidade constitucional e a afirmação do papel do Direito (notadamente do direito constitucional) como instrumento de implementação de políticas públicas.

[73] Cf. aponta, com acuidade, Gilberto Bercovici, Ainda Faz Sentido a Constituição Dirigente?, in: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, 2008, p. 155 e ss.

[74] Cf., por todos, Peter Häberle, Grundrechte im Leistungstaat, in: VVDStrL 30, 1972, em especial, p. 86 e ss.


TRATO DOS TRABALHADORES MIGRANTES

Ivan Campero Villalba

Juiz do Trabalho – Bolivia

SUMÁRIO: Introducción; I. Importancia del Derecho Internacional del Trabajo;            

 II. La Comunidad Internacional; III. Desarrollo del Desarrollo Internacional;         

 IV. Derecho de los Tratados; V. A manera de conclusión; Bibliografía.

“Las reglas que rigen la economía global deberían destinarse a mejorar los derechos, los medios de subsistencia, la seguridad y las oportunidades para las personas, las familias y las comunidades en todo el mundo.”

Comisión Mundial Sobre la Dimensión Social de la Globalización, 2004.

INTRODUCCIÓN

La aparición del derecho del trabajo provocó una nueva concepción            del Derecho, en la cual se quebraron los mitos de la igualdad jurídica de             los contratantes y de la autonomía de la voluntad, así como los elementos intrínsecos del vínculo jurídico laboral.

El surgimiento del derecho del trabajo, apoyado en una legislación especial proteccionista del trabajador, con la intencionalidad de compensar las desigualdades materiales con desigualdades jurídicas, condujo, a su vez,           a la aparición de una nueva concepción, que deviene de la cata de Berna             y traslucida en el Capitulo XIII del Tratado de Versalles, instrumentos de DERECHO INTERNACIONAL DEL TRABAJO, que se configuran hasta el presente. Valorar adecuadamente el carácter tutelar de las normas, principios y leyes del DERECHO INTERNACIONAL DEL TRABAJO como sistema de protección al trabajador para lograr una defensa sostenible con la norma Internacional, en los caso de los profesionales Abogados y de otras especialidades y de lograr sentencias justas y equitativas, en el caso de Jueces y Magistrados. Comprender las instituciones del Derecho Internacional del Trabajo desde la perspectiva jurídica (normativa y jurisprudencial) en un contexto axiológico (principios y valores constitucionales) y fáctico (realidad política, social y económica del mundo, la región y el país) y contar con elementos de juicio para la solución de la problemática que surge como consecuencia de las relaciones laborales

Desde 1919, la Organización Internacional del Trabajo ha mantenido y

desarrollado un sistema de normas internacionales del trabajo que tiene por objetivo la promoción de oportunidades para hombres y mujeres, con el fin de que éstos consigan trabajos decentes y productivos, en condiciones                 de libertad, igualdad, seguridad y dignidad. En la economía globalizada de la actualidad, las normas internacionales del trabajo constituyen un componente esencial del marco internacional para garantizar que el crecimiento de la economía global sea beneficioso para todos.

Los modelos económicos imperantes en la región desde hace mas de            20 años incorporan la aplicación de CONVENIOS DE LIBRO COMERCIO ENTRE DOS ESTADOS, procesos que no siempre toman en cuenta la efectiva tutela de los Derechos Sociales, ya sea por una aplicación tenue de las Normas Internacionales de Trabajo o por el contrario una no aplicación de Normas, en especial a los Trabajadores Migrantes de los países que suscriben convenios internacionales, por lo que se hace imperativo el análisis del  marco jurídico de los CONVENIOS Y TRATADOS ENTRE ESTADOS INCORPORANDO LA OBLIGACIÓN DE INCORPORAR NORMAS SOBRE TRABAJADORES MIGRANTES.

I. IMPORTANCIA DEL DERECHO INTERNACIONAL DEL TRABAJO

El avance del Derecho Internacional del Trabajo ligado a los Derechos Humanos, sobre todo en el campo de los derechos humanos, ha provocado que varias constituciones incorporen en su derecho interno el tratado sobre derechos humanos relacionados al trabajo, en unos casos con prelación sobre todo el derecho interno o bien con un rango igual al de la constitución, o finalmente, con rango infraconstitucional pero supralegal.

Como en todo proceso de cambio, hay quienes se resisten a los mismos, en el caso tratado se recurre con frecuencia a la soberanía, pues la                misma quedaría disminuida o desvirtuada. Por otro lado se invoca al Poder Constituyente puesto que los tratados ingresan al derecho interno por intermedio de los poderes constituidos, lo que evitaría que los tratados tengan supremacía respecto a las normas emanadas de ese poder constituido.

Estos puntos de vista ignoran los cambios crecientes que se dan en               el mundo, como la progresiva aparición de comunidades supraestatales y la creciente defensa y vigencia de los derechos humanos.

En opinión de Germán Bidart Campos “No revisar los conceptos y los modelos tradicionales del poder constituyente y de la supremacía constitucional para introducirles los reajustes que el ritmo histórico del tiempo y de las circunstancias mundiales reclaman, es anquilosar la doctrina constitucional con congelamientos que equivalen a atraso.” En suma es la comunidad internacional la que ha tenido cambios dramáticos y fundamentales a la que hay que analizarla en un contexto nuevo y diferente al anterior.

II. LA COMUNIDAD INTERNACIONAL

Es sustentada desde el s. XVI y principios del s. XVII por los teólogos y juristas de la Escuela Española y se funda en relaciones de comunicación e interdependencia. La Escuela Española sostiene que “la sociedad internacional se funda en el Derecho Natural, por cuanto resulta de la sociabilidad inherente a la naturaleza humana, la cual no se limita a la comunidad política particular. Antes bien, la perfección de ésta no es incompatible con su inserción en el orbe con unidad moral y cuasi política.” Esta doctrina fue desarrollada por el holandés Hugo Grocio, distinguiendo entre derecho natural y derecho internacional positivo, después de él la doctrina del Derecho Internacional fue desarrollada por la Escuela del Derecho Natural en especial por Thomás Hobbes.

1 Objetivos de la Comunidad Internacional

L. Oppenheim en su obra Tratado de Derecho Internacional Público, señala “los objetivos esenciales de una organización general política de Estados no pueden diferir radicalmente de aquellos que de una manera normal persigue el Estado. No pueden quedar reducidos a la obligación de abstenerse de recurrir a la violencia o a la participación en el esfuerzo colectivo para suprimir el empleo ilegal de la fuerza. Deben comprender, si han de plasmar un día en algo concreto y efectivo, la obligación de los Estados de someter sus diferencias con otros Estados a la decisión con arreglo a Derecho y la facultad legislativa de la sociedad organizada de Estados, a fin de modificar y completar el Derecho existente, de conformidad con las exigencias de justicia y del progreso social.”

2. Fundamento de la Comunidad Internacional

Las teorías más importantes son las siguientes:

a. Teoría del equilibrio político: Plantea las relaciones entre los estados, en un análisis empírico, con una primacía del poder, la fuerza y la independencia de los estados. “La primera regla de conducta de una nación debe ser la de buscar su propia seguridad, debiendo estar dispuesta a aliarse con otras naciones en procura de ese fin”

b. Teoría del consentimiento: Considera al derecho internacional como un sistema voluntario, en el que los estados consienten voluntariamente las disposiciones internacionales. “Reconocen la necesidad general de un sistema de orden, y consideran a la mayoría de las normas en vigencia como deseables o, por lo menos tolerables, aceptando el resto porque no tienen otra solución o porque carecen de medios para cambiarlo.”

3. Principios de la Comunidad Internacional

La Comunidad Internacional para ser tal requiere los siguientes principios:

a. Universalidad: Se debe incluir a todos los estados en una organización internacional, porque todos ellos están ligados entre sí por el Derecho de Gentes y tienen loa obligación de respetarlo.

b. Igualdad jurídica de los estados: Se debe reconocer a todos los estados los mismos derechos y deberes.

c. Bien común internacional: Referido al bien común de todo el orbe, aún cuando esto signifique limitar las ambiciones nacionales.

d. Respeto al derecho de gentes: No se puede desconocer las normas anteriores a los pactos o tratados.

4. Organización de la Comunidad Internacional

a. La Sociedad de las Naciones.

El 28 de julio de 1919, en la Conferencia de Paz de Ginebra después de la Primera Guerra Mundial, nace el Pacto de la Liga de Naciones, con la finalidad de lograr el bien común internacional, mantener la paz, la seguridad internacionales y fomentar la cooperación internacional.

b. La Organización de las Naciones Unidas.

De 26 de junio de 1945, producto de la Segunda Guerra Mundial, en la Conferencia de San Francisco de California, nace la Carta de las Naciones Unidas, con los siguientes principios:

– Mantener la paz y la seguridad internacionales por medios pacíficos y de conformidad a los principios de la justicia y del Derecho Internacional y arreglo de las controversias internacionales susceptibles de quebrantar la paz.

– Fomentar entre las naciones relaciones de amistad, basadas en el principio de igualdad de derechos y de la libre determinación de los pueblos, y tomar las medidas adecuadas para fortalecer la paz universal.

– Realizar la cooperación internacional en la solución de problemas internacionales de carácter económico, social, cultural o humanitario, y en el desarrollo y estímulo del respeto de los derechos humanos y a las libertades fundamentales de todos, sin hacer distinción por motivos de raza, sexo, idioma, religión; y

– Servir de centro que armonice los esfuerzos de las naciones por alcanzar éstos propósitos comunes.

c. Naturaleza jurídica de las NN.UU.: No es un estado mundial sino una confederación con vocación universal, por lo tanto no ejerce un poder directo sobre los súbditos de sus miembros. “Tan solo puede ejercer un poder directo sobre sus funcionarios y en ciertas circunstancias sobre los habitantes de territorios bajo fideicomiso…La ONU es un sujeto nuevo y autónomo de Derecho Internacional, que puede suscribir tratados y hacer reclamaciones a favor de sus funcionarios.”

d. Funciones de la comunidad internacional: Los actos jurídicos que realiza las NN.UU. son los siguientes:

– Promulgación de normas generales: No posee un órgano legislativo que dicte normas, en consecuencia el establecimiento de normas se efectúa a través de tratados y convenios internacionales. Aunque ciertos ámbitos pueden darse sus propios reglamentos internos.

– Solución pacífica de las controversias: La Carta de las NN.UU dispone “las partes en una controversia cuya continuación sea susceptible de poner en peligro el mantenimiento de la paz y la seguridad internacionales tratarán de buscarle una solución, ante todo, mediante la negociación, la investigación, la mediación, la conciliación, el arbitraje, el arreglo judicial, el recurso a organismos o acuerdos regionales u otros medios pacíficos de su elección.”

– La administración internacional: Puede ser directa o indirecta. La primera es el derecho relativo a los funcionarios de las NN.UU. y de los organismos especializados. La segunda tiene la característica de coordinar las actividades estatales.

III. DESARROLLO DEL DESARROLLO INTERNACIONAL

El derecho internacional y en particular los tratados han sufrido un cambio fundamental. Los tratados internacionales clásicos “regulaban las relaciones externas entre los Estados, derecho de la paz, derecho de la guerra, responsabilidad internacional derivada de la violación o no de una norma internacional que estaba dirigida a la relación exterior del Estado…” Hoy todo ha cambiado, los tratados modernos, sobre todo aquellos referidos a derechos humanos y los tratados sobre derecho humanitario, “están redactados en función de su aplicación interna, es decir que no están dirigidos exclusivamente a regular la conducta de la relación entre estados, sino que dictan o contienen mejor dicho, normas internacionales con efecto interno para ser aplicada en la esfera interna y que suponen la adecuación de conductas internas a una norma internacional.” En consecuencia el derecho internacional de los derechos humanos plantea el problema de la compatibilidad entre la norma internacional, la norma constitucional y la norma legal.

IV. DERECHO DE LOS TRATADOS

a. Los tratados en consecuencia son la manifestación normativa de la comunidad internacional, por lo que es necesario establecer sus características, rango, origen, etc. El tema está íntimamente vinculado al concepto de soberanía de los estados y que emerge como categoría del jus naturalismo, que a su vez es base

de la concepción positivista del estado y paradigma del derecho internacional.

b. A fines del s. XiX y principios del s. XX, se caracteriza:

– En el plano interno, se combina el sometimiento del poder estatal al derecho y a los derechos esenciales de las personas. Se consolida la división de los poderes del estado.

– En el plano externo, el ius ad bellum se convierte en el criterio fundamental de soberanía, por lo que se fortalecen las fuentes contractualistas (pactos) y teológicas (costumbres) que limitan el poder del estado con el derecho de gentes y con el derecho natural.

– Crisis de ius ad bellum, este categoría entra en crisis después de la II Guerra Mundial, la soberanía se limita y restringe por factores señalados por la nueva realidad, hasta llegar al momento actual de globalización que ha debilitado el concepto de soberanía como poder interno absoluto.

– Nueva realidad, inaugurada por la Carta de las NN.UU. de 26 de junio de 1945 y la Declaración Universal de los DD.HH. de 10 de diciembre de 1945, sobre la base de dos fundamentos:

-El imperativo de la paz y

-La tutela de los derechos humanos.

1. Teoría Dualista y Teoría Monista

El primer conflicto que surge es cómo el derecho internacional se incorpora en el derecho interno, producto del desarrollo de los estados modernos que expresan su soberanía de dos maneras:

Teoría dualista: Señala que “el derecho internacional y el derecho interno son dos órdenes jurídicos radicalmente diferentes y separados, señalándose dentro de sus diferencias, el órgano del cual emanan sus disposiciones, el órgano de formación y el contenido de sus normas.” Por lo que producen la inaplicabilidad directa de la norma internacional y para hacerlo aplicable debe convertirse en norma interna mediante el acto del legislador, debido a que los sistema son diferentes.

Teoría Monista: Señala que “el derecho internacional y el derecho interno son un solo sistema.” Kelsen afirma que las normas jurídicas encuentran su fundamento en una norma superior, la dificultad que aquí se plantea es saber cuál es la norma superior: la Constitución o la norma proveniente del derecho internacional. El propio Kelsen sostuvo en principio que la norma superior era la constitucional, pero después señaló que la norma fundamental reside en el derecho internacional.

Por lo tanto el derecho internacional preside una concepción unitaria de todo el derecho, del cual el derecho interno es parte subordinada. Se funda en la regla pacta sunt servanda que es superior a la voluntad de los estados y al derecho de gentes.

2. Ubicación de los Tratados

La ubicación de los tratados tiene cuando cuatro rangos en el ámbito internacional, dependiendo del tratamiento que cada país le otorga en su Constitución específicamente:

a. Rango supraconstitucional: Ejemplo de este tipo de sería Constitución de los Países Bajos de 1956 en su artículo 63 preceptuó: si el desarrollo del orden jurídico lo requiere, un tratado puede derogar las disposiciones de la Constitución. Se establece cuando una norma internacional está por encima de la constitución y puede afectar al derecho interno.

b. Rango constitucional: Cuando una norma internacional tiene el mismo nivel de la norma constitucional. Los ejemplos son la Constitución de Perú de 1979 y la Argentina de 1994, como las de Nicaragua y Costa Rica.

c. Rango supralegal: Cuando una norma internacional está por encima de otras de carácter ordinario y por debajo de la norma constitucional, es el caso típico de aquellas normas de procedimiento que deben dificultar la transformación o abolición de normas, por mayoría cualificada. Los ejemplos son las Constituciones de Alemania, Italia, Francia, El Salvador, Guatemala, Honduras y Colombia.

d. Rango legal: Tienen un nivel similar a la normativa interna ordinaria. Los ejemplos son las constituciones de Estados Unidos y México.

3. Fuente del Derecho Internacional

Una fuente reconocida del derecho internacional es el tratado, como un medio para desarrollar la cooperación pacífica entre las naciones, sean cuales fueran sus regímenes constitucionales y sociales. Su propósito es resolver las controversias internacionales a través de medios pacíficos y de conformidad con los principios de la justicia y del derecho internacional en todos lo ámbitos, lo que involucra a los Derechos Humanos y dentro de estos a los Derechos del Trabajo, involucrados a partir de la construcción de convenios en materia de trabajo y de Seguridad Social.

4. Definición de Tratado

De acuerdo a la Convención de Viena de 1969, se entiende por tratado “un acuerdo internacional, ya conste en un instrumento único o en dos o más instrumentos conexos y cualquiera que sea su denominación particular,”

5. Características de los Tratados

Obligatoriedad: Los estados asumen que los tratados deben cumplirse por efecto de:

– Libre consentimiento: Un estado participa de un tratado por decisión propia.

– Preeminencia: El artículo 27 de la Convención de Viena establece: “una parte no podrá invocar las disposiciones de su derecho interno como justificación del incumplimiento de un tratado.”

– La buena fe: Establecida por la regla Pacta Sunt Servanda y reconocida en el artículo 26 de la Convención de Viena, que señala: “Todo tratado en vigor obliga a las partes y debe ser cumplido por ellas de buena fe.”

6. Adopción de un Tratado

Para la adopción de un tratado, se establecen dos partes:

a. Estado negociador, que es el que participa en la elaboración y adopción del texto del tratado.

b. Estado contratante, que es el Estado que ha consentido en obligarse por un tratado, haya o no entrado en vigor el tratado.

c. Parte, se entiende por parte un Estado que ha consentido en obligarse por el tratado y con respecto al cual el tratado esta en vigor.

d. Tercer estado, es un Estado que no es parte en el tratado.

e. Reserva, es una declaración unilateral, cualquiera que sea su enunciado o denominación, hecha por un Estado al firmar, ratificar, aceptar o aprobar un tratado o al adherirse a él, con el objeto de excluir o modificar los efectos jurídicos de ciertas disposiciones del tratado en su aplicación a ese Estado.

f. Ratificación, aceptación, aprobación y adhesión es el acto internacional así denominado por el cual el Estado hace constar en el ámbito internacional su consentimiento en obligarse por un tratado.

7. Aplicación de los Tratados

En cuanto a la aplicación del derecho internacional en la esfera interna, en el caso de América Latina, “es unánime el criterio que afirma que el Derecho Internacional, es directamente aplicable en la esfera interna, sin ningún procedimiento de transformación. Quiere decir que desde el momento en que el Derecho Internacional, está vigente para un determinado Estado, ese Derecho Internacional se aplica directamente en la esfera interna.”, unanimidad que se expresa en la doctrina, la jurisprudencia y en la práctica. Por el contrario en algunos países del Caribe, Gran Bretaña y algunos de Europa Occidental el Derecho Internacional no es directamente aplicable, se requiere de una norma que lo transforme en Derecho Interno.

Es el caso de Bolivia que requiere de la aprobación legislativa por mandato del artículo 13 inc. IV de la Nueva Constitución Política del Estado, asimismo, la interpretación de la Constitución Boliviana debe efectuarse en el marco de los Tratados Internacionales, por lo que en la jerarquía normativa un tratado se lo ubica en un rango infraconstitucional pero supralegal.

V. A MANERA DE CONCLUSIÓN

Si bien es cierto que los organismos financieros internacionales en general reconocen que en el sector laboral es en donde menos se avanzó en el proceso de reformas estructurales encarado para América Latina y particularmente            en el tema de la protección al trabajador migrante, resulta de importancia asumir un rol para que los CONVENIOS INTERNACIONALES SEAN INSTRUMENTOS DE GARANTIA DE LOS DERECHOS DE LOS TRABAJADORES, bajo el siguiente rol:

  • LOS PROCESOS DE INTEGRACIÓN ECONÓMICA REGIONALES, DEBEN IMPERATIVAMENTE INCORPORAR EN SUS CAPÍTULOS SOCIALES, LOS ELEMENTOS SUSTANTIVOS          DE LA DECLARACIÓN AMERICANA DE LOS DERECHOS Y DEBERES DEL HOMBRE DE 1948, LA CONVENCIÓN AMERICANA DE DERECHOS HUMANOS DE 1969, ASÍ, PUEDE DARSE                UN MARCO JURÍDICO DE TUTELA A LOS DERECHOS DE  DICHOS TRABAJADORES, ESTAS CARTAS SOCIALES, DEBEN INVOLUCRAR NECESARIAMENTE LAS MEJORES Y MAYORES CONDICIONES DE TRABAJO, ASÍ, COMO DE SEGURIDAD EN           EL MEDIO AMBIENTE LABORAL Y LA SEGURIDAD SOCIAL SOSTENIBLE DEL TRABAJADOR MIGRANTE.
  • EN EL CASO DE LOS TRABAJADORES MIGRANTES A LOS PAÍSES DEL PRIMER MUNDO, DEBE PROPENDERSE A UN MIGRACIÓN CON FINES DE DESARROLLO TAL COMO LO RECOMIENDA LA ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DE MIGRACIONES, ES DECIR ASUMIR LA FORMACIÓN DEL TRABAJADOR MIGRANTE PARA SU RETORNO AL PAÍS DE ORIGEN.
  • EN CUANTO A LOS TRABAJADORES MIGRANTES DEBE GARANTIZARSE POR LOS ESTADOS LAS INSTANCIAS SOCIALES DE LAS COMISIONES SOCIALES DE LOS ACUERDOS DE INTEGRACIÓN ECONÓMICA EL CUMPLIMIENTO DE LAS CONVENCIONES DE VIENA DE 1993, DE LA CONFERENCIA DEL CAIRO DE 1994 Y LA CUMBRE MUNDIAL DE CONPANHAGUE DE 1995.
  • EN CUANTO A LAS MIGRACIONES INTERNAS, LAS MISMAS DEBEN RESPONDER A PROCESOS DE VERDADERA POLÍTICA ESTATAL DE EMPLEO, FOCALIZANDO LOS GRUPOS DE MAYOR VULNERABILIDAD Y OTORGANDO PROTECCIÓN Y TUTELA JURÍDICA CON NORMATIVIDAD INTERNA SINGULARIZADA PARA CADA PROBLEMÁTICA, DEBIDO A LA HETEGERONEIDAD DE LOS PROCESOS DE MIGRACIÓN INTERNA.

BIBLIOGRAFÍA

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Rohrmoser Valdeavallano, Rodolfo. Aplicación del Derecho Internacional de los Derechos Humanos en el ámbito interno guatemalteco. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano. Konrad Adenauer. 2001.

CONVENIOS INTERNACIONALES RATIFICADOS POR EL ESTADO BOLIVIANO

Convenio

Fecha de ratificacion

Situación

C1 Convenio sobre las horas de trabajo (industria), 1919

15:11:1973

ratificado

C5 Convenio sobre la edad mínima (industria), 1919

19:07:1954

denunciado el 11:06:1997

C14 Convenio sobre el descanso semanal (industria), 1921

19:07:1954

ratificado

C17 Convenio sobre la indemnización por accidentes del trabajo, 1925

15:11:1973

ratificado

C19 Convenio sobre la igualdad de trato (accidentes del trabajo), 1925

19:07:1954

ratificado

C20 Convenio sobre el trabajo nocturno (panaderías), 1925

15:11:1973

ratificado

C26 Convenio sobre los métodos para la fijación de salarios mínimos, 1928

19:07:1954

ratificado

C29 Convenio sobre el trabajo forzoso, 1930

31:05:2005

ratificado

C30 Convenio sobre las horas de trabajo (comercio y oficinas), 1930

15:11:1973

ratificado

C42 Convenio sobre las enfermedades profesionales (revisado), 1934

19:07:1954

denunciado el 31:01:1977

C45 Convenio sobre el trabajo subterráneo (mujeres), 1935

15:11:1973

ratificado

C77 Convenio sobre el examen médico de los menores (industria), 1946

15:11:1973

ratificado

C78 Convenio sobre el examen médico de los menores (trabajos no industriales), 1946

15:11:1973

ratificado

C81 Convenio sobre la inspección del trabajo, 1947

15:11:1973

ratificado

C87 Convenio sobre la libertad sindical y la protección del derecho de sindicación, 1948

04:01:1965

ratificado

C88 Convenio sobre el servicio del empleo, 1948

31:01:1977

ratificado

C89 Convenio (revisado) sobre el trabajo nocturno (mujeres), 1948

15:11:1973

ratificado

C90 Convenio (revisado) sobre el trabajo nocturno de los menores (industria), 1948

15:11:1973

ratificado

C95 Convenio sobre la protección del salario, 1949

31:01:1977

ratificado

C96 Convenio sobre las agencias retribuidas de colocación (revisado), 1949

19:07:1954

ratificado

C98 Convenio sobre el derecho de sindicación y de negociación colectiva, 1949

15:11:1973

ratificado

C100 Convenio sobre igualdad de remuneración, 1951

15:11:1973

ratificado

C102 Convenio sobre la seguridad social (norma mínima), 1952

31:01:1977

ratificado

C103 Convenio sobre la protección de la maternidad (revisado), 1952

15:11:1973

ratificado

C105 Convenio sobre la abolición del trabajo forzoso, 1957

11:06:1990

ratificado

C106 Convenio sobre el descanso semanal (comercio y oficinas), 1957

15:11:1973

ratificado

C107 Convenio sobre poblaciones indígenas y tribuales, 1957

12:01:1965

denunciado el 11:12:1991

C111 Convenio sobre la discriminación (empleo y ocupación), 1958

31:01:1977

ratificado

C116 Convenio sobre la revisión de los artículos finales, 1961

12:01:1965

ratificado

C117 Convenio sobre política social (normas y objetivos básicos), 1962

31:01:1977

ratificado

C118 Convenio sobre la igualdad de trato (seguridad social), 1962

31:01:1977

ratificado

C120 Convenio sobre la higiene (comercio y oficinas), 1964

31:01:1977

ratificado

C121 Convenio sobre las prestaciones en caso de accidentes del trabajo y enfermedades profesionales, 1964

31:01:1977

ratificado

C122 Convenio sobre la política del empleo, 1964

31:01:1977

ratificado

C123 Convenio sobre la edad mínima (trabajo subterráneo), 1965

31:01:1977

ratificado

C124 Convenio sobre el examen médico de los menores (trabajo subterráneo), 1965

31:01:1977

ratificado

C128 Convenio sobre las prestaciones de invalidez, vejez y sobrevivientes, 1967

31:01:1977

ratificado

C129 Convenio sobre la inspección del trabajo (agricultura), 1969

31:01:1977

ratificado

C130 Convenio sobre asistencia médica y prestaciones monetarias de enfermedad, 1969

31:01:1977

ratificado

C131 Convenio sobre la fijación de salarios mínimos, 1970

31:01:1977

ratificado

C136 Convenio sobre el benceno, 1971

31:01:1977

ratificado

C138 Convenio sobre la edad mínima, 1973

11:06:1997

ratificado

C156 Convenio sobre los trabajadores con responsabilidades familiares, 1981

01:09:1998

ratificado

C159 Convenio sobre la readaptación profesional y el empleo (personas inválidas), 1983

19:12:1996

ratificado

C160 Convenio sobre estadísticas del trabajo, 1985

14:11:1990

ratificado

C162 Convenio sobre el asbesto, 1986

11:06:1990

ratificado

C169 Convenio sobre pueblos indígenas y tribales, 1989

11:12:1991

ratificado

C182 Convenio sobre las peores formas de trabajo infantil, 1999

06:06:2003

ratificado

 


A Efetividade dos Direitos Sociais

Kátia Arruda

Ministra do TST

SUMÁRIO: 1. Dificuldades na efetivação dos Direitos Trabalhistas; 2. A Força Normativa da Constituição e a efetividade dos Direitos Trabalhistas; 3. Os direitos trabalhistas como direitos de luta e resistência contra a opressão; Referências.

Pensando sobre o tema que me foi proposto, pretendo fazer minha abordagem destacando três aspectos que reputo fundamentais ao desenvolvimento de uma análise sobre a efetividade dos direitos sociais. A princípio, gostaria de fazer uma reflexão sobre os constantes descumprimentos dos direitos sociais. Em um segundo momento, pretendo tratar da força normativa da Constituição, sem a qual não se pode perquirir sobre sua efetividade, para, ao final, focalizando o papel dos direitos trabalhistas procurar contribuir com algumas sugestões para o tema central do evento, que trata do papel do Poder Judiciário.

Mas antes, gostaria de conclamar a todos para que possamos trabalhar a evolução do nosso pensamento, quero dizer, aprender a pensar e não apenas reproduzir, sendo esse, ao meu ver, o grande papel do jurista moderno.               Os novos desafios e as mudanças da sociedade ocorrem em uma velocidade estonteante e exigem do magistrado que ele saiba pensar, pois logo não haverá o que reproduzir, tudo será novo e a mentalidade para refletir sobre o novo não pode ser uma mentalidade antiga.

Entendo, como HANNA-ARENDT, que os conceitos tradicionais não são mais suficientes para se avaliar o que acontece na esfera do político, do econômico ou da sociedade, mas o sentido buscado deve ser sempre a liberdade e a dignidade, pois só vale manter acesa a esperança enquanto as condições de vida e de liberdade sejam possíveis.

Talvez por essa convicção de que estou diante de magistrados singulares, que mantêm aceso o debate e o olhar atento para a sociedade, como sei que são os magistrados do Rio Grande do Sul e do Brasil, é que me permito citar ARENDT:

“ Até nos tempos mais sombrios temos o direito de esperar ver alguma luz. É bem provável que essa luz não venha tanto das teorias e dos conceitos e sim da chama incerta, vacilante, e muitas vezes tênue, que alguns homens e mulheres conseguem alimentar”. H. Arendt.

1. DIFICULDADES NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS

Vários aspectos são investigados quando questionamos o não cumprimento dos direitos trabalhistas: a idéia de que a legislação trabalhista é obsoleta, que há uma explosão de litigiosidade, que o número de juízes é insuficiente em relação à população, que as Varas trabalhistas só chegam às grandes cidades, que é a situação sócio-econômica que agrava o desemprego e os conflitos trabalhistas. Todas as argumentações citadas são sérias e merecem um estudo próprio, mas nenhuma consegue responder a uma questão de fundo: Por que tanto desrespeito ao direito, se ele existe para bem regular a conduta em sociedade?

Por que os direitos trabalhistas são constantemente violados por todas as classes, regiões e instituições, públicas ou privadas? Por que leis de menor valor social são observadas, enquanto os direitos trabalhistas que resguardam o valor social do trabalho e a dignidade humana são violados o tempo todo?

Essa violação ocorre nas carvoarias em trabalho análogo ao de escravo, na plantação da cana de açúcar nos Estados nordestinos, ou na colheita de laranjas nas regiões ricas de São Paulo, ambas com a exploração do trabalho infantil. Os direitos trabalhistas são violados dentro dos lares, com a exploração do trabalho doméstico. Fora dos lares, tanto nas grandes fábricas exportadoras como nas pequenas fábricas que consertam sapatos. Nos bancos, com seus lucros estupendos, e até no estacionamento dos bancos que só cobram R$ 1,00 (um real). Os direitos são violados também pelo poder público que contrata sem os requisitos legais, ou utiliza de forma desenfreada mão-de-obra terceirizada.

Haveria algum tipo de impropriedade entre o subdesenvolvimento e a aplicação de direitos trabalhistas?

Certa vez, presenciei um julgamento sobre indenização por danos morais decorrente de situação degradante de trabalho, em que foi defendido que o empregador não deveria ser condenado por explorar trabalhadores em situação degradante, já que o Estado era pobre e o que se via era, tão somente, reflexo e produto dessa pobreza. Ou seja, não se poderia exigir em um local miserável um tratamento diferente (ou digno) para miseráveis.

O exemplo causa perplexidade, como também os que tratam do trabalho de crianças. Muitos defendem ainda hoje que o trabalho infantil, antes de              ser um prejuízo à saúde e ao crescimento saudável das crianças, é benéfico              por dar-lhes “uma oportunidade de sobrevivência”, sem atentar que essa oportunidade seria dada na escola e sem lembrar que o desenvolvimento de um país também é medido pelos bons resultados sociais, que são motivados pelo reconhecimento de direitos e cidadania. Esquecem, sobretudo e propositalmente, a mais elementar constatação: a de que o desenvolvimento exige uma racional distribuição de riqueza.

2. A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS

Qual seria, então, o papel da Constituição?

Sempre estranho quando ouço críticas destrutivas à Constituição Federal Brasileira, quando a chamam de “colcha de retalhos”, por trazer em seu conteúdo avanços e retrocessos, como se as contradições não fossem inerentes aos homens e suas instituições. Críticas similares também escuto em relação aos tribunais brasileiros, em especial em relação ao STF e ao TST. Espanto-me com a anti-dialeticidade dessas assertivas. A Constituição e as instituições não são a-históricas. Representam os contrastes de nossa sociedade e é bom que seja assim. Esse é o tecido que temos para trabalhar, afinal, como bem afirma ARENDT, a política trata da convivência entre diferentes.

Nunca esqueci um texto que escrevi em 1990, e sobre o qual posteriormente fiz uma palestra. Defendia que as relações econômicas no Brasil deveriam ser submetidas a novos valores, e que as empresas privadas, assim como as públicas, deveriam exercer sua função social, tendo como norte a valorização do trabalho, para assegurar a todos e não apenas aos detentores do capital, uma existência digna. Um antigo professor sugeriu que eu tivesse mais cuidado, porque eu não era mais uma líder estudantil e sim uma magistrada.

A Constituição democrática de 1988 já tinha dois anos e continuava                    a ser lida e aplicada com os olhos voltados para a Constituição anterior.              Eu defendera tão somente a aplicação do art. 170 da CF, que estabelece como valor fundante da ordem econômica o trabalho humano digno e a livre iniciativa e em seu inciso III, como princípio basilar, a função social da propriedade.

Nesse contexto, fiquei a questionar: afinal, o que é uma Constituição? Ferdinand Lassale também se fez essa pergunta, e concluiu com os dados da sua época, que os problemas constitucionais não eram problemas de direito, mas de poder, e que, por depender dos fatores reais do poder, a Constituição era uma “folha de papel”.

Creio que até hoje muitos pensam assim e por isso não conseguem entender o significado da força normativa da Constituição, de que tratava Konrad Hesse, para quem sem eficácia é que a Constituição seria “letra morta”.

Aqui é importante destacar que a eficácia da norma difere da sua existência ou vigência, porque, mesmo preenchidos esses dois requisitos, a norma pode não produzir seus efeitos jurídicos, ou, melhor, faltar-lhe a aptidão para realizar seus conteúdos através da vontade constante do povo, assim como a eficácia jurídica difere da efetividade, também chamada de eficácia social, por ensejar não só a possibilidade de produzir efeitos, mas também o reconhecimento por parte da sociedade.

Por isso é que reafirmo que o direito constitucional, por reger a atividade de um povo, só realiza plenamente o seu conteúdo quando incorpora as circunstâncias da realidade que deveria regular.

HESSE não separa estaticamente a realidade e a norma; o ser e o dever-ser, já que a Constituição expressa não apenas o ser – conjunto de relações políticas –, mas também um dever-ser. Portanto, ao mesmo tempo em que a Constituição é determinada pela realidade social, é também determinante          em relação a ela. Na verdade, a questão da supremacia e da inviolabilidade      da Constituição é preponderante para que se estabeleça sua força ativa, impondo-lhe maior eficácia.

A defesa da força normativa da Constituição não diminui sua inserção histórica. Ao contrário, é essencial conhecer a situação política, cultural, social, bem como as concepções axiológicas que subsistem em um determinado povo, daí por que a Constituição jurídica e a Constituição real, embora condicionem-se mutuamente, não são dependentes.

A Constituição tem uma força não só política, mas também normativa, uma vez que, mesmo sem conseguir, apenas por si, tudo realizar, pode impor tarefas, ou melhor:

Pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem presentes, na consciência geral, particularmente na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional, não só a vontade do poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). (HESSE, 1991, p.19)

É inegável que a efetividade dos direitos sociais difere da eficácia dos direitos de liberdade. Nestes, tanto maior será a liberdade do indivíduo quanto menor a intervenção do Estado, ou seja, na maioria das vezes, é na omissão do Estado que se concretizam os direitos.

O mesmo não ocorre com os direitos sociais, em particular, os direitos trabalhistas, que exigem prestações positivas, uma vez que é através da atuação que o Estado garante tais direitos.

Permitam-me fazer uma reflexão adicional, já que se está falando              em atuação do Estado. Sempre que penso no papel do Estado, lembro de um poema de Fernando Pessoa, que diz:

“Sopra o vento, sopra o vento;

sopra o vento lá fora;

mas também meu pensamento

tem um vento que o devora”.

São frequentes as discussões em que se debate o tamanho, ou melhor, o papel do Estado. Para muitos, quanto menor o Estado, melhor para a sociedade. Na prática, o Estado era defendido como mínimo apenas para os trabalhadores e parcelas mais carentes. Para estes, o Estado era excludente. Já para os empresários, banqueiros e grandes industriais, o Estado sempre foi o máximo e altamente inclusivo.

A história do capitalismo mostra que o Estado sempre interveio na economia e sob o pretexto de assegurar a livre iniciativa despendeu grande parte de seus recursos, seja por meio de empréstimos, transferência de aportes financeiros, subsídios ou incentivos fiscais, atuando forte e decisivamente para garantir o funcionamento das grandes empresas e a constância de seus lucros, realidade que hoje, por ocasião da atual crise (e com capitalistas pedindo socorro ao Estado), ajudou a desconstruir a própria visão neoliberal por eles defendida, que já não se ajusta à nova realidade capitalista.

Sempre me perguntei por que somente na garantia dos direitos sociais e trabalhistas é que o Estado deveria ser mínimo?

O professor brasileiro Agostinho Ramalho Marques, em seus estudos sobre Hobbes, diz que o homem só abre mão de sua liberdade em prol do Estado porque espera alguma coisa em troca. Só que não existe a esperada segurança quando a maioria do povo está excluída dos seus direitos fundamentais. Se o Estado não garante as condições de sobrevivência, rompe-se o pacto. Logo, o Estado não pode ser mínimo, deve ter o tamanho necessário “para assegurar os meios para a subsistência de cada um” (RAMALHO, 1994, p. 43).

3. OS DIREITOS TRABALHISTAS COMO DIREITOS DE LUTA E RESISTÊNCIA CONTRA A OPRESSÃO

O Direito do Trabalho teve um papel decisivo no campo dos direitos, em especial, na definição da igualdade, como conclamação à proteção                  dos “economicamente mais fracos”, ou proteção do hipossuficiente. É pela intervenção da norma trabalhista no contrato de trabalho que a sociedade capitalista, estruturalmente desigual, consegue realizar certo padrão genérico de justiça social (DELGADO,2007), sem que se possa esquecer seu duplo papel, já que ao mesmo tempo em que confere um padrão civilizatório à sociedade, também confere legitimidade política, cultural e econômica ao capitalismo.

O Juiz do Trabalho assume, portanto, o difícil papel de mediador de pólos antagônicos do sistema, ao ser responsável pela conciliação e julgamento de questões que denotam as contradições entre o capital e o trabalho.

Tal papel encontra resistência em decorrência do perfil positivista que tem orientado o pensamento jurídico brasileiro e que hoje vem cedendo espaço à construção de princípios do direito do trabalho, como o princípio da primazia da realidade, para que o juiz trabalhista não se distancie do mundo que o cerca. Há um velho jargão por inúmeras vezes repetido e aprendido  nos bancos das Faculdades de Direito, “o que não está nos autos não está           no mundo”, ao qual proponho novo questionamento: Qual o mundo que não está nos autos?

Os autos dos processos estão no mundo e o mundo está nos autos, com toda a complexidade da sociedade contemporânea, e reflete as múltiplas possibilidades de conflitos, sejam trabalhistas, familiares, econômicos ou psicológicos, entre tantos outros.

Todo processo expressa uma realidade. O processo trabalhista, por sua vez, traz o conflito inerente ao descumprimento da norma que garante os direitos trabalhistas, seja ela constitucional ou infraconstitucional. Nunca é demais relembrar que esses direitos nasceram de duras realidades de vida e que só foram regulados a partir de lutas históricas dos trabalhadores.

Feitas essas considerações, lanço o questionamento: afinal, como dar efetividade às normas constitucionais? Ouso estabelecer alguns pontos para avaliação:

1. Em primeiro lugar, asseguro que o modelo constitucional vigente estabelece uma nova linha valorativa referente aos direitos sociais trabalhistas que, ao serem reconhecidos como direitos fundamentais, ganham uma densidade normativa capaz não apenas de impedir legislação contrária aos seus preceitos, mas de garantir mecanismos que potencializem sua eficácia, além da possibilidade de se exigir do Estado prestações positivas. Portanto, não se deve perder demasiado tempo com classificações, tal como se a eficácia é contida ou limitada e sim buscar sempre o máximo de eficácia da norma.

2. É importante interpretar a Constituição com os olhos voltados            para o seu conteúdo normativo, que inclui regras e princípios, evitando utilizar conceitos ultrapassados ou valores não mais albergados pelo atual texto constitucional, assim como todo o regramento nacional deve receber interpretação conforme a Constituição. O Ministro Carlos Ayres Brito, do STF, defende que as normas programáticas deveriam ser “o cerne e a carne das programações orçamentárias do Estado na concreção de suas políticas públicas.

3. Em recente julgamento, a seção de dissídios coletivos do TST decidiu excluir multas muito altas aplicadas a um sindicato de São Paulo, acusado de descumprir decisão do Regional, que determinava a manutenção do trabalho de 80% da categoria que declarara greve. Ora, exigir a manutenção em atividade de um índice tão elevado de trabalhadores, a despeito da mobilização grevista, significa invalidar a paralisação e negar o próprio direito de greve. Aplicar multas altíssimas aos sindicatos de modo a coagí-los em sua legítima representação me parece dar à lei de greve e ao art. 8º                   da Constituição a chamada interpretação retrospectiva e desconfigurar a Constituição. Não se pode interpretar a greve, que é um direito dos trabalhadores, como se fosse um delito a ser reprimido de forma coercitiva.

4. Outro aspecto que considero importante é a redimensão da velha discussão sobre a prevalência do negociado sobre o legislado. Por que não se interpreta a prevalência de acordos coletivos para estender direitos em vez de limitá-los? Parece-me um contrassenso entender que prevalecem as normas coletivas quando são restritivas de direitos, e ao mesmo tempo se declara a inconstitucionalidade quando são ampliativas. Assim, por acordos e convenções, as jornadas de trabalho são aumentadas, os intervalos de refeição são diminuídos, os turnos de revezamento são alterados, a legislação é flexibilizada quase sempre para diminuir direitos. Até a participação nos lucros, que antes              era uma conquista dos trabalhadores, agora é utilizada para repassar aos trabalhadores os riscos do empreendimento. Como bem explanou a magistrada paulista TEREZA GEMIGNANI, o descompromisso ético de tal conduta é evidente, pois um dos lados não pode receber benefícios, enquanto o outro arca com os prejuízos que não são só econômicos, mas se refletem na            saúde dos trabalhadores, com repercussão em acidentes de trabalho, baixa empregabilidade futura, além de várias outras consequências sociais.

5. Um bom exemplo da utilização de acordos e convenções coletivas de forma prospectiva, ocorreu em julgamento da Seção de Dissídios Coletivos do TST, quando foi reconhecido aos trabalhadores o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, previsto nos instrumentos coletivos, mesmo ainda não existindo a regulamentação do inciso XXI do artigo 7º da Constituição.

6. Descumprir os direitos trabalhistas previstos nos artigos 7º e 8º do texto constitucional significa desrespeitar a Constituição legítima e soberana do nosso país. As partes buscam a solução judicial, em geral lenta e vantajosa para o empregador, que ganha tempo e fracionamento de prestações que deveriam ter adimplemento imediato, dado o seu caráter alimentar. Repito que é necessário corrigir essa distorção, fazendo-a onerosa e extremamente desvantajosa, de modo a estimular o pagamento espontâneo e rápido dos créditos trabalhistas.

7. Faz-se urgente evitar os maniqueísmos e as teses prontas do neoliberalismo, sem discutir de onde vêm e para que servem. Lembro-me que certa vez, em um debate sobre a situação de trabalhadores maranhenses envolvidos em trabalho análogo à condição de escravo, me foi dito por um fazendeiro e jurista que os trabalhadores eram livres para não aceitar as condições de trabalho que lhe eram impostas, mas que a opção que eles faziam pelo trabalho era melhor do que a de passar fome e que não havia grande diferença entre a vida que eles tinham no ambiente de trabalho e a      que eles tinham em suas casas, também miseráveis (lembrei-me da velha assertiva de dar aos pobres a pobreza e aos ricos a riqueza). Sempre tive muita rejeição a teses que só apresentam duas opções, tal como, ou a criança trabalha ou ela se perde nas ruas. Não! Existe a solução de levá-la para a escola (obrigação do Estado e direito constitucional). Ou o trabalhador passa fome ou se deixa escravizar… São essas as duas únicas alternativas que se apresentam? Desenvolver a economia local através de estudo de potencialidades regionais não pode também ser uma opção? Aliás, por parte do empregador, a escolha não deveria ser a de obedecer a legislação do país, cumprindo suas obrigações trabalhistas? É fácil no Brasil optar pela degradação do trabalho humano. Por parte do empregado, penso que o trabalho degradante nunca é uma opção, pois não há exatamente uma escolha. Ao contrário, é diante da falta de opções que se impõe o trabalho forçado, e é por isso, em essência, que ele é considerado análogo ao de escravo. Assim como o trabalho infantil, o trabalho forçado ou o trabalho degradante não pode jamais ser visto como uma oportunidade dada a outrem. Oportuno é “o que vem a tempo, de forma cômoda e favorável”, de modo que nem em seu significado semântico a exploração do trabalho humano pode ser oportuna, e muito menos o é em seu aspecto social.

8. O respeito aos direitos trabalhistas é uma construção cultural. Engana-se o Estado e a sociedade quando pensam que a simples regulação da matéria garante sua eficácia social. Penso que a divulgação constante das regras e princípios, pelos diversos órgãos e instituições, é imprescindível   para o seu conhecimento e consequente respeito. Uma pessoa ou instituição   é respeitada quando é reconhecida pelo seu trabalho, quando se ouve falar             o que elas fazem ou que mudanças trouxeram, como colaboram para o desenvolvimento ou prática de certa atividade. Por que seria diferente com as normas jurídicas?

9. Também importa esclarecer à sociedade o papel dos direitos sociais, a importância dos direitos trabalhistas e da dignidade do trabalho para o desenvolvimento do homem e da cidadania. É preciso que as pessoas saibam o significado dos direitos de prestação do Estado e como tais direitos colaboram na consolidação de um projeto de inclusão social. É inegável que a melhor maneira de manter um povo alienado é restringir-lhe a educação e o acesso à cultura. Por isso entendo que os direitos trabalhistas deveriam ser mais divulgados. Conhecer seus próprios direitos é um fator fundamental           ao desenvolvimento de um povo.

A concentração do poder político e das riquezas são possíveis, entre outras razões, pela concentração do conhecimento. O Banco Mundial estima que a metade do produto interno de países altamente desenvolvidos procede de novos conhecimentos e uso de novas tecnologias (Valadés, 2003).

– Vejam, portanto, que o local da atuação do magistrado, ou seja, o Poder Judiciário, é apenas uma parte de toda uma construção do estado democrático de direito. Mas não é uma parte insignificante. Aliás, o todo só existe porque existem as partes. A interpretação judicial é elemento essencial na efetividade dos direitos. Aqui faço um recorte apenas para deixar clara a minha posição de que o ato de decidir é um ato de interpretar. Interpretam-se os fatos que são apresentados por meio das provas dos autos e a norma jurídica contextuando-a ao caso concreto. É relevante que a interpretação seja, antes de tudo, uma interpretação constitucional, pois a legitimidade do Judiciário está amparada na legitimidade da Constituição sobre a qual estão inseridos os magistrados. Destaco esse aspecto, por entender que, mesmo que minha posição pessoal sobre um determinado texto jurídico seja mais avançada, não poderá prevalecer se não estiver conforme a Constituição.  Meu papel de magistrado é interpretar de forma plena, legitimada na vontade do povo, e não em minha vontade, legitimada apenas na vaidade. Digo isso por entender que o Judiciário tem limites concernentes ao local onde está situado. Ou seja, o Judiciário também é ESTADO.

A despeito disso, o Judiciário Trabalhista destaca-se pela sua atuação social. Percebe-se que, quanto mais forte é a Justiça do Trabalho, mais combatida se torna. Ao interpretar, buscando a preservação de direitos trabalhistas, a Justiça do trabalho age, ao mesmo tempo, em sentido conservador da norma, e em sentido transgressor ao sistema dominante, que prega a flexibilização                   e a desregulamentação de direitos. Ao romper o senso comum, a dialética expõe conclusão diferente: a manutenção dos direitos traz um caráter transgressor, e a desregulamentação ou flexibilização de direitos é que traz o caráter mantenedor do sistema que se tem por injusto.

Dos magistrados do trabalho é exigida uma atenção redobrada, uma perspectiva adicional sobre o impacto de suas decisões, além de uma responsabilidade social aguçada, na efetivação da mediação de tensões que envolvem o conflito capital – trabalho, pela repercussão desses comandos judiciais sobre as desigualdades e a exclusão social, para que estas não reflitam também a exclusão do próprio direito. CANOTILHO (1999) expõe claramente que, independentemente da formulação teórica e econômica das desigualdades, a exclusão social é um déficit humano a corroer o estado de direito e, portanto, o estado de justiça.

Diz Luiz Roberto Barroso que a Carta Magna, promulgada em 1988, tem o grande mérito de criar um sentimento constitucional no país, superando a crônica indiferença mantida entre o povo e a Constituição. Há uma constante preocupação de políticos, juristas e de todos os cidadãos com a efetividade da Constituição, isto é, “com o seu real cumprimento, com a concretização da norma no mundo dos fatos e na vida das pessoas” (BARROSO, 2002).

Esse sentimento de constitucionalidade não é capaz, por si só, de resolver os graves problemas de miséria, violência, desemprego e exclusão social que assolam o país, mas pode auxiliar no combate e na denúncia a políticas patrimonialistas, no clientelismo, na utilização das verbas públicas para a satisfação de interesses privados, na exigência de transparência nas ações do Estado, inclusive do Judiciário, na superação da acomodação e resignação subserviente dos que se vêem sem direitos, sem proteção, sem justiça.

Como diz a música “fábrica”, cantada pelo grupo Legião Urbana:

“Nosso dia vai chegar,

teremos nossa vez.

Não é pedir demais: quero justiça,

Quero trabalhar em paz

Não é muito o que lhe peço –

eu quero trabalho honesto

Em vez de escravidão.

(…)

Deve haver algum lugar

onde o mais forte

não consegue escravizar

Quem não tem chance”

Esse lugar ainda não é o Brasil, mas não é impossível construí-lo se for a vontade do povo, se essa for verdadeiramente a vontade obstinada de cada um de nós.

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hanna. O que é Política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como Categoria Constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007.

DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Democracia. São Paulo: LTr, 2007.

GEMIGNANI, Maria Tereza Asta. A Constitucionalização dos Direitos Trabalhistas: Novo Modelo de Normatividade? São Paulo: Revista do TRT da 15ª Região.

HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1992.

______. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editor, 1991.

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na perspectiva da Sociedade Democrática – o juiz-cidadão. Revista ANAMATRA, 1994.

VALADÈS, Diégo. Consideraciones sobre el Estado Constitucional, la ciencia y la concentración de la riqueza. In Estudos de Direito Constitucional: em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003.


JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

Luís Roberto Barroso

Advogado

Professor Titular de Direito Constitucional, Doutor e Livre-Docente da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Mestre pela Yale Law School

SUMÁRIO: Introdução; I. A judicialização da vida; II. O ativismo judicial;        III. Objeções à crescente intervenção judicial na vida brasileira; 1. Riscos para a legitimidade democrática; 2. Risco de politização da justiça; 3. A capacidade institucional do Judiciário e seus limites; Conclusão.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel ativo na vida institucional brasileira. O ano de 2008 não foi diferente. A centralidade da Corte – e, de certa forma, do Judiciário como um todo – na tomada de decisões sobre algumas das grandes questões nacionais tem gerado aplauso e crítica, e exige uma reflexão cuidadosa. O fenômeno, registre-se desde logo, não é peculiaridade nossa. Em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, cortes constitucionais ou supremas cortes destacaram-se em determinadas quadras históricas como protagonistas de decisões envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade.

De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular. Os exemplos são numerosos e inequívocos. No Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense. Nos Estados Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de              Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro            na fronteira com o território palestino. A Corte Constitucional da Turquia               tem desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico. Na Hungria e na Argentina, planos econômicos de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes. Na Coréia, a Corte Constitucional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído por impeachment[1].

Todos estes casos ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo. Ainda assim, o caso brasileiro é especial, pela extensão e pelo volume. Circunstâncias diversas, associadas à Constituição, à realidade política e às competências dos Poderes alçaram o Supremo Tribunal Federal, nos últimos tempos, às manchetes dos jornais. Não exatamente em uma seção sobre juízes e tribunais – que a maioria dos jornais não tem, embora seja uma boa ideia –, mas nas seções de política, economia, ciências, polícia. Bastante na de polícia. Acrescente-se a tudo isso a transmissão direta dos julgamentos do Plenário da Corte pela TV Justiça. Em vez de audiências reservadas e deliberações a portas fechadas, como nos tribunais de quase todo o mundo, aqui se julga sob o olhar implacável das câmeras de televisão.            Há quem não goste e, de fato, é possível apontar inconveniências. Mas o ganho é maior do que a perda. Em um país com o histórico do nosso, a possibilidade de assistir onze pessoas bem preparadas e bem intencionadas decidindo questões nacionais é uma boa imagem. A visibilidade pública contribui para a transparência, para o controle social e, em última análise, para a democracia.

I. A JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e          não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam                   uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. A seguir, uma tentativa de sistematização da matéria.

A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988.  Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura,                 o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e                       se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer                    a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes.                  No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos Ministros já não deve seu título de investidura ao regime militar. Por outro lado, o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se a expansão institucional do Ministério Público, com aumento da relevância de sua atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria Pública em diferentes partes do Brasil.          Em suma: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário,          bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira.

A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. Essa foi, igualmente, uma tendência mundial, iniciada com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978), que foi potencializada entre nós com a Constituição de 1988. A Carta brasileira é analítica, ambiciosa[2], desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual,   uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas.

A terceira e última causa da judicialização, a ser examinada aqui, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo[3]. Referido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei,            em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo, previsto no art. 103, pelo qual inúmeros órgãos, bem como entidades públicas e privadas – as sociedades de classe de âmbito nacional e as confederações sindicais – podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF.

De fato, somente no ano de 2008, foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de ações diretas – que compreendem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) – questões como: a) o pedido de declaração de inconstitucionalidade, pelo Procurador-Geral da República, do art. 5º da Lei de Biossegurança, que permitiu e disciplinou as pesquisas com células-tronco embrionárias (ADIn 3.150);  (ii) o pedido de declaração da constitucionalidade da Resolução nº 7, de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, que vedou o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário (ADC 12); (iii) o pedido de suspensão dos dispositivos da Lei de Imprensa incompatíveis com a Constituição de 1988 (ADPF 130). No âmbito das ações individuais, a Corte se manifestou sobre temas como quebra de sigilo judicial por CPI, demarcação de terras indígenas na região conhecida como Raposa/ Serra do Sol e uso de algemas, dentre milhares de outros.

Ao se lançar o olhar para trás, pode-se constatar que a tendência não é nova e é crescente. Nos últimos anos, o STF pronunciou-se ou iniciou a discussão em temas como: (i) Políticas governamentais, envolvendo a constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdência (contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do Conselho Nacional de Justiça); (ii) Relações entre Poderes, com a determinação dos limites legítimos de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (como quebras de sigilos e decretação de prisão) e do papel do Ministério Público na investigação criminal; (iii) Direitos fundamentais, incluindo limites à liberdade de expressão no caso de racismo (Caso Elwanger) e a possibilidade de progressão de regime para os condenados pela prática de crimes hediondos. Deve-se mencionar, ainda, a importante virada da jurisprudência no tocante ao mandado de injunção, em caso no qual se determinou a aplicação do regime jurídico das greves no setor privado àquelas que ocorram no serviço público.

É importante assinalar que em todas as decisões referidas acima, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos pedidos formulados. O Tribunal não tinha a alternativa de conhecer          ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento. Não se pode imputar aos Ministros do STF a ambição ou a pretensão, em face dos precedentes referidos, de criar um modelo juriscêntrico, de hegemonia judicial. A judicialização, que de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente. Pessoalmente, acho que o modelo tem nos servido bem.

II. O ATIVISMO JUDICIAL

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo  o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e                  a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.            A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

As origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norte-americana. Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast v. Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board of Education, 1954), acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973).

O oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes.  Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. Até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criação livre do Direito. A auto-contenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas.

O Judiciário, no Brasil recente, tem exibido, em determinadas situações, uma posição claramente ativista. Não é difícil ilustrar a tese. Veja-se, em primeiro lugar, um caso de aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário: o da fidelidade partidária. O STF, em nome do princípio democrático, declarou que a vaga no Congresso pertence ao partido político. Criou, assim, uma nova hipótese de perda de mandato parlamentar, além das que se encontram expressamente previstas no texto constitucional. Por igual, a extensão da vedação do nepotismo aos Poderes Legislativo e Executivo, com a expedição de súmula vinculante, após o julgamento de um único caso, também assumiu uma conotação quase-normativa. O que a Corte fez foi, em nome dos princípios da moralidade e da impessoalidade, extrair uma vedação que não estava explicitada em qualquer regra constitucional ou infraconstitucional expressa.

Outro exemplo, agora de declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do Congresso, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição: o caso da verticalização[4]. O STF declarou a inconstitucionalidade da aplicação das novas regras sobre coligações eleitorais à eleição que se realizaria em menos de uma ano da sua aprovação. Para tanto, precisou exercer a competência – incomum na maior parte das democracias – de declarar a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, dando à regra da anterioridade anual da lei eleitoral (CF, art. 16) o status de cláusula pétrea. É possível incluir nessa mesma categoria a declaração de inconstitucionalidade das normas legais que estabeleciam cláusula de barreira, isto é, limitações ao funcionamento parlamentar de partidos políticos que não preenchessem requisitos mínimos de desempenho eleitoral.

Por fim, na categoria de ativismo mediante imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas, o exemplo mais notório provavelmente é o da distribuição de medicamentos e determinação de terapias mediante decisão judicial. A matéria ainda não foi apreciada a fundo pelo Supremo Tribunal Federal, exceto em pedidos de suspensão de segurança. Todavia, nas Justiças estadual e federal em todo o país, multiplicam-se decisões que condenam a União, o Estado ou o Município – por vezes, os três solidariamente – a custear medicamentos e terapias que não constam das listas e protocolos do Ministério da Saúde ou das Secretarias Estaduais e municipais. Em alguns casos, os tratamentos exigidos são experimentais ou devem ser realizados no exterior. Adiante se voltará a esse tema.

O binômio ativismo-autocontenção judicial está presente na maior parte dos países que adotam o modelo de supremas cortes ou tribunais constitucionais com competência para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. O movimento entre as duas posições costuma ser pendular e varia em função do grau de prestígio dos outros dois Poderes. No Brasil dos últimos anos, apesar de muitos vendavais, o Poder Executivo, titularizado pelo Presidente da República, desfruta de inegável popularidade. Salvo por questões ligadas ao uso excessivo de medidas provisórias e algumas poucas outras, é limitada a superposição entre Executivo e Judiciário. Não assim, porém, no que toca ao Congresso Nacional. Nos últimos anos, uma persistente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral.

O fenômeno tem uma face positiva: o Judiciário está atendendo a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, em temas como greve no serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais. O aspecto negativo é que ele exibe as dificuldades enfrentadas pelo Poder Legislativo – e isso não se passa apenas no Brasil – na atual quadra histórica. A adiada reforma política é uma necessidade dramática do país, para fomentar autenticidade partidária, estimular vocações e reaproximar a classe política da sociedade civil. Decisões ativistas devem ser eventuais, em momentos históricos determinados. Mas não há democracia sólida sem atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem Congresso atuante e investido de credibilidade. Um exemplo de como a agenda do país delocou-se do Legislativo para o Judiciário: as audiências públicas e o julgamento acerca das pesquisas com células-tronco embrionárias, pelo Supremo Tribunal Federal, tiveram muito mais visibilidade e debate público do que o processo legislativo que resultou na elaboração da lei.

III. OBJEÇÕES À CRESCENTE INTERVENÇÃO JUDICIAL NA VIDA BRASILEIRA

Três objeções podem ser opostas à judicialização e, sobretudo, ao ativismo judicial no Brasil. Nenhuma delas infirma a importância de tal atuação, mas todas merecem consideração séria. As críticas se concentram nos riscos para a legitimidade democrática, na politização indevida da justiça e nos limites da capacidade institucional do Judiciário.

  1. 1. Riscos para a Legitimidade Democrática

Os membros do Poder Judiciário – juízes, desembargadores e ministros – não são agentes públicos eleitos. Embora não tenham o batismo da vontade popular, magistrados e tribunais desempenham, inegavelmente, um poder político, inclusive o de invalidar atos dos outros dois Poderes. A possibilidade de um órgão não eletivo como o Supremo Tribunal Federal sobrepor-se a uma decisão do Presidente da República – sufragado por mais de 40 milhões de votos – ou do Congresso – cujos 513 membros foram escolhidos pela vontade popular – é identificada na teoria constitucional como dificuldade contramajoritária[5]. Onde estaria, então, sua legitimidade para invalidar decisões daqueles que exercem mandato popular, que foram escolhidos pelo povo? Há duas justificativas: uma de natureza normativa e outra filosófica.

O fundamento normativo decorre, singelamente, do fato de que a Constituição Brasileira atribui expressamente esse poder ao Judiciário e, especialmente, ao Supremo Tribunal Federal. A maior parte dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercida                  por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial. De acordo com                      o conhecimento tradicional, magistrados não têm vontade política própria.  Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo. Essa afirmação, que reverencia a lógica da separação de Poderes, deve ser aceita com temperamentos, tendo em vista que juízes e tribunais não desempenham uma atividade puramente mecânica[6]. Na medida em que lhes cabe atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações, co-participantes do processo de criação do Direito.

A justificação filosófica para a jurisdição constitucional e para a atuação do Judiciário na vida institucional é um pouco mais sofisticada, mas ainda assim fácil de compreender. O Estado constitucional democrático, como o nome sugere, é produto de duas ideias que se acoplaram, mas não se confundem. Constitucionalismo significa poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. O Estado de direito como expressão da razão. Já democracia signfica soberania popular, governo do povo. O poder fundado na vontade da maioria. Entre democracia e constitucionalismo, entre vontade e razão, entre direitos fundamentais e governo da maioria, podem surgir situações de tensão e de conflitos aparentes.

Por essa razão, a Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é o de estabelecer as regras do jogo democrático, assegurando a participação política ampla, o governo da maioria e a alternância no poder. Mas a democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos. E o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. Seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um forum de princípios[7] – não de política – e de razão pública[8] – não de doutrinas abrangentes, sejam ideologias políticas ou concepções religiosas.

Portanto, a jurisdição constitucional bem exercida é antes uma garantia para a democracia do que um risco. Impõe-se, todavia, uma observação final. A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua[9]. Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade.          Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição.

  1. 2. Risco de Politização da Justiça

Direito é política, proclamava ceticamente a teoria crítica do Direito, denunciando a superestrutura jurídica como uma instância de poder e dominação. Apesar do refluxo das concepções marxistas na quadra atual, é fora de dúvida que já não subsiste no mundo contemporâneo a crença na ideia liberal-positivista de objetividade plena do ordenamento e de neutralidade absoluta do intérprete. Direito não é política. Somente uma visão distorcida do mundo e das instituições faria uma equiparação dessa natureza, submetendo a noção do que é correto e justo à vontade de quem detém o poder. Em uma cultura pós-positivista, o Direito se aproxima da Ética, tornando-se instrumento da legitimidade, da justiça e da realização da dignidade da pessoa humana. Poucas críticas são mais desqualificantes para uma decisão judicial do que a acusação de que é política e não jurídica[10]. Não é possível ignorar, porém, que a linha divisória entre Direito e Política, que existe inegavelmente, nem sempre é nítida e certamente não é fixa[11].

A ambiguidade refletida no parágrafo anterior impõe a qualificação do que se entende por política. Direito é política no sentido de que (i) sua criação é produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis; (ii) sua aplicação não é dissociada da realidade política, dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e expectativas dos cidadãos; (iii) juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia e, consequentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que formula. A Constituição faz a interface entre o universo político e o jurídico, em um esforço para submeter o poder às categorias que mobilizam o Direito, como a justiça, a segurança e o bem-estar social. Sua interpretação, portanto, sempre terá uma dimensão política, ainda que balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente.

Evidentemente, Direito não é política no sentido de admitir escolhas livres, tendenciosas ou partidarizadas. O facciocismo é o grande inimigo do constitucionalismo[12]. O banqueiro que doou para o partido do governo não pode ter um regime jurídico diferente do que não doou. A liberdade de expressão de quem pensa de acordo com a maioria não pode ser protegida de modo mais intenso do que a de quem esteja com a minoria. O Ministro do Tribunal Superior, nomeado pelo Presidente Y, não pode ter a atitude a priori de nada decidir contra o interesse de quem o investiu no cargo. Uma outra observação é pertinente aqui. Em rigor, uma decisão judicial jamais será política no sentido de livre escolha, de discricionariedade plena. Mesmo nas situações que, em tese, comportam mais de uma solução plausível, o juiz deverá buscar a que seja mais correta, mais justa, à luz dos elementos do caso concreto. O dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e persuasiva, é um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma específica legitimação[13].

Quando se debateu a criação do primeiro tribunal constitucional na Europa, Hans Kelsen e Carl Schmitt travaram um célebre e acirrado debate teórico acerca de quem deveria ser o guardião da Constituição. Contrário à existência da jurisdição constitucional, Schmitt afirmou que a pretensão                de judicialização da política iria se perverter em politização da justiça[14].             No geral, sua profecia não se realizou e a fórmula fundada no controle judicial de constitucionalidade se espalhou pelo mundo com grande sucesso. Naturalmente, as advertências feitas no capítulo anterior hão de ser levadas em conta com seriedade, para que não se crie um modelo juriscêntrico e elitista, conduzido por juízes filósofos.

Nessa linha, cabe reavivar que o juiz: (i) só deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por vontade política própria; (ii) deve ser deferente para com as decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando a presunção de validade das leis; (iii) não deve perder de vista que, embora não eleito, o poder que exerce é representativo (i.e, emana do povo e em seu nome deve ser exercido), razão pela qual sua atuação deve estar em sintonia com o sentimento social, na medida do possível. Aqui, porém, há uma sutileza: juízes não podem ser populistas e, em certos casos, terão de atuar de modo contramajoritário. A conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, é uma condição de funcionamento do constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção do Judiciário, nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional, dá-se a favor e não contra a democracia[15].

  1. 3. A Capacidade Institucional do Judiciário e seus limites

A maior parte dos Estados democráticos do mundo se organizam em um modelo de separação de Poderes. As funções estatais de legislar (criar o direito positivo), administrar (concretizar o Direito e prestar serviços públicos) e julgar (aplicar o Direito nas hipóteses de conflito) são atribuídas a órgãos distintos, especializados e independentes. Nada obstante, Legislativo, Executivo e Judiciário exercem um controle recíproco sobre as atividades de cada um, de modo a impedir o surgimento de instâncias hegemônicas[16], capazes de oferecer riscos para a democracia e para os direitos fundamentais. Note-se que os três Poderes interpretam a Constituição, e sua atuação deve respeitar os valores e promover os fins nela previstos. No arranjo institucional em vigor, em caso de divergência na interpretação das normas constitucionais ou legais, a palavra final é do Judiciário. Essa primazia não significa, porém, que toda e qualquer matéria deva ser decidida em um tribunal. Nem muito menos legitima a arrogância judicial.

A doutrina constitucional contemporânea tem explorado duas ideias que merecem registro: a de capacidades institucionais e a de efeitos sistêmicos[17]. Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o árbitro mais qualificado, por falta de informação ou conhecimento específico. Formalmente, os membros do Poder Judiciário sempre conservarão a sua competência para o pronunciamento definitivo. Mas em situações como as descritas, normalmente deverão eles prestigiar as manifestações do Legislativo ou do Executivo, cedendo o passo para juízos discricionários dotados de razoabilidade. Em questões como demarcação              de terras indígenas ou transposição de rios, em que tenha havido estudos técnicos e científicos adequados, a questão da capacidade institucional deve ser sopesada de maneira criteriosa.

Também o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejados pode recomendar, em certos casos, uma posição de cautela e deferência por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça[18]. Ele nem sempre dispõe das informações, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decisões, proferidas em processos individuais, sobre a realidade de um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público. Tampouco é passível de responsabilização política por escolhas desastradas. Exemplo emblemático nessa matéria tem sido o setor de saúde. Ao lado de intervenções necessárias e meritórias, tem havido uma profusão de decisões extravagantes ou emocionais em matéria de medicamentos e terapias, que põem em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, desorganizando a atividade administrativa e comprometendo a alocação dos escassos recursos públicos[19]. Em suma: o Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em auto-limitação espontânea, antes eleva do que diminui.

CONCLUSÃO

A judicialização e o ativismo são traços marcantes na paisagem jurídica brasileira dos últimos anos. Embora próximos, são fenômenos distintos.                  A judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte.

O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso. Os riscos da judicialização e, sobretudo, do ativismo envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas matérias.

Os riscos para a legitimidade democrática, em razão de os membros do Poder Judiciário não serem eleitos, se atenuam na medida em que juízes e tribunais se atenham à aplicação da Constituição e das leis. Não atuam eles por vontade política própria, mas como representantes indiretos da vontade popular. É certo que diante de cláusulas constitucionais abertas, vagas ou fluidas – como dignidade da pessoa humana, eficiência ou impacto ambiental –,                o poder criativo do intérprete judicial se expande a um nível quase normativo. Porém, havendo manifestação do legislador, existindo lei válida votada pelo Congresso concretizando uma norma constitucional ou dispondo sobre matéria de sua competência, deve o juiz acatá-la e aplicá-la. Ou seja: dentre diferentes possibilidades razoáveis de interpretar a Constituição, as escolhas do legislador devem prevalecer, por ser ele quem detém o batismo do voto popular.

Os riscos da politização da justiça, sobretudo da justiça constitucional, não podem ser totalmente eliminados. A Constituição é, precisamente, o documento que transforma o poder constituinte em poder constituído, isto é, Política em Direito. Essa interface entre dois mundos dá à interpretação constitucional uma inexorável dimensão política. Nada obstante isso, ela constitui uma tarefa jurídica. Sujeita-se, assim, aos cânones de racionalidade, objetividade e motivação das decisões judiciais, devendo reverência à dogmática jurídica, aos princípios de interpretação e aos precedentes[20]. Uma corte constitucional não deve ser cega ou indiferente às consequências políticas            de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao             bem comum ou aos direitos fundamentais. Mas somente pode agir dentro das possibilidades e dos limites abertos pelo ordenamento jurídico.

No tocante à capacidade institucional e aos efeitos sistêmicos, o Judiciário deverá verificar se, em relação à matéria tratada, um outro Poder, órgão ou entidade não teria melhor qualificação para decidir. Por exemplo: o traçado de uma estrada, a ocorrência ou não de concentração econômica ou as medidas de segurança para transporte de gás são questões que envolvem conhecimento específico e discricionariedade técnica. Em matérias como essas, em regra, a posição do Judiciário deverá ser a de deferência para com as valorações feitas pela instância especializada, desde que possuam razoabilidade e tenham observado o procedimento adequado. Naturalmente, se houver um direito fundamental sendo vulnerado ou clara afronta a alguma outra norma constitucional, o quadro se modifica. Deferência não significa abdicação de competência.

Em suma: o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face dos outros Poderes. Eventual atuação contramajoritária, nessas hipóteses, se dará a favor, e não contra a democracia. Nas demais situações, o Judiciário e, notadamente, o Supremo Tribunal Federal deverão acatar escolhas legítimas feitas pelo legislador, ser deferentes para com o exercício razoável de discricionariedade técnica pelo administrador, bem como disseminar uma cultura de respeito aos precedentes, o que contribui para a integridade[21], segurança jurídica, isonomia e eficiência do sistema.  Por fim, suas decisões deverão respeitar sempre as fronteiras procedimentais e substantivas do Direito: racionaliade, motivação, correção e justiça.

Uma nota final: o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura.              A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade                e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política.                 E essa não pode ser feita por juízes.


[1] HIRSCHL, Ran. The judicialization of politics. In: Whittington, Kelemen e Caldeira (eds.),             The Oxford Handbook of Law and Politics, 2008, p. 124-5.

[2] VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia, Revista de Direito do Estado 12, 2008, no prelo.

[3] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional, 2005, p. 146.

[4] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Verticalização, cláusula de barreira e pluralismo político: uma crítica consequencialista à decisão do STF na ADIN 3685, Interesse Público 37, 2006.

[5] BICKEL, Alexander. The least dangerous branch, 1986, p. 16 e s.

[6] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito, 2002,          p. 64; Friedrich Müller. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional, 2005, p. 6-7.

[7] DWORKIN, Ronald. The forum of principle. In: A matter of principle, 1985.

[8] RAWLS, John. O liberalismo político, 2000, p. 261.

[9] SARMENTO, Daniel. Ubiqüidade constituconal: os dois lados da moeda, Revista de Direito do Estado 2:83, 2006. Embora ela se irradie por todo o sistema, e deva sempre estar presente em alguma medida, ela não deve ser invocada para asfixiar a atuação do legislador.

[10] KAHN, Paul. Comparative Constitutionalism in a new key, Michigan Law Review 101:2677, 2002-3, p. 2688-9.

[11] V. Eduardo Mendonça, A inserção da jurisdição constitucional na democracia: algum lugar entre o direito e a política, mimeografado, 2007.

[12] KAHN, Paul. Comparative Constitutionalism in a new key, Michigan Law Review 101:2677, 2002-2003, p. 2705.

[13] NOVECK, Scott M. Is judicial review compatible with democracy?, Cardozo Public Law, Policy & Ethics 6:401, 2008, p. 420.

[14] SCHMITT, Carl. La defensa de la Constitución, 1998, p. 57.

[15] BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira, 2004, p. 246.

[16] A expressão é do Ministro Celso de Mello. V. STF, Diário da Justiça da União, 12 maio 2000, MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello.

[17] V. Cass Sunstein e Adrian Vermeulle, Intepretation and institutions, Public Law and Legal Theory Working Paper No. 28, 2002.

[18] BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático, Revista de Direito do Estado 3:17, 2006, p. 34.

[19] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à constitucionalização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Temas de Direito Constitucional, tomo IV, 2009, no prelo.

[20] Um avanço civilizatório que ainda precisamos alcançar é o do respeito amplo aos precedentes, como fator de segurança jurídica, isonomia e eficiência. Sobre o tema, v. Patrícia Perrone Campos Mello, Precedente: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo brasileiro, 2007.

[21] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, 1999, p. 271 e s.


La efectividad de los Derechos Sociales

Mario Elffman

Profesor Consulto de la Facultad de Derecho de la UBA

Juez Nacional de Trabajo

Diretor Cultural y de defensa del Derecho del Trabajo de la Asociación

Latinoamericana de Jueces del Trabajo (ALJT)

Las herramientas conceptuales para examinar el nivel de vigencia,                   de efectividad, de garantismo y de actualidad de los derechos sociales, y en particular los propios de la categoría jurídica denominada ‘derecho laboral’, son mucho más amplias y complejas que aquellas con las que estamos habituados a operar desde nuestra especialidad técnica, tanto los abogados como los jueces. Fui tomando plena conciencia de esa riqueza y de esa complejidad a medida que fue surgiendo ante mi y ante el resto de mis compañeros de aventura intelectual el universo de realidades, de perspectivas, la necesidad de diagnósticos y de propuestas para las que había sido constituido el Grupo de Expertos designado por Resolución 502/2005 del Ministerio de Trabajo, Empleo y Seguridad Social de la Argentina, que se consideraba, con sustento en lo dispuesto en la ley nº 25.887, como una vía a transitar para producir  ‘un debate que coadyuve en la actualización y recuperación del marco de  las relaciones laborales’, como decía el decreto de su creación.

Lo encomendado al Grupo de Expertos, que tuve el placer y la responsabilidad de integrar con el aval expreso del Consejo Nacional de la Magistratura,[1] [2] consistió en el dilatado cumplimiento de la tarea de elaboración de ‘un informe en el que se analice el estado actual del sistema de relaciones laborales de la República Argentina, se identifiquen sus principales problemas y debilidades y se formulen orientaciones conducentes a resolverlos y superarlas, sin que ello implique asignarle como misión la elaboración de proyectos normativos’ .

No voy a hablar del resultado, del ‘opus’ entregado al Ministro, Secretarios de Estado y restante funcionariado superior del Ministerio en febrero de 2008, presentado ceremonialmente con bombos y platillos varios meses más tarde y publicado por la editorial Rubinzal-Culzoni con el título de ‘Estado actual del sistema de relaciones laborales en la Argentina’, porque –por las razones que fueren- no ha sido utilizado, ni está siendo utilizado para ese objeto declarado de producción de un debate social: de modo tal que ese esfuerzo colectivo se ha agotado en la riqueza de la elaboración y discusión en el propio Grupo, y no trasciende más allá del plano de lo anecdótico: ni para el Estado, ni para los protagonistas sociales, ni para los propios profesionales especializados en el estudio de las relaciones sociales del trabajo.[3]

Si tomo al informe como punto de partida es porque la tarea me ha dado ocasión de reflexionar acerca de mis propias limitaciones como juslaboralista, y lo parcial o sesgado de la perspectiva de nuestra visión. Y es a esa toma de conciencia a la que me quiero referir en esta oportunidad, en un encuentro de jueces del trabajo de Rio Grande do Sul con colegas argentinos invitados, como lo hago casi simultáneamente en el Congreso Internacional ‘Derecho y Sociedad’ organizado por la Asociación de Abogados de Buenos Aires.

Los juslaboralistas estamos preparados para contemplar al derecho social como un sistema cerrado, autosuficiente, universal y estable, que por serlo sea resistente a la regresión; concepción que en los hechos conduce a la admisión de que también sea resistente al progreso. Está demás decir que también estamos habituados a hacerlo, y que nos parece casi lo natural y correspondiente a la naturaleza infusa de nuestra ‘ciencia’.

Operamos con un conjunto de instrumentos de naturaleza puramente normativa, en los que ni siquiera se alcanza a contemplar el conjunto fenomenológico del derecho sino el conflicto, individual o plural, en el que se debe poner en juego el sistema de coerción jurídica . Y la función específica de los jueces se ubica solamente en este último sector, el concerniente a la resolución de una parte de ese conflicto, la concretamente sometida a juicio.

Lo que quiero decir con esto es que no solamente no estamos acostumbrados a trabajar con los restantes elementos, datos y métodos de ejercicio del control social (puesto que el derecho es solamente uno de ellos, al decir de Foucault, y siguiendo con sus mensajes es inevitable que el conjunto de la ‘verdad’             se aloje en un lugar muy distante del de las formas jurídicas), sino que la deformación profesional y cultural de los juristas, con ser necesaria para la funcionalidad de su especialidad, contiene y supone fuertes limitaciones a su capacidad de comprensión respecto de ese género respecto del cual el derecho laboral -y el derecho social en sentido amplio- no son sino especies, subsectores o, en muchos casos, formas, vías y terapéuticas de tratamiento.

Salir de esos límites no nos resulta tarea sencilla. Pero aún manteniéndonos en ellos, y desde la pura metodología y fenomenología del derecho, estaríamos en condiciones de advertir nuestras severas limitaciones. Veamos esos mecanismos y fenómenos, en una secuencia conceptual:

Un primer momento consiste en la detección, por el que tiene la potestad de hacerlo –es decir, del poder- de los supuestos de hecho sobre los cuales se decide operar jurídicamente, normativamente. Y los juristas, que nos formamos en un ‘habitat’ cultural de pretensiones totalizadoras, según las cuales todas las conductas sociales deben considerarse abarcadas por el derecho, nos desorientamos ante las lagunas del ordenamiento. Vaya un desafío práctico para evidenciarlo: ¿en cuantas sentencias judiciales aparece reconocido por el sentenciante, que está creando una norma ‘ad hoc’ para la solución del caso, ya porque el supuesto de hecho no esté contemplado, no esté cabalmente contemplado o no esté suficientemente contemplado en el ordenamiento, ya porque la norma aplicable caduca o desaparece ante la presencia de una superior que la invalida?[4] El derecho, como la naturaleza, parece querer rechazar el vacío; y como en ciertas visiones de aquella, pretender que todo está creado.

Concentrados todavía en ese primer momento, hay otro llamado a la reflexión, cuando nuestra mirada se detiene en los supuestos de hecho sobre los que el poder ha decidido operar o interactuar, y no sobre aquellos en los que el poder es omisivo, o aparece como indiferente. En la Argentina, lleva casi 22 años de vida hibernada una ley de protección de los créditos laborales, con un fondo de garantía que no ha sido jamás reglamentado ni puesto en vigencia, y eso a los juristas no nos mueve un pelo. Aunque, claro, el ejemplo más elocuente, sea la indiferencia por la inclusión jurídica de los excluidos sociales, a los que solo se dedica, y con fruición, el derecho penal, y no precisamente en su posible condición de víctimas.

El segundo momento es el de la decisión del poder acerca de cuál haya de ser la conducta debida, o –en el caso del derecho penal- la conducta indebida. En ese momento, los operadores jurídicos comenzamos a aparecer en escena, pero siempre más como intérpretes que desde una perspectiva crítica. Y difícilmente nos interroguemos acerca de por qué en el supuesto de hecho ‘s’ es debida la conducta ‘d’ y no la ‘a’, la ‘b’, o la ‘c’. Por suerte, la complejidad del sistema de fuentes y la priorización indispensable de la normativa de nivel superior, ha reavivado en los últimos tiempos nuestra aptitud y actitud críticas. Y desde ya que todo avance en esa dirección será positivo.

El tercer momento es el de la verificación de si la conducta de cada obligado se ajusta o no se ajusta al designio del poder efectuado en forma directa o por la vía del reenvío a actos voluntarios y lícitos de las partes,                o mediante delegación de sus propias facultades de ordenamiento jurídico[5]. En ese escenario actuamos en plenitud, nos sentimos en nuestra propia salsa, aunque funcionalmente sigamos limitados a contemplar y analizar aquellos ‘casos’ en los que se reprocha un apartamiento del respectivo deber jurídico. Es el lugar del conflicto, aquel que se deforma cuando es el propio Estado[6] el que incurre en una doble falencia: en orden al contralor del cumplimiento de su propia normativa, tendiente a hacer cumplir con la conducta debida antes de tener que operar sobre su inejecución; y respecto del cumplimiento de sus propios deberes jurídicos.[7]

Con lo que llegamos a ese cuarto momento, el jurídico en sentido propio; que es el de esa coerción (y coacción) para restablecer el ‘orden jurídico’ violentado o incumplido, y para reparar las consecuencias de tal inejecución. Que es, por otra parte, el único nivel de esa fenomenología en el que pone su vista crítica la sociedad, cuando la coerción está ausente, cuando la violación de la ley no tiene castigo, cuando el castigo es sectorial y clasista, cuando la reparación es tardía, cuando es inalcanzable, o cuando la propia conducta debida es ajena a la conducta social media o a su representación vulgar.[8]

En síntesis, lo peor que nos ocurre a los juristas deriva de esa noción insertada en nuestra cultura de que el derecho dado, aquel sobre el cual operamos, es la mejor forma de regulación de las conductas humanas en la sociedad; o, al menos, la mejor concretamente posible.- Que tiene una derivación hacia el ridículo cuando se prescinde de todos los restantes factores que inciden en el control social y en los conflictos y confrontaciones en la propia base social, y se llega a suponer que la normatividad jurídica es suficiente y todopoderosa para tal regulación de las conductas humanas: que es cuando, por ejemplo, se pretende solucionar el problema mayúsculo de la inseguridad aumentando las penas para determinados delitos, o ampliando el universo de los sujetos sancionables.

Es cierto, entonces, que aún con todas nuestras limitaciones, si nos montamos sobre los aspectos puramente jurídicos de la regulación de las relaciones sociales de trabajo, estamos en condiciones de abordar desde diversas perspectivas el nivel de vigencia de los derechos laborales, para interactuar sobre éste (como se está haciendo en la Argentina con algunos segmentos de la irrealización del derecho, en el caso de las consecuencias del despido discriminatorio).

Veamos esas perspectivas, en un pantallazo:

1. El propio contenido normativo de la legislación laboral. Su suficiencia, su abarcatividad, su actualidad, su correspondencia con los supuestos de hecho reales y concretos, su necesidad de adecuación y cambio, y el modo de hacerlo respetando el principio superior de progresividad y los mandatos inamovibles de nuestras constituciones.- Pero que impone cotejar al ordenamiento jurídico con datos provenientes de la sociología del trabajo, de la ingeniería laboral, de la economía y de otras disciplinas.[9]

2. El nivel del garantías de su cumplimiento y de coerción y coacción por parte de los organismos de aplicación y contralor. Por supuesto, incluyendo las políticas concretas de prevención destinadas a evitar el incumplimiento,  la simulación y el fraude (dado que es inimaginable la clandestinización           del pago de salarios, por caso, desvinculado de una informalización de la economía en la que lo primero clandestinizado es el ingreso del empresario.[10]

3. La abarcatividad del sistema jurídico protectorio. No puede resultar indiferente el cotejo entre la norma jurídica, legal o convencional, y un universo de desprotección por clandestinidad total de casi la mitad del trabajo asalariado; como no puede serlo el universo de relaciones extrañadas del sistema protectorio clásico aunque en ellas exista una nítida dependencia económica, que debiera ser el dato dirimente.[11]

4. El nivel de tutela contra el despido arbitrario, ilegítimo o socialmente injusto. Porque no nos engañemos: allí donde el derecho al trabajo no contemple el derecho a su conservación mientras no se acredite una justa causa de despido o dimisión, no se darán las condiciones mínimas para hacer operativos los demás derechos consagrados en la normativa laboral.[12]

5. La dotación de acciones de cumplimiento o ejecución de deberes jurídicos de los empleadores. En este sentido, llevo décadas cansando                   –y cansándome- de sostener que en el derecho vigente, los trabajadores asalariados son los únicos ciudadanos que carecen de auténticas opciones en el sentido de perseguir antes el cumplimiento de los deberes jurídicos omitidos o incumplidos por sus empleadores que el puro ejercicio de las acciones de extinción de las obligaciones: se trata de obligaciones, las de los empresarios, cuya inejecución -si es grave la inconducta, claro- solo parece poder conducir al despido indirecto y, con él , a reparaciones económicas tarifadas.[13]

6. El mayor o menor respeto por la vigencia efectiva del principio de progresividad. Que, por supuesto, tiene un aspecto jurídico, en tanto valladar para la producción normativa regresiva, así resulte muy limitado en su funcionalidad concreta.

Y, por supuesto, el gran tema de la eficacia o ineficacia medida desde la acción de la justicia, que tiene tanto que ver con el núcleo de las cuestiones acerca de las que tratamos constantemente en el seno de la Asociación Latinoamericana de Jueces del Trabajo (ALJT) y de las que prescindiré en esta panorámica por razones de tiempo, pero nunca de desinterés. En el que, por lo demás, incide mucho la comprobación de divorcios entre un derecho de fondo protector y regímenes procesales que aún no se desprenden del principio ficcional de igualdad formal de las partes.

Pero, entonces, ¿qué es lo que, en el conjunto de estas perspectivas, o en cada una de ellas por separado, permanece ausente, omitido o intocado? Pues se trata de:

7. Las políticas sociales y el determinismo economicista.

8. La crisis, como realidad y como pretexto.

9. La crisis específica del concepto de centralidad social del trabajo asalariado, que abarca mucho más que las consecuencias inmediatas de la anterior.

10. La articulación entre el universo protegido y la marginalidad social y jurídica.

11. Las relaciones de fuerzas en la negociación y concertación colectivas, condicionantes de lo abordado y de lo resuelto en ellas.

12. La crisis de representación, y la de representatividad, tanto del sector sindical como de las organizaciones empresariales.

13. La dispersión de las realidades sectoriales, y especialmente de las territoriales.

Para respetar los límites de esta conferencia, apenas si me voy a detener, provisoriamente, en una de ellas, la primera: que lo es no solo en el enunciado sino también en cuanto ella ilumina al resto: la cuestión de la política social como interacción sobre la pura, concreta e inacabable cuestión social.                 O, dicho en palabras de un autor a quien no podríamos soñar con atacar              por sus utopías transformadoras[14], ese elemento indispensable de la política de respuesta a las deficiencias sociales, que sirve –o debiera servir- para la promoción humana, “y procura alcanzar el bienestar social mediante un conjunto de medidas coherentes aptas para lograr un orden social justo”.

Allí, y en esa concepción, la política social es al mismo tiempo proceso y producto, y entonces es tanto un arte como una ciencia: “la ciencia y el arte de solucionar las deficiencias sociales, mediante un conjunto de medidas coherentes.” Y el bienestar social, será aquel que se adquiere mediante la realización de la justicia social y el desarrollo social. Y ese desarrollo social podrá ser conexo, pero es necesariamente diferenciado del desarrollo económico.

Es en esto donde parece residir el ‘quid’ de la cuestión. En una aparente negación recíproca entre el bienestar humano concreto, la dignidad del trabajador, su derecho a un adecuado nivel de vida, el derecho social a una distribución equitativa de los bienes materiales y culturales de la sociedad, el derecho al acceso y mantenimiento de un trabajo digno, por un lado;                y un economicismo en el que solo se comprueban los fenómenos sociales desde los económicos, éstos desde los macroeconómicos, y éstos desde formas tan sesgadas de análisis como las del superávit fiscal o el de la balanza de pagos.

Hace mucho tiempo que se ha olvidado, por ejemplo, el contenido de la Declaración sobre el progreso y el desarrollo en lo social, aprobada por la Asamblea General de la U.N. en su resolución 2542 de 1969, en la que se decía que la interdependencia del desarrollo económico y del desarrollo social en el proceso más amplio de crecimiento y cambio, supone, y exige, y subraya, la importancia de una estrategia de desarrollo integrado que tenga plenamente en cuenta, en todas las etapas, sus aspectos sociales.

Es discutible si la política económica es o no un arte de lo posible separado del posible arte de lo posible de toda la política. Pero la política social, y dentro de ella la política laboral, son mucho menos arte de lo posible que de lo necesario y de lo imprescindible. Arte que no se podría comparar con el arte del salvataje de los aventureros financieros y de sus ‘Ceos’, que es el único globalmente contemplado mientras se anulan tantos millones de puestos de trabajo.

Considero que, en términos globales, la formación económico-social capitalista ha conocido diversas modalidades de política social:

  • Las de la inexistencia de políticas sociales, que por supuesto son una forma de politica social. Negativa, pero política al fin.
  • Las derivadas del descubrimiento ‘bismarckiano’ de que la política social activa es indispensable para sostener y mantener el propio sistema, que da pie al desarrollo de la seguridad social y a criterios tan conectados con la reproducción del sistema como los de Henry Ford cuando advertía que el salario que debía pagar a sus empleados fuera suficiente para que también fueran los compradores de sus productos.
  • Las conectadas con el ideario keynesiano, en el que ya aparecen como un anexo de la economía, pero que aún han sido tan útiles para configurar aquello que, con algo de realidad, bastante de apariencia y mucho más de ilusión se dio en llamar el ‘estado de bienestar’.
  • Y el ‘ritorno a la antiqua’ de un neoliberalismo antropófago, con su consigna central de prevalencia del orden público económico, del cual ni vale la pena seguir hablando siempre y cuando no perdamos la memoria a la hora de juzgarlo. Porque los gurúes de las nunca explicadas leyes del mercado también han incurrido en delitos de lesa humanidad.

Todas las demás formas históricamente concretas son, a lo sumo, combinaciones de unas y otras, atenuaciones o distorsiones provocadas por esa interacción entre política social y política económica, o resultados de pequeños cambios sensibles en las relaciones de fuerzas o en las condiciones democráticas de las respectivas sociedades.

Pero en todos los casos, el núcleo más sensible, y el más significativo, es el de la distribución de la riqueza social. Porque es el que permite detectar cuál es la teleología concreta de la política social vigente, y cuál la necesaria o deseable.

Porque el llamado nivel de vida es más inasible, pues está conectado con otros valores, tales como las mejoras producidas en aspectos científicos  y técnicos, y su accesibilidad pública, aunque haya tantas familias de trabajadores que viven, hoy, como en el siglo XIX. Porque también lo es, relativamente, el nivel de empleo, aunque sea tan evidente que ha quedado atrás definitivamente el concepto de ejército de reserva de la clásica concepción burguesa, para devenir en un universo de excedentes para el que la sociedad capitalista parece no poder, y ni siquiera querer, encontrar remedio.-

Incluso sucedáneos retóricos como el mentado ‘trabajo decente’, que           en parte disimula el auténtico concepto del trabajo digno, carecen de la especificidad necesaria y eficiente como para medir el éxito de las políticas sociales[15], Con todo, cabe la advertencia de que no se trata de un análisis matemático, sino que requiere de un examen profundamente causal, pues inciden y gravitan decisivamente en su ecuación en concreto diversos factores:

  • Los condicionamientos de las nuevas formas de producción sustitutivas del fordismo y el taylorismo.
  • La desaparición del horizonte de confrontación global con el llamado ‘socialismo real’.
  • La precarización y la rotación forzada del trabajo humano.
  • Los llamados salarios indirectos y prestaciones de la seguridad social, y la crisis de los mecanismos de soporte financiero de éstas.

Porque eso es lo central de las políticas sociales, no es casual que, en            la Argentina al menos, nos mantengan en la ignorancia del nivel real de participación de los asalariados en el PBI. Y no tiene absolutamente nada de casual el hecho de que la medición que efectuaba el Banco Central se haya suspendido abruptamente después de 1975; y que hoy no se encuentre ni recuperada ni disponible una auténtica medición oficial que nos permita saber si el énfasis discursivo en la distribución de la riqueza guarda algún nivel de correspondencia con los logros que, en tal dirección, se hayan conseguido. Obvio, por una simple cuestión de sensatez expositiva, toda remisión a las cifras que nos ‘proporciona’ el Indec desde octubre de 2006.[16]

En su ‘presentación’ o prólogo del Informe del Grupo de Expertos sobre el Estado Actual del sistema de relaciones laborales en la Argentina, el Ministro de Trabajo, Empleo y Seguridad Social de la Nación, Dr. Carlos Tomada, se refiere al diseño y la gestión de políticas laborales y de empleo como un eje central en la consolidación del nuevo patrón de crecimiento; en razón de los cuales las instituciones claves del mundo del trabajo recuperaron su esencia, en particular traducidas en políticas activas de lucha contra el empleo no registrado y de protección de las condiciones laborales, así como de impulso a la negociación colectiva y a la formación profesional. Si eso es cierto, total o -así sea- parcialmente, aleluya. Y otro aleluya si se marcara una tendencia a reafirmarlo y asegurarlo.

El Ministro es más prudente, sin duda, cuando se refiere a la distribución del ingreso, y al combate a la pobreza y a la inclusión, respecto de las que nos habla de la necesidad de su diseño, selección y adaptación de lineamientos, como metas de mediano y largo plazo. Lo que ya va marcando diferencias bastante apreciables, tanto en materia de compromisos como de expectativas.

En cuanto a las mentadas ‘formas jurídicas’, el Dr. Tomada –cuya especialización en nuestra materia es incuestionable- se refiere a la                      ley 25.877 como la primera en América Latina que tiene a la promoción               del trabajo decente como objetivo prioritario de las políticas de gobierno,              al tiempo que desmanteló algunas de las instituciones más regresivas del ‘mercado de trabajo’ impuestas en la última década del siglo XX. Y todo   esto lo dice el Ministro de Trabajo para acabar advirtiendo, respecto de los diagnósticos y propuestas del Grupo de Expertos -y destacando la libertad con la que examinaron la realidad en el campo científico- que esa libre opinión que conduce a la descripción de lo óptimo, a veces puede estar alejada de los equilibrios que deben prevalecer en la acción de gobierno.

Con el debido respeto, tanto por la opinión personal como por los condicionantes del discurso de un tan destacado componente del Poder Ejecutivo Nacional como lo es el Ministro de Trabajo,[17] me permito remarcar esa distancia que pone entre lo que describe como óptimo (o como necesario en la visión media del universo de personas e ideologías que conformaron el Grupo de Expertos) y esos ‘equilibrios’ en la acción gubernamental: que acaban poniendo en duda si se han producido, o si efectivamente se están produciendo, esas mutaciones en virtud de las cuales las políticas sociales dejan de estar regidas por el llamado orden público económico. O, en todo caso, obligan a considerar cuál es el standard del equilibrio en materia de distribución social del ingreso.

Porque una cosa es, utilizando palabras del presidente del Grupo de Expertos, intensificar la protección dando cuenta de la realidad, evitando el autismo jurídico; y otra muy diversa abstenerse de obrar como un factor de corrección del funcionamiento descontrolado del mercado; obrar destinado a evitar, o al menos atenuar, la injusticia y la explotación. Lo que no hace solamente a una diferencia de matices o de énfasis.

No es problema sencillo el abordaje de la superación de las políticas de tierra arrasada con las que cerramos el Siglo XX. Ni lo es el resolver, sobre bases realmente democráticas, esa nueva ‘invención de lo colectivo’ a que alude Valdovinos citando a Supiot, a la que nos convoca la realidad sindical argentina y que nos exige el ordenamiento internacional. Lo que no podemos hacer es clausurar el debate antes de iniciarlo: y menos aún cancelarlo a pretexto de una nueva crisis global, pues de ésta- como decía Borges de los laberintos- se sale por arriba.

Solo una brevísima frase para el cierre: la deuda social se paga con políticas sociales. Los acreedores, siguen esperando.


[1] El Grupo de Expertos fue integrado, finalmente, por el Dr. Oscar Valdovinos como su presidente, y los Dres. Eduardo O. Alvarez, Julio Simón, Jorge Rodriguez Mancini, Jorge Sappia, Jorge Elías, Pablo Topet, Beatriz I. Fontana, Carlos Aldao Zapiola y Mario Elffman.

[2] El Consejo Nacional de la Magistratura, en resolución Nº 250/05 del 28/07/05, consideró que el Grupo de Expertos en Relaciones Laborales revestía un especial interés para las relaciones laborales, y puesto que se trataba de una actividad académica ‘ad honorem’, no encontraba inconvenientes para mi participación, a condición de que mi actividad no resultare incompatible con la dedicación que corresponde exigir a los magistrados respecto del cumplimiento de su cargo.

[3] Lo más notable, a mi juicio, ha sido la conducta silente del espacio académico, del universitario y de la abogacía laboralista organizada.

[4] No escapa a esto ni el ‘leading case’ Vizzoti, en el que la CSJN argentina omite considerar que, al crear una norma ‘ad hoc’ para completar el vacío que queda tras la declaración de inconstitucionalidad de una norma legal, mediante la aplicación analógica de una norma pretoriana propia del derecho fiscal –constitucional, lo que hace es poner en ejecución el art. 11 LCT.

[5] En el derecho laboral hay más de esta última categoría de lo deseable, contemplando por ejemplo el haz de facultades y poderes del empleador en materia de derecho disciplinario.

[6] Aquí comienzo a cambiar el modo de referirme previo al ‘poder’.

[7] Es en este sentido que yo insisto en que parece haberse esfumado la única auténtica transformación jurídica producto de la revolución francesa de 1789, que ha sido la incorporación del Estado como sujeto obligado, desarrollada por el constitucionalismo burgués del Siglo XIX como derechos y garantías contra el Estado: hoy, el Estado contemporáneo parece complacerse en desmontar toda posibilidad efectiva de coerción para obtener de él el cumplimiento forzado de sus deberes jurídicos, configurándolos progresivamente como virtuales.

[8] Situaciones que suelen ser socialmente atribuidas a deficiencias de la justicia y de los jueces.

[9] Esto se ha constituido en uno de los ejes principales de la experiencia de estudio, debate y polémica, del Grupo de Expertos.

[10] En la Argentina llevamos catorce años sin disponer de un sistema mínimo de garantía de derechos de los afectados por accidentes de trabajo.

[11] Estos tres primeros han sido los auténticos ejes del proceso de análisis, de polémica y de búsqueda de minimos comunes denominadores en el trabajo del Grupo de Expertos.

[12] Tema central para el debate contemporáneo en el que el Informe se limitó a describir la crisis terminal del sistema reparatorio tarifado y a presentar las diversas posibilidades de superación: defecto que me sigue pareciendo mucho menor que la alternativa de soslayar el problema.

[13] Por eso, por tanto esfuerzo reiterativo aplicado a la cuestión, me parece que es uno de los acápites más logrados del informe.

[14] Humberto Podetti, en el Tomo 1 del Tratado dirigido por Antonio Vázquez Vialard.

[15] Reecordemos que el entonces presidente de Méjico se dio el ridículo lujo de decir, en Córdoba, hace dos años, que en su país había muchos millones de trabajadores ‘en negro’, pero que todos ellos tenían ‘trabajo decente’-

[16] En este sentido, corresponde rendir tributo a los esfuerzos realizados desde institutos             y organismos privados, en particular el del Centro de Estudios sobre Población, Empleo y Desarrollo, del Instituto de Investigaciones Económicas de la Facultad de Ciencias Económicas de la UBA, que dirige el Prof. Javier Lindenboim.

[17] Que ostenta un verdadero ‘record’ pues ha cumplido seis años continuos en el cargo.


A APLICAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS

Oscar Ermida Uriarte

Catedrático de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social

Facultad de Derecho, Universidad de la República (Uruguay)

SUMÁRIO: Introdução; 1. As Principais Normas Internacionais do Trabalho:            as Convenções da OIT e os Pactos e Declarações de Direitos Humanos;                     2. A Aplicação Normativa das Normas Internacionais: Aplicação Direta e Imediata; 3. A Interpretação das Normas Internacionais; Conclusões.

INTRODUÇÃO

Eu tinha pensado em começar com duas palavras: obrigado e parabéns.

Em primeiro lugar, desejo parabenizar AMATRA IV, pela realização deste já Vigésimo Encontro de Juízes do Trabalho do Rio Grande do Sul, mas, sobretudo pela sua importante e permanente tarefa de capacitação, de defesa e de promoção do Direito do Trabalho.

A segunda palavra era simplesmente de agradecimento. Agradecer à AMATRA IV pelo convite, pela honra que me profere, fazendo-me parte deste encontro, desta atividade. Mas, apesar disso, eu tenho que acrescentar, agora, uma terceira palavra que é uma palavra de desculpas. Eu tenho que pedir desculpas porque, por causa do tempo, vamos ter que comprimir o que eu tinha previsto falar e, então, as coisas não vão sair exatamente como a gente queria.

Vamos dividir a exposição em três partes. Uma primeira sobre algumas normas internacionais, especialmente as normas internacionais de Direitos Humanos no trabalho. Na segunda parte, trata-se da aplicação normativa dessas normas: como aplicam-se as normas mesmas? E finalmente, a interpretação, a hermenêutica: como se interpretam essas normas internacionais do trabalho, especialmente as normas internacionais de direitos humanos do trabalho?

1. AS PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS DO TRABALHO: AS CONVENÇÕES DA OIT E OS PACTOS E DECLARAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

As normas internacionais são das mais diferentes espécies, ainda as normas internacionais do trabalho. Temos uma grande variedade, mas a maioria não vai ser considerada hoje aqui por nós. Cláusulas sociais nos tratados                de comércio, recomendações, soft low, convenções coletivas internacionais              e normas supranacionais, como aquelas da União Européia. Todas essas são normas internacionais do trabalho que não vão ser consideradas por nós agora.

Vamos nos ocupar somente de duas classes de normas internacionais           do trabalho, talvez as mais importantes. Uma, as convenções internacionais do trabalho aprovadas pela OIT e outra, os pactos e declarações de direitos humanos.

Quanto às Convenções da OIT, elas são tratados internacionais mais ou menos tradicionais, que necessitam ser ratificados para ter validade e eficácia no direito interno. Mas, por que eles dizem isso, porque a própria Constituição da OIT e o próprio texto das convenções dizem que deverão ser ratificadas pelos países. Isso não é assim de regra.

Os juristas nacionais de todos os países têm um preconceito: pensam que sempre os tratados internacionais precisam ser ratificados ou aprovados pelo Estado nacional para vigorar no Direito interno. Mas a regra, no Direito internacional, não é essa. A regra no Direito internacional é a inversa, é a contrária. Segundo a convenção de Viena de Direito dos tratados, os tratados tem validade plena, eficácia plena, desde o momento de sua assinatura, desde o momento de sua celebração, não necessitando ratificação nem aprovação nacional posterior, salvo caso o próprio tratado o preveja ou exija, que é              o caso da convenção da OIT: ela mesma diz que para ter plena eficácia nacional deverá ser ratificada.

Frente a estas convenções da OIT, que só regem enquanto ratificadas ou aprovadas, temos outras normas internacionais que são as normas internacionais de direitos humanos. Alguns dos Pactos e Declarações de Direitos Humanos são tratados sujeitos a ratificação ou aprovação posterior, mas outros não, porque são Declarações de direitos que não precisam ser ratificados. Exemplo: a Declaração Universal de Direitos Humanos do ano quarenta e oito. Ela nunca foi ratificada e nunca vai ser ratificada por ninguém, porque é uma Declaração que não precisa ser ratificada, sendo, apesar disso, obrigatória. Como essa, tem muitas.

Esse conjunto de Pactos e Declarações de Direitos Humanos contém muitos direitos trabalhistas. Exemplo: limitação da jornada, descanso semanal, férias anuais, formação profissional, salário justo ou salário digno, salário mínimo, liberdade sindical, greve, negociação coletiva, previdência social, proteção contra desemprego, higiene ou saúde no trabalho, direito ao trabalho, não discriminação, etc. São todos direitos que estão reconhecidos nestes Pactos e Declarações de Direitos Humanos.

E temos, além disso, aqueles direitos chamados de direitos não específicos, inespecíficos, que não são direitos trabalhistas, mas que são direitos humanos, dos quais, o trabalhador, enquanto pessoa humana, permanece sendo titular deles: liberdade religiosa, liberdade de pensamento, liberdade de expressão de pensamento, direito à intimidade, direito respectivo à honra pessoal, etc.

Temos, então, um grande elenco de direitos trabalhistas que são direitos humanos, e um grande elenco de direitos não trabalhistas, mas que são de titularidade do trabalhador, ou seja: um grande elenco de direitos humanos no trabalho. E eles constituem um novo Direito Universal dos Direitos Humanos, que é diferente ao direito internacional tradicional ou clássico. Diferente em muitas formas, nos sujeitos, nas partes, nos titulares.

No Direito internacional que todos estudamos na Faculdade, o sujeito, as partes, os titulares, eram os Estados. Até o nome, “Direito internacional”, entre-nações, inter-nações, lembra um Direito inter-estados.

O Direito dos direitos humanos não é de titularidade dos Estados.                   O sujeito, o titular dos direitos é a pessoa humana, porque se fala de direitos humanos.

A diferença também se dá no conteúdo ou matéria. A matéria não é, agora, as relações entre os Estados, própria do Direito internacional; a matéria é os direitos humanos, os direitos das pessoas humanas. A estrutura também é diferente porque é universal, não é interestatal e por isso algumas de suas fontes, de seus instrumentos, não requerem ratificação ou aprovação.

A sua eficácia é diferente porque é um Direito imperativo, erga omnes, que rege independentemente da aprovação dos Estados, porque são direitos que têm relação com a natureza da pessoa humana, que é universal, não dependendo de nacionalidade, de domicílio, de residência. São direitos da pessoa humana, quem queira que ela seja, onde quer que ela esteja, qualquer que seja a sua relação com um estado determinado.

E as fontes deste Direito universal dos direitos humanos são múltiplas, também. Podem ser tratados internacionais ou “outros instrumentos internacionais”, como as Declarações não ratificáveis. São, também, os princípios gerais do Direito que saem desses textos internacionais, mas também das constituições nacionais. Aqui, as nossas constituições alimentam ou nutrem as normas internacionais. E também é fonte deste direito universal dos direitos humanos, a costume internacional. A jurisprudência da Corte Internacional de Justiça e da Corte Interamericana de Direitos Humanos tem dito que as Declarações e Pactos Internacionais de Direitos Humanos são não tratados convencionais, mas codificações ou (palavra muito cara aos brasileiros), consolidações do costume internacional e dos princípios internacionais gerais do Direito. E por isso, por serem consolidações de princípios e de costumes já existentes, não necessitam ser ratificadas. São simples consolidações, declarações do costume e dos princípios. Hoje, este é o conjunto de normas internacionais mais importante.

E como nós o aplicamos? Entramos aqui à segunda parte da exposição.

2. A APLICAÇÃO NORMATIVA DAS NORMAS INTERNACIONAIS:  APLICAÇÃO  DIRETA  E  IMEDIATA

Enquanto a aplicação normativa, fala-se na aplicação direta ou imediata das normas internacionais sobre direitos humanos. É o que diz a Constituição Brasileira na alínea 1 do artigo 5º, referido às normas constitucionais, que                são de aplicação imediata. Mas essa mesma ideia rege para os direitos consagrados nas Normas Internacionais de Direitos Humanos.

Por que essas Normas Internacionais de Direitos Humanos são de aplicação imediata ou direta? Por três razões: primeiro, pela supremacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos; segundo, porque elas têm essa imperatividade ou jus cogens próprio da natureza dos direitos fundamentais; e terceiro, por integrar o bloco de constitucionalidade no Direito interno.

Enquanto a supremacia destas Normas Internacionais surge da Convenção de Viena de Direito dos tratados, artigos 26 e 27, que estabelecen: a) a obrigação dos Estados de cumprir os tratados internacionais subscritos, assinados, ainda não ratificados nem aprovados; b) a proibição de alegar normas do Direito interno para descumprir as provisões dos tratados; e c) que a assinatura de um tratado sem ratificação ou aprovação posterior, gera obrigações para os Estados, pelo menos a obrigação de abster-se de condutas ou atividades contrárias à previsão do tratado.

Além disso, fala-se do jus cogens, da ordem pública internacional destas Normas Internacionais de Diretos Humanos, dada a sua natureza, e isto está reconhecido em muitas normas.

Somente vou dar dois exemplos de normas internacionais modernas e importantes que reconhecem a existência de um direito internacional não convencional obrigatório por si mesmo.

A primeira é o artigo 51 da Carta de Direitos Humanos da União Européia aprovada em Niza no ano 2000. O artigo 51 dispõe: nenhuma das disposições desta carta poderá ser interpretada como limitação ou lesão dos direitos humanos e liberdades reconhecidas pelo direito internacional ou pelas convenções internacionais adotadas. Está falando de duas fontes: o Direito internacional ou as convenções internacionais adotadas pelos países membros. Ou seja: existe um Direito internacional que não emana            das convenções internacionais, que não emana dos tratados. É este Direito internacional dos direitos humanos das Declarações que é jus cogens, ordem pública internacional.

A mesma ideia está na Convenção Internacional do Trabalho número 169, sobre as populações indígenas, os povos aborígenes, do ano 89. O que diz esta convenção? Esta convenção adota a ideia do pluralismo jurídico: não somente o nosso Estado nacional, ocidental e cristão, gera Direito; também outras comunidades geram seu próprio Direito. Por exemplo, as comunidades indígenas ou aborígenes. A Convenção 169 adota o pluralismo jurídico e impõe ao Estado nacional a obrigação de respeitar esses outros ordenamentos juridicos, essas outras ordens jurídicas. Mas com dois limites.

Quais são os limites dentre os quais o Estado nacional, ocidental e cristão pode impor a sua estrutura jurídica acima da estrutura jurídica dos povos indígenas? O que diz razão e tem a ver com o respeito dos direitos humanos: o respeito dos direitos humanos previstos na ordem jurídica nacional ou na ordem jurídica internacional. Esse é o limite. Por quê? Porque isso é ordem pública internacional. Isso é jus cogens. Nenhum Direito nacional, ocidental ou não, aborígene ou não, pode desrespeitar os direitos humanos que é o cerne, o centro, da ordem pública internacional, das normas imperativas não disponíveis, nem renunciáveis, nem delegáveis.

Temos outros exemplos que não vou desenvolver por razões de tempo: Jurisprudência do Tribunal Superior do Canadá, o informe da OIT do ano 99 sobre o trabalho decente, algumas sentenças do juíz argentino Oscar Zas, etc.

Mas eu quero lembrar uma norma da Constituição Brasileira, que               não diz isso mesmo, mas permite esta interpretação. Estou falando do artigo 4º de vossa Constituição, segundo o qual, um dos princípios fundamentais             das relações internacionais do Brasil é a prevalência dos direitos humanos,              com o qual pode-se concluir que a ordem jurídica brasileira não pode agredir esses direitos humanos que prevalecem, segundo a própria Constituição Brasileira.

Mas, se tudo isto fosse avançado demais, fosse excessivamente novo, teórico demais, até para alguns, anti-nacional, pouco patriótico, fica o chamado bloco de constitucionalidade. Porque todas as nossas constituições, umas mais, outras menos, constitucionalizam esses direitos de fonte internacional. Todas introduzem as normas internacionais no próprio texto constitucional.

O artigo 5º, alínea 2 da Constituição Brasileira diz que os direitos e garantias expressos na constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Eu quero sublinhar que ela não diz “tratados internacionais que a República Federativa do Brasil tenha aprovado ou tenha ratificado”. Ela diz “tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja parte”, que é outra coisa:

“seja parte” quer dizer “que se tenha assinado”. Essas normas internacionais não precisam ratificação nem aprovação; regem desde que assinadas. Eu sei que esse artigo foi acrescentado na última Emenda Constitucional com uma alínea 3 que diz que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados por três quintos de votos, serão equivalentes às Emendas Consitucionais. Mas isto só pode valer para os futuros Tratados Internacionais, não os anteriores. E não pode valer, porque não pode ser aplicado àqueles instrumentos internacionais que não requerem ratificação nem aprovação. Ninguém vai aprovar, jamais, por três quintos de votos ou por nenhuma outra maioria, a Declaração Universal de Direitos Humanos, porque não é ratificável. Estas tem um valor por si mesmas, que é, pelo menos, o mesmo da Constituição Brasileira ou, talvez, até superior.

3. A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS

Quais são os princípios ou critérios interpretativos das Normas Internacionais de Direitos Humanos?

O primeiro é o princípio de autoaplicação, de aplicação imediata ou direta, como diz o artigo 5º da Constituição brasileira e muitos outros, como         o 23 da Constituição da Venezuela, a Constituição do Equador, da Colômbia, do Uruguai, do Paraguai, etc.

Segundo critério: o princípio da interpretação mais favorável, velho conhecido do Direito de Trabalho. Em caso de dúvida, pode-se optar pela interpretação mais favorável. Mais favorável a quem? Se diz a mais favorável à pessoa, in dubio pro persone ou in dubio pro libertade. Trata-se da interpretação mais favorável ao direito, trata-se de preferir aquela interpretação mais favorável à realização do direito, aquela interpretação que potencializa o exercício do direito e que limita as exceções ou as limitações ao exercício do direito. Dito doutra forma, bem conhecida na dogmática jurídica: interpretação ampla ou extensa do direito e interpretação restritiva de suas exceções e limitações.

Terceiro critério interpretativo: interdependência dos tratados, das normas internacionais. Podem-se integrar várias fontes internacionais para configurar, construir a ideia, a estrutura do direito que vamos aplicar.

Quarto critério interpretativo: outro velho conhecido do Direito do Trabalho, a norma mais favorável. Quando há mais de uma norma de direitos humanos que pode ser aplicável, é válido escolher aquela mais favorável para o exercício do direito, para o titular do direito. Às vezes as próprias normas consagram este critério, a texto expresso, por exemplo: o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais diz que em matéria de liberdade sindical, aplica-se a norma mais favorável, ou dela ou àquela da Convenção 87 da OIT. O mesmo diz o Pacto de São José da Costa Rica, e o mesmo dizem, de                um jeito muito avançado, as Constituições da Costa Rica e Venezuela: as normas internacionais de direitos humanos prevalecem até sobre a própria Constituição, enquanto mais favoráveis, acrescentam. Então estabelecem, no texto expresso, o princípio da norma mais favorável entre a Constituição e as normas internacionais.

Um quinto critério ou princípio é aquele da obrigatoriedade ou vinculabilidade da interpretação feita pelos órgãos internacionais especializados.

Um sexto é o critério da progressividade ou não regressividade.

E eu quero propor outro princípio de interpretação e aplicação das normas de direitos humanos, que é a ideia da prevalência ou primado dos direitos sociais perante os direitos individuais de conteúdo patrimonial.

É muito frequente a oposição entre direitos sociais e direitos individuais de conteúdo patrimonial. Na verdade há o direito do empregador de demitir e o direito do trabalhador ao trabalho. O direito de greve do trabalhador e o direito de livre iniciativa do empregador e assim por diante. A nossa ideia, a nossa proposta é a ideia da prevalência dos direitos sociais perante os direitos individuais patrimoniais (não sobre os direitos individuais de liberdade, mas sim sobre os direitos individuais de conteúdo patrimonial).

A ideia é que aqui não há harmonização, aqui há prevalência dos direitos sociais, por três razões.

A primeira é que isso faz parte da natureza dos direitos sociais. Os direitos sociais existem, os direitos sociais foram inventados para limitar os direitos patrimoniais. Essa é a sua função. Se eles não limitassem a esfera dos direitos patrimoniais, careceriam de toda razão de existir. O primado sobre os direitos patrimoniais forma parte de sua natureza.

E tem mais duas razões, que foram expostas por Luigi Ferrajoli. A primeira é que as liberdades públicas e os direitos sociais são universais, incondicionais, imprescritíveis, incedíveis e irrenunciáveis, porque não dependem de nenhum título de aquisição, a diferença dos direitos patrimoniais. Para ter um direito patrimonial, eu tenho que ter um título, compra e venda, doação, heranca, sucessão, o que seja, mas tem que ter um título. Mas para ter liberdade de expressão, eu não necessito título nenhum que não seja o de ser pessoa humana. Esses direitos que não precisam título, naturalmente são superiores e prevalecem sobre aqueles direitos que precisam um título para serem exercidos. Por isso mesmo, os primeiros não são cedíveis, elegíveis, não são renunciáveis. Enquanto que os segundos, os patrimoniais, esses que precisam título, podem ser renunciados, podem ser cedidos. Então um direito renunciável, cedível, tem que ceder perante um direito irrenunciável, incedível.

E a segunda razão do primado das liberdades públicas e dos direitos sociais, diz Ferrajoli, é que os direitos sociais e as liberdades públicas são universais e incluintes, entretanto os direitos individuais de conteúdo patrimonial são exclusivos e excludentes. Eu sou proprietário deste relógio. Quando eu exerço o direito de propriedade sobre este relógio, eu excluo a todos vocês, a todo o mundo da possibilidade de exercer o mesmo direito sobre este mesmo bem. Mas, quando eu exerço o meu direito de liberdade religiosa, não excluo a ninguém da possibilidade de exercer, também, o seu direito de liberdade religiosa. Quando eu exerço meu direito de greve, não excluo a ninguém de exercer, também, ou não, o seu direito de greve. Por isso, os direitos sociais e as liberdades públicas primam, prevalecem, sobre os direitos patrimoniais que são excludentes, enquanto que os primeiros são inclusivos e compatíveis com todos os demais.

E também aqui, a Constituição Brasileira, não é alheia a isso. Eu lembro muito o artigo 193 da Constituição do Brasil, segundo o qual, a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem estar e a justiça social. Esse primado do trabalho e a ideia de que os direitos sociais primam sobre os direitos individuais de conteúdo patrimonial, estava já implícita                   no artigo 1º que falava que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, entre vários outros, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, mas enumerando primeiro o trabalho e depois a livre iniciativa.              E também, fez relação com o artigo 3º, que diz que é objetivo fundamental  da República reduzir as desigualdades sociais. Só com direitos sociais que prevaleçam sobre os direitos patrimoniais é possível realizar a justiça social, reduzir as desigualdades sociais.

CONCLUSÕES

Em conclusão, como se disse na Introdução, o Direito do Trabalho é um Direito Internacional, porque foi o primeiro Direito a internacionalizar-se com a declaração contida no Preâmbulo da Constituição da OIT no ano de 1919. Mas sobre tudo porque hoje continua internacionalizado com novas formas através dos direitos humanos trabalhistas. E é, então, um direito já não só internacional, mas universal na parte dos direitos trabalhistas que são direitos humanos. Temos um grande número de direitos trabalhistas que são direitos humanos, reconhecidos nas normas internacionais e que são direta e automaticamente aplicáveis pelos juízes, ainda contra a lei, caso a lei seja menos favorável que a previsão constitucional ou internacional do direito.               A isso se refere o artigo quarto da Constituição Brasileira, respeito à prevalência dos direitos humanos.

Isto permite aos juízes uma reconstrução do Direito do Trabalho, do Direito do Trabalho desregulado, flexibilizado pela lei, uma reconstrução desenvolvendo os direitos previstos na Constituição e nas normas internacionais sobre direitos humanos. Para isso é necessário pensar a partir dos direitos e não a partir das exceções, e o papel dos juízes, aqui, é fundamental porque só eles vão poder fazer que isto seja realidade. Só eles podem conseguir que isto deixe de ser um discurso teórico para converter-se em realidade. Porque só quando um juiz dá a razão a um cidadão e nega a razão a outro é quando o Direito deixa de ser uma construção teórica, dogmática, para converter-se             em realidade nos fatos. E tanto o Direito dos direitos humanos como o Direito do Trabalho é um Direito com vocação de realidade, com vocação               de atuar na realidade, nas pessoas de carne e de osso.


LA INTERPRETACIÓN Y APLICACIÓN DE LAS NORMAS INTERNACIONALES DEDERECHOS HUMANOS EN MATERIA LABORAL, CON ESPECIAL REFERENCIA AL ORDENAMIENTO JURÍDICO ARGENTINO

Oscar Zas

Juez de la Cámara Nacional de Apelaciones del Trabajo de la Capital Federal, República Argentina

Miembro del Consejo Consultivo y Fiscal de la Asociación Latinoamericana de Jueces del Trabajo

Profesor Titular de Cátedra de Derecho Social de la Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales de la Universidad Nacional de La Plata, República Argentina

I. El conjunto de principios, valores, derechos, libertades y garantías contenidos en las normas internacionales de derechos humanos, y la producción jurídica de los organismos supranacionales de interpretación y aplicación            de estas últimas, han generado una profunda convulsión en el ordenamiento jurídico de los Estados.

II. El art. 75, inc. 22 de la Constitución de la República Argentina dispone:

“Corresponde al Congreso:…”

“…22.Aprobar o desechar tratados concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienen jerarquía superior a las leyes.”

“La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre             la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación de la Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Niño; en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantías por ella reconocidos. Sólo podrán ser denunciados, en su caso, por el Poder Ejecutivo Nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara. Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congreso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de jerarquía constitucional…”.

En el universo de los “tratados concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales” de jerarquía supralegal están comprendidos, según la doctrina y la jurisprudencia unánimes, los Convenios Internacionales de la Organización Internacional del Trabajo, excepto el Convenio 87 relativo a la libertad sindical y a la protección del derecho de sindicación, que,              por reenvío expreso de los arts. 8.3 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales y 22.3 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, tiene jerarquía constitucional.[1]

Además, el Protocolo Adicional a la Convención Americana sobre Derechos Humanos en materia de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, “Protocolo de San Salvador” aprobado por la ley 24.658 también tiene jerarquía supralegal.

Uno de los efectos más relevantes de la vigencia de la norma constitucional precitada es el profundo impacto que implicó en el sistema de fuentes formales del Derecho del Trabajo, en la interpretación y aplicación de las normas de jerarquía legal y supralegal, y en la delimitación de las obligaciones del Estado al respecto, incluida la actuación de los jueces y tribunales del trabajo.

Al poco tiempo de entrar en vigencia la mencionada reforma constitucional, la Corte Suprema de Justicia de la Nación, refiriéndose expresamente a la Convención Americana sobre Derechos Humanos, señaló que su jerarquía constitucional ha sido establecida por voluntad expresa del constituyente          “en las condiciones de su vigencia”, esto es, tal como la mencionada Convención rige en el ámbito internacional y considerando particularmente su efectiva aplicación jurisprudencial por los tribunales internacionales competentes para su interpretación y aplicación.

De ahí que la aludida jurisprudencia deba servir de guía para la interpretación de los preceptos convencionales en la medida en que el Estado Argentino reconoció la competencia de la Corte Interamericana para conocer en todos los casos relativos a la interpretación y aplicación de la Convención Americana.[2]

El mencionado criterio fue reiterado por el más Alto Tribunal de la Argentina en su actual composición.[3]

Es más, recientemente la Corte Suprema profundizó esta línea hermenéutica en los siguientes términos:

“…Que, por su parte, la Corte Interamericana ha señalado que `es consciente que los jueces y tribunales internos están sujetos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermados por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos´. En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer una especie de `control de convencionalidad´ entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta tarea, el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana (CIDH Serie C Nº 154, caso “Almonacid”, del 26 de septiembre de 2006, parágraf. 124)…”[4]

El máximo tribunal argentino ha extendido este criterio a la labor de interpretación y aplicación de normas internacionales realizada por otros organismos internacionales, tales como el Comité de Libertad Sindical y la Comisión de Expertos en Aplicación de Convenios y Recomendaciones Internacionales, ambos de la Organización Internacional del Trabajo[5], y el Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las Naciones Unidas, en especial a través de las Observaciones Generales.[6]

III. De conformidad con el art. 29, inc. b) de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, si alguna ley otorga una mayor protección o regula con mayor protección el goce y ejercicio de algún derecho o libertad, se deberá aplicar la norma más favorable para la tutela de los derechos humanos y libertades fundamentales.

En consecuencia, si la propia Convención establece que sus regulaciones no tienen efecto restrictivo sobre otros instrumentos internacionales, menos aún podrán traerse restricciones presentes en esos otros instrumentos internacionales, pero no en la Convención, para limitar el ejercicio de los derechos y libertades que ésta reconoce.[7]

Son numerosos los instrumentos jurídicos en los que se regulan los derechos laborales a nivel interno e internacional y la interpretación de dichas regulaciones debe realizarse conforme al principio de la aplicación de la norma que mejor proteja a la persona humana, en este caso, al trabajador. Esto es de suma importancia ya que no siempre hay armonía entre las distintas normas ni entre las normas y su aplicación, lo que podría causar un perjuicio para el trabajador. Así, si una práctica interna o una norma interna favorece más al trabajador que una norma internacional, se debe aplicar el derecho interno. De lo contrario, si un instrumento internacional beneficia al trabajador otorgándole derechos que no están garantizados o reconocidos estatalmente, éstos se le deberán respetar y garantizar igualmente.[8]

Por otra parte, la Corte Interamericana aplica el principio de la norma más favorable para interpretar la Convención Americana, de manera que siempre se elija la alternativa más favorable para la tutela de los derechos protegidos por dicho tratado, y si a una situación son aplicables dos normas distintas, debe prevalecer la norma más favorable a la persona humana.[9]

La misión judicial no se agota con la remi­sión a la letra de los textos legales, sino que requiere del intér­prete la búsqueda de la significación jurídica o de los preceptos aplicables que consagre la versión técnicamente elaborada y adecuada a su espíritu, debiendo desecharse las soluciones notoriamente injustas que no se avienen con el fin propio de la investigación judicial de determinar los princi­pios acerta­dos para el reconocimiento de los derechos de los litigantes.[10]

El razonamiento judicial debe partir de la ponde­ración de los valores constitucionales, que constituyen una guía fundamental para solucionar conflictos de fuentes, de normas o de interpretación de la ley.[11]

El control de constitucionalidad de las leyes que compete a todos los jueces y, de manera especial, a la Corte Suprema, en los casos concretos sometidos a su conocimiento en causa judicial, no se limita a la función en cierta forma negativa, de descalificar una norma por lesionar principios de la Ley Fundamental, sino que se extiende positivamente a la tarea de interpretar las leyes con fecundo y auténtico sentido constitucional en tanto la letra o el espíritu de aquéllas lo permite.[12]

Cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque el efecto útil de la Convención no se vea mermado o anulado por la aplicación de leyes contrarias a sus disposiciones, objeto y fin. En otras palabras, los órganos del Poder Judicial deben ejercer no sólo un control de constitucionalidad, sino también “de convencionalidad” ex officio entre las normas internas y la Convención Americana, evidentemente en                el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes. Esta función no debe quedar limitada por las manifestaciones o actos de los accionantes en cada caso concreto, aunque tampoco implica que ese control deba ejercerse siempre, sin considerar otros presupuestos formales y materiales de admisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones.[13]

También constituye criterio hermenéutico del cimero tribunal americano que las normas de la Convención Americana de Derechos Humanos deben interpretarse de buena fe, conforme al sentido corriente que haya de atribuirse a los términos del tratado en el contexto de éstos y teniendo en cuenta el objeto y fin de la Convención Americana, cual es la eficaz protección de la persona humana, así como mediante una interpretación evolutiva de los instrumentos internacionales de protección de derechos humanos.[14]

De conformidad con los criterios expuestos precedentemente, en materia laboral rige el principio de interpretación y aplicación de la norma más favorable al trabajador, independientemente si la norma es interna o internacional, o si la interpretación es postulada por un tribunal nacional o un tribunal internacional u organismo de igual jerarquía encargados de la interpretación y aplicación de la norma internacional pertinente.

IV. La inserción en el Derecho Internacional de los Derechos Humanos comporta, además, la asunción por los Estados de concretas obligaciones de cara a todas las personas sometidas a su jurisdicción y de cara a la comunidad internacional, cuya inobservancia, por acción u omisión, puede configurar actos ilícitos internacionales, además de una injusticia interna. Ello ha impreso un claro perfil, y una nueva dinámica, a todas las instituciones estatales, dadas las características de las obligaciones que asume el Estado al ratificar los instrumentos internacionales de derechos humanos, y al hecho de que junto con otros principios constitucionales, como el de justicia social y el de protección del trabajo humano, consagra la inequívoca vigencia de un Estado Social y Democrático de Derecho.

En tal sentido, pesan sobre el Estado las siguientes obligaciones: a) de respetar los derechos humanos, es decir, abstenerse de todo acto que entrañe una interferencia en el goce de éstos; b) de proteger los derechos humanos, o sea, prevenir que las personas (físicas o jurídicas) produzcan dichas interferencias y c)realizar los derechos humanos, dentro de lo cual se distinguen la obligación de facilitar, en el sentido de iniciar actividades con el fin de fortalecer el acceso y disfrute de aquéllos, y la de hacer efectivos directamente esos derechos cuando un individuo o grupo sea incapaz, por razones ajenas a su voluntad de lograrlo por los medios a su alcance.[15]

V. Uno de los aportes fundamentales del derecho internacional de los derechos humanos en materia laboral es la delimitación y alcance del principio de no discriminación.

Hoy en día, el Derecho de los derechos humanos, punto de convergencia del Derecho Internacional y del Derecho constitucional, admite la existencia de normas supranacionales que se imponen a la soberanía de los Estados en aquellas materias que son de orden público internacional, por constituir principios básicos de la convivencia internacional. Estos, que constituyen el denominado “jus cogens”, incluyen el respeto de los derechos fundamentales por encima de intereses y voluntad de los Estados.

Esta ampliación de contenidos, sujetos y fronteras, se corresponde perfectamente con la globalización, produciéndose una racionalización de la soberanía nacional al incorporar normas supraestatales inherentes al ser humano y -sobre todo-, constatando la universalidad de los derechos humanos, en vez de su mera internacionalidad o constitucionalidad.

La noción de jus cogens está consagrada en el art. 53 de la Convención de Viena sobre Derechos de los Tratados, en tanto “norma aceptada y reconocida por la comunidad internacional de Estados en su conjunto como norma que no admite acuerdo en contrario y que sólo puede ser modificada por una norma ulterior de Derecho internacional general que tenga el mismo carácter”.

Las normas del jus cogens obligan a todos los Estados y a los nacionales de dichos países, tienen carácter erga omnes y pueden ser reclamadas por cualquier persona o Estado, aún al margen de cualquier vínculo convencional o ratificación.[16]

En similar sentido, explica Barbagelata que “todas las categorías de instrumentos que tratan de derechos humanos -entre los que se cuentan los laborales-, son un tipo muy especial de instrumentos internacionales que no pertenecen solamente a la esfera de los Pactos entre los Estados, sino que han alcanzado la dimensión de jus cogens.[17]

Oportunamente, sostuve que en materia de derechos sociales uno de los principios fundamentales es el de no discriminación (arts. 14 bis, 16, 75, incs. 22 y 23, C.N.; 2.1 y 7 de la Declaración Universal de Derechos Humanos; II de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; 1 y 24 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos;             2.2 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; 2.1 y 26 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos; 5 y concs. de la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; 1, 11, 12, 13 y concs. de la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; 2, 26            y concs. de la Convención sobre los Derechos del Niño).[18]

Cabe añadir a las normas internacionales mencionadas, los arts. 3.l de      la Carta de la Organización de los Estados Americanos, 3 del Protocolo Adicional a la Convención Americana sobre Derechos Humanos en materia de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, “Protocolo de San Salvador”, 1, 2 y 3 del Convenio Nº 111 de la Organización Internacional del Trabajo sobre la Discriminación (empleo y ocupación) de 1958 y la Declaración de la Organización Internacional del Trabajo relativa a los Principios y Derechos Fundamentales en el Trabajo y su Seguimiento.

La Corte Interamericana de Derechos Humanos ha señalado:

La no discriminación, junto con la igualdad ante la ley y la igual protección de la ley a favor de todas las personas, son elementos constitutivos de un principio básico y general relacionado con la protección de los derechos humanos. El elemento de la igualdad es difícil de desligar de la no discriminación. Incluso, los instrumentos ya citados (arts. 3.1 y 17 de la Carta de la Organización de Estados Americanos, 24 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, II de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre y 2.1 de la Declaración Universal de Derechos Humanos), al hablar de igualdad ante la ley, señalan que este principio debe garantizarse sin discriminación alguna. Este Tribunal ha indicado que “en función del reconocimiento de la igualdad ante la ley se prohibe todo tratamiento discriminatorio (Propuesta de modificación a la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización. Opinión Consultiva OC-4/84 del 19 de enero de 1984. Serie A Nº 4, párr. 54).

El término discriminación hace referencia a toda exclusión, restricción o privilegio que no sea objetivo y razonable, que redunde en detrimento de los derechos humanos.

Existe un vínculo indisoluble entre la obligación de respetar y garantizar los derechos humanos y el principio de igualdad y no discriminación.                Los Estados están obligados a respetar y garantizar el pleno y libre ejercicio de los derechos y libertades sin discriminación alguna. El incumplimiento por el Estado, mediante cualquier tratamiento discriminatorio, de la obligación general de respetar y garantizar los derechos humanos, le genera responsabilidad internacional.

El hecho de estar regulado el principio de igualdad y no discriminación en tantos instrumentos internacionales, es un reflejo de que existe un deber universal de respetar y garantizar los derechos humanos, emanado de aquel principio general y básico.

El principio de igualdad y no discriminación posee carácter fundamental para la salvaguardia de los derechos humanos tanto en el derecho internacional como en el interno. Por consiguiente, los Estados tienen la obligación de              no introducir en su ordenamiento jurídico regulaciones discriminatorias, de eliminar de dicho ordenamiento las regulaciones de carácter discriminatorio y de combatir las prácticas discriminatorias.

El Comité de Derechos Humanos de las Naciones Unidas definió a la discriminación como toda distinción, exclusión, restricción o preferencia que se basen en determinados motivos, como la raza, el color, el sexo, el idioma, la religión, la opinión política o de otra índole, el origen nacional o social, la posición económica, el nacimiento o cualquier otra condición social, y que tengan por objeto o resultado anular o menoscabar el reconocimiento, goce o ejercicio, en condiciones de igualdad, de los derechos humanos y libertades fundamentales de todas las personas (O.N.U., Comité de Derechos Humanos, Observación General 18, No discriminación, 10/11/89, CCPR/C/37, párr. 7).

El concepto de jus cogens ha estado en sus orígenes ligado particularmente al derecho de los tratados. Tal como está formulado el jus cogens en el artículo 53 de la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados, “es nulo todo tratado que, en el momento de su celebración, esté en oposición con una norma imperativa de derecho internacional general”. Por su parte, el artículo 64 de la misma Convención se refiere al jus cogens superviviente, al señalar que “si surge una nueva norma imperativa de derecho internacional general, todo tratado existente que esté en oposición con esa norma se convertirá en nulo y terminará”. El jus cogens ha sido desarrollado por la doctrina y la jurisprudencia internacionales.

En su evolución y por su propia definición, el jus cogens no se ha limitado al derecho de los tratados. El dominio del jus cogens se ha ampliado, alcanzando también el derecho internacional general, y abarcando todos los actos jurídicos. El jus cogens se ha manifestado, así, también en el derecho de la responsabilidad internacional de los Estados, y ha incidido, en última instancia, en los propios fundamentos del orden jurídico internacional.

Al referirse, en particular, a la obligación de respeto y garantía de los derechos humanos, independientemente de cuáles de esos derechos estén reconocidos por cada Estado en normas de carácter interno o internacional, la Corte considera evidente que todos los Estados, como miembros de la comunidad internacional, deben cumplir con esas obligaciones sin discriminación alguna, lo cual se encuentra intrínsecamente relacionado con el derecho a una protección igualitaria ante la ley, que a su vez se desprende “directamente de la unidad de naturaleza del género humano y es inseparable de la dignidad esencial de la persona”. El principio de igualdad ante la ley y no discriminación impregna toda actuación del poder del Estado, en cualquiera de sus manifestaciones, relacionada con el respeto y la garantía de los derechos humanos. Dicho principio puede considerarse efectivamente como imperativo del derecho internacional general, en cuanto es aplicable a todo Estado, independientemente de que sea parte o no en determinado tratado internacional, y genera efectos con respecto a terceros, inclusive a particulares. Esto implica que el Estado, ya sea a nivel internacional o en su ordenamiento interno, y por actos de cualquiera de sus poderes o de terceros que actúen bajo la tolerancia, aquiescencia o negligencia, no puede actuar en contra del principio de igual y no discriminación, en perjuicio de un determinado grupo de personas.

El principio de igualdad ante la ley, igual protección de la ley y no discriminación, pertenece al jus cogens, puesto que sobre él descansa todo          el andamiaje jurídico del orden público nacional e internacional y es un principio fundamental que permea todo ordenamiento jurídico. Hoy día no se admite ningún acto jurídico que entre en conflicto con dicho principio fundamental, no se admiten tratos discriminatorios en perjuicio de ninguna persona, por motivos de género, raza, color, idioma, religión o convicción, opinión política o de otra índole, origen nacional, étnico o social, nacionalidad, edad, situación económica, patrimonio, estado civil, nacimiento o cualquier otra condición. Este principio (igualdad o no discriminación) forma parte del derecho internacional general. En la actual etapa de la evolución del derecho internacional, el principio fundamental de igualdad y no discriminación ha ingresado en el dominio del jus cogens.

Además, los Estados están obligados a adoptar medidas positivas para revertir o cambiar situaciones discriminatorias existentes en sus sociedades, en perjuicio de determinado grupo de personas. Esto implica el deber especial de protección que el Estado debe ejercer con respecto a actuaciones o prácticas de terceros que, bajo su tolerancia o aquiescencia, creen, mantengan o favorezcan las situaciones discriminatorias.

En razón de los efectos derivados de esta obligación general, los Estados sólo podrán establecer distinciones objetivas y razonables, cuando éstas        se realicen con el debido respeto a los derechos humanos y de conformidad con el principio de la aplicación de la norma que mejor proteja a la persona humana.

En una relación laboral regida por el derecho privado, se debe tener en cuenta que existe una obligación de respeto de los derechos humanos entre particulares. Esto es, de la obligación positiva de asegurar la efectividad de los derechos humanos protegidos, que existe en cabeza de los Estados, se derivan efectos en relación con terceros (erga omnes). Dicha obligación ha sido desarrollada por la doctrina jurídica y, particularmente, por la teoría del Drittwirkung, según la cual los derechos fundamentales deben ser respetados tanto por los poderes públicos como por los particulares en relación con otros particulares.

De esta manera, la obligación de respeto y garantía de los derechos humanos, que normalmente tiene sus efectos en las relaciones entre los Estados y los individuos sometidos a su jurisdicción, también proyecta sus efectos               en las relaciones interindividuales. En lo que atañe a la presente Opinión Consultiva, dichos efectos de la obligación de respeto de los derechos humanos en las relaciones entre particulares se especifican en el marco de la relación laboral privada, en la que el empleador debe respetar los derechos humanos de sus trabajadores.

La obligación impuesta por el respecto y garantía de los derechos humanos frente a terceros se basa también en que los Estados son los que determinan su ordenamiento jurídico, el cual regula las relaciones entre particulares y, por lo tanto, el derecho privado, por lo que deben también velar para que              en esas relaciones privadas entre terceros se respeten los derechos humanos, ya que de lo contrario el Estado puede resultar responsable de la violación de los derechos.

El Estado no debe permitir que los empleadores privados violen                   los derechos de los trabajadores, ni que la relación contractual vulnere los estándares mínimos internacionales.

Esta obligación estatal encuentra asidero en la misma normativa tutelar de los trabajadores, normativa que precisamente se fundamenta en una relación desigual entre ambas partes y que, por lo tanto, protege al trabajador como la parte más vulnerable que es. De esta manera, los Estados deben velar por el estricto cumplimiento de la normativa de carácter laboral que mejor proteja a los trabajadores, independientemente de su nacionalidad, origen social, étnico o racial, y de su condición migratoria y, por lo tanto, tienen la obligación de tomar cuantas medidas de orden administrativo, legislativo o judicial sean necesarias, para enmendar situaciones discriminatorias de iure y para erradicar las prácticas discriminatorias realizadas por determinado empleador o grupo de empleadores, a nivel local, regional, nacional o internacional, en perjuicio de trabajadores migrantes.

En definitiva:

Los Estados tienen la obligación general de respetar y garantizar los derechos fundamentales. Con este propósito deben adoptar medidas positivas, evitar tomar iniciativas que limiten o conculquen un derecho fundamental,            y suprimir las medidas y prácticas que restrinjan o vulneren un derecho fundamental.

El incumplimiento por el Estado, mediante cualquier tratamiento discriminatorio, de la obligación general de respetar y garantizar los derechos humanos, le genera responsabilidad internacional.

El principio de igualdad y no discriminación posee un carácter fundamental para la salvaguardia de los derechos humanos tanto en el derecho internacional como en el interno.

El principio fundamental de igualdad y no discriminación forma parte del derecho internacional general, en cuanto es aplicable a todo Estado, independientemente de que sea parte o no en determinado tratado internacional. En la actual etapa de la evolución del derecho internacional, el principio fundamental de igualdad y no discriminación ha ingresado en el dominio del jus cogens.

El principio fundamental de igualdad y no discriminación, revestido               de carácter imperativo, acarrea obligaciones erga omnes de protección que vinculan a todos los Estados y generan efectos con respecto a terceros, inclusive particulares.

El Estado tiene la obligación de respetar y garantizar los derechos humanos laborales de todos los trabajadores, independientemente de su condición de nacionales o extranjeros, y no tolerar situaciones de discriminación en perjuicio de éstos, en las relaciones laborales que se establezcan entre particulares (empleador-empleado). El Estado no debe permitir que los empleadores privados violen los derechos de los trabajadores, ni que la relación contractual vulnere los estándares mínimos internacionales.[19]

En el mismo sentido, caracterizada doctrina, con apoyo en jurisprudencia de la Corte Internacional de Justicia y de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, afirma que la prohibición de la discriminación en sus diferentes modalidades se encuentra recogida en una norma imperativa del Derecho Internacional General.

Así, la prohibición de la discriminación en el ámbito laboral constituye en la etapa actual del Derecho Internacional un derecho humano laboral recogido en normas imperativas o de ius cogens. En otras palabras, es una prohibición que constituye el ius cogens laboral.[20]

En materia de tutela antidiscriminatoria es relevante el aporte de la reciente Observación General Nº 20 del Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (CDESC).

Sin ánimo de agotar el análisis de su rico contenido y de su proyección en materia laboral, interesa destacar que el citado documento adopta una definición de discriminación similar a la sostenida por el Comité de Derechos Humanos en su Observación General Nº 18, y recogida por la Corte Interamericana de Derechos Humanos en su Opinión Consultiva 18/03, y señala expresamente que la discriminación también comprende la incitación  a la discriminación y el acoso.

Por otra parte, según la Observación General Nº 20 del CDESC la lista de los motivos prohibidos de discriminación no es exhaustiva.

En efecto, el art. 2.2 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (PIDESC) dispone:

“Los Estados Partes en el presente Pacto se comprometen a garantizar el ejercicio de los derechos que en él se enuncian sin discriminación alguna             por motivos de raza, sexo, idioma, religión, opinión política o de otra índole, origen nacional o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra condición social”.

La inclusión de “cualquier otra condición social” indica que esta lista no es exhaustiva y que pueden incluirse otros motivos en esa categoría.                 El carácter de la discriminación varía según el contexto y evoluciona con el tiempo. Por lo tanto, la discriminación basada en “otra condición social” exige un planteamiento flexible que incluya otras formas de trato diferencial que no puedan justificarse de forma razonable y objetiva y tengan un carácter comparable a los motivos reconocidos en el art. 2.2 del PIDESC. Estos motivos adicionales se reconocen generalmente cuando reflejan la experiencia de grupos sociales vulnerables que han sido marginados en el pasado o que lo son en la actualidad.

Sin intención de exhaustividad, el CDESC enuncia entre los motivos             de discriminación que podrían ser prohibidos en determinados contextos,             la discapacidad, la edad, la nacionalidad, el estado civil, la situación familiar, la orientación sexual, la identidad de género, el estado de salud, el lugar de residencia, la capacidad jurídica de una persona por el hecho de estar encarcelada o detenida, o por hallarse internada en una institución psiquiátrica de forma involuntaria y la situación económica y social.[21]

La prohibición de la discriminación tiene un origen reciente (de hecho, su desenvolvimiento, hasta alcanzar su dimensión actual, comienza a partir de la Segunda Guerra Mundial), y sus presupuestos son muy diversos, pese a que conceptualmente guarde una estrecha relación con la igualdad.

De hecho, su presupuesto teórico reside en las transformaciones operadas en la concepción de lo que debe ser la igualdad en un Estado Social de Derecho, que necesariamente apuntan hacia la sociedad, y al reequilibrio de las desigualdades en ella existentes, que niegan justamente la premisa del enunciado del principio de igualdad: todos los ciudadanos, formalmente iguales, no lo son realmente, por concurrir en ellos factores, muchas veces ajenos a su voluntad, que les impiden el igual goce de derechos. El avance, lleno de dudas, hacia un sentido sustantivo de igualdad como objetivo, por lo mucho que tiene de crítica a esta situación social, prejurídica, es el presupuesto último en el que hunde sus raíces la prohibición de discriminación, aunque no necesariamente se confunda con ella. Junto al anterior, se encuentran otros valores constitucionales que, al cruzarse con él, dan razón del sentido de la prohibición, y, desde luego, de su morfología y alcance: fundamentalmente, los valores inherentes a la dignidad de la persona humana.

La positivización de la prohibición de discriminación parte de la constatación de la existencia en la sociedad de grupos o colectivos de personas sistemáticamente marginados, ciudadanos con una posición secundaria respecto de aquellos que gozan o pueden gozar de plenitud de posiciones de ventaja, pese al formal reconocimiento de su condición de «iguales» a éstos.

No se agotan aquí las bases teóricas de la prohibición, sino que es precisa una constatación adicional: que esta marginación tiene su origen en la pertenencia de los marginados a grupos delimitados por la concurrencia en sus miembros de condiciones personales, innatas al hombre, o resultado de opciones elementales, ejercitadas en uso de sus libertades esenciales. De ahí la vinculación con la idea de dignidad humana, que, integrada en la variable anterior -la necesidad de otorgar un contenido real a la igualdad-, arroja el área potencial de acción de la prohibición de discriminación. En otras palabras: la prohibición de discriminación no es tanto, o no es sólo, un precepto de igualdad. Lo que tipifica a la discriminación es esta doble matriz teórica, que se pone de manifiesto con sólo repasar sumariamente el desarrollo del concepto, particularmente en la normativa internacional, y que le vincula también y de forma necesaria con la defensa de los valores inherentes a la dignidad humana, cuya prevalencia requiere que se erradiquen estas manifestaciones de menosprecio hacia los mismos, y se subsanen los efectos por ellas provocadas.

Desde este punto de vista, la idea de igualdad viene entendida en                   un sentido más amplio, como desequilibrio peyorativo en el tratamiento que reciben los colectivos marginados por alguna de esas circunstancias que se acaban de mencionar, y es una fórmula que opera de una forma sumamente flexible; en todo caso, muy distinta de la propia del principio de igualdad formal. De ahí que la comparación, la casuística concreta, ineludible en el juicio de igualdad, sin que pueda excluirse -porque muchas veces la discriminación se manifiesta en desigualdades puntuales-, tenga aquí escasa trascendencia, pues lo que realmente importa es el resultado de perjuicio a una persona          o grupos de personas cuya dignidad queda en entredicho por la misma naturaleza causal del origen del perjuicio. Y ello aun cuando en cada caso concreto no exista un término de comparación, constituido por un sujeto o grupo de sujetos que se han visto beneficiados por los actos u omisiones que perjudican a los discriminados. La cualificación por el resultado, porque es manifestación de una posición social de desventaja, es lo que realmente tipifica a la discriminación. Por eso es posible detectarla en cualquiera de sus manifestaciones; aquellas en las que el resultado prohibido de diferenciación fundada en motivos inadmisibles se produce de forma directa -ya sea voluntaria o no, abierta u oculta-, tanto como en aquellas en las que el resultado se produce por la proyección de medidas de apariencia y significado neutrales, por alejados externamente de los criterios prohibidos, con efecto irrazonablemente perjudicial sobre los sujetos marginados (discriminaciones indirectas). Todo ello permite, además, captar el sentido sustancialmente unilateral, protector, de la prohibición de discriminación, sin que tenga lógica alguna entender que las circunstancias eliminadas como factores legítimos de diferenciación son armas neutras, susceptibles de ser usadas para amparar tanto a los sujetos marginados como a los que no lo son. Si así fuera -y así sucederá si se insiste en proyectar sobre la discriminación la lógica del principio de igualdad, cuya entidad es bilateral, por lo mismo que descansa por naturaleza en la comparación y en la valoración de la razonabilidad de sus resultados- se provocaría un vaciamiento del concepto, una sustancial pérdida de su sentido, y, lo que es aún más peligroso, se crearía un obstáculo para apreciar la legitimidad de las medidas adoptadas para suprimir la discriminación.[22]

En esta inteligencia, en el plano individual, toda discriminación adquiere un carácter humillante, inconciliable con el respeto debido a la dignidad humana; y en el plano social, la discriminación coloca a los individuos                           y grupos sociales víctimas de la discriminación en una situación de exclusión y marginación, cuyas consecuencias desventajosas se manifiestan en la negación o en la especial dificultad de disfrutar los bienes y derechos. La lucha contra las discriminaciones sintetiza así y de manera ejemplar los valores de la idea misma de derecho fundamental: el respeto a la dignidad de las personas, a su consideración como seres humanos, y la instauración de un orden social justo.[23]

La dignidad humana es una realidad difícil de definir y puede ser considerada desde muy diversos puntos de vista. En relación con la discriminación, interesa adoptar una perspectiva no estrictamente individual, sino social, que considere la sociedad en su conjunto y contemple la dignidad personal en su dimensión intersubjetiva, esto es, a partir de la situación básica de la persona en su relación con los demás. Desde este punto de vista, la dignidad expresaría el reconocimiento de la libertad y la libertad (en igualdad) que a todos los seres humanos corresponde por el hecho de serlo, suponiendo una exigencia de paridad en la estimación social y en la posición jurídica básica de todas las personas, mandato incompatible con la discriminación.[24]

En los instrumentos internacionales sobre derechos humanos la dignidad aparece siempre conectada con la igualdad en un binomio inescindible,                del que nace la prohibición de discriminación, en tanto que los motivos discriminatorios prohibidos colocan a ciertas personas y grupos en una situación adversa o de inferioridad que supone una negación de esa igualdad básica de todos, y por ende, una afrenta a la dignidad humana.

Así, según la Declaración Universal de Derechos Humanos “…la libertad, la justicia y la paz en el mundo tienen por base el reconocimiento de la dignidad intrínseca y de los derechos inalienables de todos los miembros de la familia humana…” (Preámbulo), “Todos los seres humanos nacen libres e iguales en dignidad y derechos…” (art. 1) y “Toda persona tiene todos los derechos y libertades proclamados en esta Declaración, sin distinción alguna de raza, color, sexo, idioma, religión, opinión política o de cualquier otra índole, origen nacional o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra condición…” (art. 2).

Tanto el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (PIDESC), como el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos (PIDCP), adoptan al respecto los siguientes textos casi idénticos: “…la libertad, la justicia y la paz en el mundo tienen por base el reconocimiento de la dignidad intrínseca a todos los miembros de la familia humana y sus derechos iguales e inalienables. Reconociendo que estos derechos se desprenden de la dignidad inherente a la persona humana…” (Preámbulo de ambos pactos), “…Los Estados Partes…se comprometen                  a garantizar el ejercicio de los derechos que en él se enuncian, sin discriminación alguna por motivos de raza, color, sexo, idioma, religión, opinión política o de otra índole, origen nacional o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra condición social…” (art. 2.2, PIDESC) y “Cada uno de los Estados Partes…se compromete a respetar y a garantizar a todos los individuos que se encuentre en su territorio y estén sujetos a su jurisdicción los derechos reconocidos en el presente Pacto, sin distinción alguna de raza, color, sexo, idioma, religión, opinión política o de otra índole, origen nacional o social, posición económica, nacimiento o cualquier otra condición social…” (art. 2.1, PIDCP).

Desde la perspectiva delineada precedentemente, la enumeración de motivos prohibidos de discriminación en la normativa pertinente no implica el establecimiento de una lista cerrada de supuestos de discriminación, ni una interpretación restrictiva del alcance de cada uno de ellos.

En efecto, las causas expresamente indicadas en esas normas son las más extendidas socialmente y las que determinaron la aparición de la tutela antidiscriminatoria. Tal reconocimiento positivo se explica por el carácter particularmente odioso e históricamente arraigado de ciertas formas de discriminación y tiene la virtualidad de despejar toda duda del intérprete acerca del tratamiento que merecen tales conductas. Sin embargo, la prohibición de discriminación no se agota en las explícitamente vedadas, son que se extiende a todas aquellas conductas que participen de la misma lógica vejatoria de la diferenciación a partir de la pertenencia del sujeto a un grupo, de modo que resulta perfectamente adaptable a los cambios sociales y permite hacer frente a todo tipo de discriminaciones, aun cuando no estuvieran previstas inicialmente.

VI. El principio de progresividad relativo a la obligación del Estado de lograr la plena efectividad de los derechos económicos, sociales y culturales y la prohibición de regresividad o de retroceso social también forman parte del bagaje teórico del Derecho Internacional de los Derechos Humanos.

Las fuentes normativas más importantes son el art. 2.1 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (PIDESC), el art. 26 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos (CADH) y el art. 1 del Protocolo de San Salvador (PSS).

El art. 2.1 del PIDESC establece:

“Cada uno de los Estados Partes en el presente Pacto se compromete a adoptar medidas, tanto por separado como mediante la asistencia y la cooperación internacionales, especialmente económicas, hasta el máximo de los recursos de que disponga, para lograr progresivamente, por todos los medios apropiados, inclusive en particular la adopción de medidas legislativas, la plena efectividad de los derechos aquí reconocidos”.

El art. 26 de la CADH prescribe:

“Los Estados Partes se comprometen a adoptar providencias, tanto a nivel interno como mediante la cooperación internacional, especialmente económica y técnica, para lograr progresivamente la plena efectividad de los derechos que se derivan de las normas económicas, sociales                y sobre educación, ciencia y cultura, contenidas en la Carta de la Organización de los Estados Americanos, reformada por el Protocolo de Buenos Aires, en la medida de los recursos disponibles, por vía legislativa u otros medios apropiados”.

El art. 1 del PSS dispone:

“Los Estados Partes en el presente Protocolo Adicional a la Convención Americana sobre Derechos Humanos se comprometen a adoptar las medidas necesarias tanto de orden interno como mediante la cooperación entre los Estados, especialmente económica y técnica, hasta el máximo de los recursos disponibles y tomando en cuenta su grado de desarrollo, a fin de lograr progresivamente, y de conformidad con la legislación interna, la plena efectividad de los derechos que se reconocen en el presente Protocolo”.

Del universo de cuestiones involucradas, nos limitaremos a exponer algunas reflexiones vinculadas al alcance de la denominada prohibición de regresividad o de retroceso social.

El PIDESC establece, como regla, la prohibición de retroceso, vale decir, de disminución del grado de protección que hubiesen alcanzado, en un determinado momento, los derechos económicos, sociales y culturales, máxime cuando la orientación de aquél no es otra que la “mejora continua de las condiciones de existencia”, según dispone su art. 11.1. Por otra parte, el art. 5.2 del PIDESC no justificaría un retroceso de la ley nacional por el hecho de que el tratado no previera el derecho en juego o lo enunciara en menor grado.[25]

Según el Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales (CDESC) el objetivo general y la razón de ser del PIDESC es establecer claras obligaciones para los Estados Partes con respecto a la plena efectividad de los derechos de que se trata. Este impone así una obligación de proceder lo más expedita y eficazmente posible con miras a lograr ese objetivo. Además, todas las medidas de carácter deliberadamente retroactivo en ese aspecto requerirán la consideración más cuidadosa y deberán justificarse plenamente por referencia a la totalidad de los derechos previstos en el Pacto y en el contexto del aprovechamiento pleno del máximo de los recursos de que se disponga.[26]

En la Observación General Nº 14 referida al derecho a la salud el CDESC precisó más su doctrina en los siguientes términos:

“Al igual que en el caso de los demás derechos enunciados en             el Pacto, existe una fuerte presunción de que no son permisibles las medidas regresivas adoptadas en relación con el derecho a la salud.             Si se adoptan cualesquiera medidas deliberadamente regresivas, corresponde al Estado Parte demostrar que se han aplicado tras el examen más exhaustivo de todas las alternativas posibles y que esas medidas están debidamente justificadas por referencia a la totalidad de los derechos enunciados en el Pacto en relación con la plena utilización de los recursos máximos disponibles del Estado Parte”.[27]

La Observación General Nº 18 del CDESC relativa al derecho al trabajo ha reiterado este criterio hermenéutico:

“As for all other rights in the Covenant, there is a strong presumption that retrogressive measures taken in relation to the right to work are not permissible”.[28]

La Observación General nº 19 del CDESC relativa al derecho a la seguridad social profundiza el mencionado criterio en los siguientes términos:

“Existe una fuerte presunción de que la adopción de medidas regresivas con respecto a la seguridad social está prohibida de conformidad con el Pacto. Si se adoptan medidas deliberadamente regresivas, corresponde al Estado Parte la carga de la prueba de que estas medidas se han adoptado tras un examen minucioso de todas las alternativas posibles y que están debidamente justificadas habida cuenta de todos los derechos previstos en el Pacto, en el contexto del pleno aprovechamiento del máximo de los recursos de que dispone             el Estado Parte. El Comité examinará detenidamente: a) si hubo una justificación razonable de las medidas; b) si se estudiaron exhaustivamente las posibles alternativas; c) si hubo una verdadera participación de los grupos afectados en el examen de las medidas y alternativas propuestas; d) si las medidas eran directa o indirectamente discriminatorias; e) si las medidas tendrán una repercusión sostenida en el ejercicio del derecho a la seguridad social o un efecto injustificado en los derechos adquiridos en materia de seguridad social, o si se priva a alguna persona o grupo del acceso al nivel mínimo indispensable de seguridad social; y f) si se hizo un examen independiente de las medidas a nivel nacional”.[29]

En febrero de 2003, la Corte Interamericana de Derechos Humanos  tuvo la oportunidad de resolver un caso vinculado a la vulneración de la prohibición de regresividad en materia de pensiones.

En ese caso, la Comisión Interamericana de Derechos Humanos y               los representantes de las presuntas víctimas y sus familiares alegaron el incumplimiento del art. 26 de la CADH, en cuanto el Estado peruano, al haber reducido el monto de las pensiones de las presuntas víctimas, no habría cumplido el deber de dar el desarrollo progresivo de sus derechos económicos, sociales y culturales, particularmente no les habría garantizado el desarrollo progresivo al derecho a la pensión.

El tribunal cimero americano, luego de afirmar que los derechos económicos, sociales y culturales tienen una dimensión tanto individual como colectiva, señaló con un criterio muy discutible que su desarrollo progresivo “…se debe medir…en función de la creciente cobertura de los derechos económicos, sociales y culturales en general, y del derecho a la seguridad social y a la pensión en particular, sobre el conjunto de la población, teniendo presentes los imperativos de la equidad social, y no en función de las circunstancias de un muy limitado grupo de pensionistas no necesariamente representativos de la situación general prevaleciente…”[30]

Sin embargo, la Corte Interamericana en un reciente caso modificó el aludido criterio, en los siguientes términos:

“…El Tribunal observa que el desarrollo progresivo de los derechos económicos, sociales y culturales ha sido materia de pronunciamiento por parte del Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las Naciones Unidas, en el sentido de que la plena efectividad de aquéllos “no podrá lograrse en un breve período de tiempo” y que, en esa medida “requiere un dispositivo de flexibilidad necesaria que refleje las realidades del mundo […] y las dificultades que implica para cada país el asegurar [dicha] efectividad. En el marco de dicha flexibilidad en cuanto a plazo y modalidades, el Estado tendrá esencialmente, aunque no exclusivamente, una obligación de hacer, es decir, de adoptar providencias y brindar los medios y elementos necesarios para responder a las exigencias de efectividad de los derechos involucrados, siempre en la medida de los recursos económicos y financieros de que disponga para el cumplimiento del respectivo compromiso internacional adquirido. Así la implementación progresiva de dichas medidas podrá ser objeto de rendición de cuentas y, de ser el caso, el cumplimiento del respectivo compromiso adquirido por el Estado podrá ser exigido ante las instancias llamadas a resolver eventuales violaciones a los derechos humanos.”

“Como correlato de lo anterior, se desprende un deber -si bien condicionado- de no regresividad, que no siempre deberá ser entendido como una prohibición de medidas que restrinjan el ejercicio de un derecho. Al respecto, el Comité de Derechos Económicos, Sociales               y Culturales de las Naciones Unidas ha señalado que `las medidas                de carácter deliberadamente re [gresivo] en este aspecto requerirán                de la consideración más cuidadosa y deberán justificarse plenamente por referencia a la totalidad de los derechos previstos en el Pacto (Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales) y en el contexto del aprovechamiento pleno del máximo de los recursos de que [el Estado] disponga´. En la misma línea, la Comisión Interamericana ha considerado que para evaluar si una medida regresiva es compatible con la Convención Americana, se deberá `determinar si se encuentra justificada en razones de suficiente peso´. Por todo lo expuesto, cabe afirmar que la regresividad resulta justiciable cuando de derechos económicos, sociales y culturales se trate…”[31]

La Corte Suprema de Justicia de la Nación ha resuelto varios casos a la luz de la prohibición de regresividad.

Enunciaremos algunos precedentes donde la delimitación del alcance de la aludida prohibición contó con mayoría de votos del tribunal.

En la causa “Milone” el Supremo Tribunal Federal, confirmó la sentencia que, luego de declarar la inconstitucionalidad del art. 14.2.b de la ley 24.557 de riesgos del trabajo (LRT), norma que disponía el pago de la indemnización por incapacidad derivada de un accidente de trabajo mediante renta periódica, había ordenado que la misma fuese satisfecha mediante un pago único. En lo pertinente la Corte señaló:

“…Por su parte, el art. 75, inc. 23 de la Constitución Nacional, al establecer como atribuciones del Congreso de la Nación las de legislar y promover medidas de acción positiva que garanticen la igualdad real de oportunidades y de trato, y el pleno goce y ejercicio de los derechos reconocidos por la Constitución y por los tratados internacionales vigentes sobre derechos humanos, pone énfasis en determinados grupos tradicionalmente postergados, dentro de los cuales se menciona en forma expresa a las personas con discapacidad. Por tal razón una interpretación conforme con el texto constitucional indica que la efectiva protección al trabajo dispuesta en el art. 14 bis se encuentra alcanzada y complementada, en las circunstancias sub examine, por el mandato del art. 75, inc. 23, norma que, paralelamente, asienta el principio de no regresión en materia de derechos fundamentales. Así lo preceptúa también el principio de progresividad asentado en el art. 2.1 del citado Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales,         en concordancia con su art. 11, inc. 1, por el que los estados han reconocido el derecho de toda persona `a una mejora continua de las condiciones de existencia´…”[32]

En el caso “Medina” la Corte declaró la inconstitucionalidad del art. 18 de la ley 24.557 de riesgos del trabajo (LRT) que excluía a los padres como derechohabientes de la indemnización por accidente de trabajo en caso de muerte del trabajador soltero sin otros derechohabientes. Los argumentos pertinentes del tribunal fueron los siguientes:

“…En el contexto que precede se advierte también una retrogradación de derechos consagrados por normas fundamentales -previamente receptados en las leyes que regulaban su ejercicio […],            y que fueron abrogados […] sin razones que lo legitimen, lo cual resulta inconcebible en el diseño constitucional moderno que consagra el principio de la progresividad de los derechos sociales, que tiene             por función evitar el retroceso de aquello que es conducente al logro    de la justicia social (art. 75, incisos 19, 22 y 23 de la C.N.; 26 de la Convención Americana sobre los Derechos Humanos y 2 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales). Esta retrogradación fue señalada por la propia Corte al evaluar la LRT, afirmando que la reforma introducida por la norma que regula los infortunios laborales pone a ésta en un grave conflicto con un principio arquitectónico del derecho internacional de los derechos humanos              en general, y del PIDESC en particular; agregando -con cita, incluso, del artículo 2.1 del Pacto y del Comité respectivo- que todo Estado Parte se compromete a adoptar medidas para alcanzar progresivamente la plena efectividad de los derechos reconocidos en el Tratado, puntualizando que aquéllas de carácter deliberadamente retroactivo requerirán la consideración más cuidadosa y deberán justificarse plenamente con referencia a la totalidad de los derechos previstos en el Acuerdo y en el contexto del aprovechamiento pleno del máximo de los recursos de que se disponga, derivándose una fuerte presunción contraria a que las medidas regresivas sean compatibles con el  Pacto, sobre todo cuando su orientación no es otra -art. 11.1- que la               mejora continua de las condiciones de existencia (v. Fallos: 327:3753,                  cons. 10, voto de los jueces Petracchi y Zaffaroni; y 328:1602).”

“Cabe recordar (…), que el artículo 75, inciso 23, de la Constitución Nacional fortalece la vigencia del principio de progresividad en materia previsional, descalificando todo accionar gubernamental que en la práctica dé un resultado regresivo en el goce efectivo de los derechos (v. Fallos 328:1602, voto del ministro Maqueda)…” [33]

En el caso “Torrillo” el más Alto Tribunal admitió la posibilidad de imputar la responsabilidad prevista en el Código Civil a una aseguradora            de riesgos del trabajo, por los daños a la persona de un trabajador derivados              de un accidente o enfermedad laboral, en el caso que se demuestren los presupuestos de aquélla, con fundamento -entre otros- en el principio de progresividad, según lo establecido en los arts. 2.1 y 11.1 del PIDESC y en la doctrina establecida por el CDESC en la Observación General Nro. 14.[34]

En el caso “Pérez” la Corte declaró la inconstitucionalidad del art. 103 bis, inc. c) de la Ley de Contrato de Trabajo (texto según ley 24.700) que introdujo los llamados “beneficios sociales” con carácter no remunerativo y específicamente los “ticket canasta”. En lo pertinente señaló:

“…el concepto que emerge del citado artículo [1] del Convenio 95 de la OIT, del año 1949, ratificado por la Argentina, mediante el decreto-ley 11.594/56, fue recogido por el legislador nacional en oportunidad de sancionar en 1974 la Ley de Contrato de Trabajo, que en su art. 103 entiende por remuneración a ´la contraprestación que debe percibir el trabajador como consecuencia del contrato de trabajo´ (ley Nº 20.744). Allí se advierte la coincidencia del texto internacional con el local.”

“Sin embargo, en el año 1996 se reformó la redacción original, y mediante la ley 24.700 se introdujo el art. 103 bis de la Ley de Contrato de Trabajo, que incorpora los llamados `beneficios sociales´ con carácter no remunerativo y específicamente los `ticket canasta´ (inciso `c´). De este modo se alteró el esquema salarial con grave afectación del principio de progresividad de los derechos sociales, que tiene por función evitar el retroceso de aquello que es conducente al logro de la justicia social (art. 75, incisos 19, 22 y 23 de la C.N.; 26 de la Convención Americana sobre los Derechos Humanos y                 2 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales); máxime cuando la orientación que debe guiar la efectividad de los derechos de este último pacto no debe ser otra que la mejora continua de las condiciones de existencia (art. 1 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, v. Fallos: 327:3753, cons. 10, voto de los jueces Petracchi y Zaffaroni; y Fallos: 328:1602)…”[35]


1 Corte Suprema de Justicia de la Nación, A. 201. XL., 11/11/2008, “Asociación de Trabajadores del Estado c/Ministerio de Trabajo”.

[2] C.S.J.N., 7/4/1995, “Giroldi, Horacio David y otro s/recurso de casación”, L.L. 2005-D, p. 463.

[3] C.S.J.N., V.856.XXXVIII, 3/05/2005, “Verbitsky, Horacio s/habeas corpus”; 14/06/2005, “Simón, Julio Héctor y otros”, L.L. 2005-D, p. 845.

[4] C.S.J.N., M. 2333. XLII., 13/07/2007, “Mazzeo, Julio Lilo y otros”

[5] C.S.J.N., sent. cit. en nota 2, A. 1792. XLII, 24/02/2009, “Aerolíneas Argentinas S.A. c/Ministerio de Trabajo”, P. 1911. XLII, 1/09/2009, “Pérez, Aníbal Raúl c/Disco S.A.”.

[6] C.S.J.N., T. 205. XLIV., 31/03/2009, “Torrillo, Atilio Amadeo y otro c/Gulf Oil Argentina S.A. y otro”.

[7] Corte Interamericana de Derechos Humanos, La Colegiación Obligatoria de Periodistas  (arts. 13 y 29 Convención Americana sobre Derechos Humanos), Opinión Consultiva OC-5/85 de 13 de noviembre de 1985, párr. 52.

[8] Corte Interamericana de Derechos Humanos, Condición jurídica y derechos de los migrantes indocumentados, Opinión Consultiva OC-18/03 de 17 de septiembre de 2003.

[9] Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso Ricardo Canese vs. Paraguay, sentencia de 31 de agosto de 2004.

[10] C.S.J.N., Fallos: 253:267, entre otros.

[11] C.S.J.N., F. 1116. XXXIX, 21/03/2006, “Ferreyra, Víctor Daniel y Ferreyra, Ramón c/V.I.C.O.V. S.A.”, considerando 4º, párr. 1º del voto del Dr. Ricardo Luis Lorenzetti.

[12] C.S.J.N., Fallos: 308:647, considerando 8 y sus citas; considerando 20 del voto del                         Dr. Carlos S. Fayt, 22/12/1994, “Manauta, Juan J. c/Embajada de la Federación Rusa”,             D.T. LV, ps. 643/55.

[13] Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso Trabajadores cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) vs. Perú, sentencia de 24 de noviembre de 2006, párr. 128.

[14] Corte Interamericana de Derechos Humanos, sentencia citada en la nota 9.

[15] Gialdino, Rolando E., “Dignidad, justicia social, principio de progresividad y núcleo duro interno. Aportes del Derecho Internacional de los Derechos Humanos al Derecho del Trabajo y al de la Seguridad Social.

[16] Ermida Uriarte, Oscar, “La declaración Sociolaboral del Mercosur y su eficacia jurídica”, en “Eficacia jurídica de la Declaración Sociolaboral del Mercosur”, Trabajos de la Reunión Técnica celebrada en Buenos Aires los días 10 y 11 de diciembre de 2001, Asociación Argentina de Derechos del Trabajo y de la Seguridad Social, Oficina Internacional del Trabajo, Buenos Aires, 2002, p. 19/20.

[17] Barbagelata, Héctor-Hugo, “Algunas reflexiones sobre los derechos humanos laborales y sus garantías”, en revista Judicatura, Montevideo, República Oriental del Uruguay, 2000, Nro. 41, p. 134.

[18] Gianibelli, Guillermo y Zas, Oscar, “Estado Social en Argentina: modelo constitucional y divergencias infraconstitucionales”, pub. en Contextos, Revista Crítica de Derecho Social,             Nº 1, p. 181, Editores del Puerto S.R.L., Buenos Aires, 1997.

[19] Corte Interamericana de Derechos Humanos, opinión consultiva citada en la nota 8.

[20] Canessa Montejo, Miguel F., “Los derechos humanos laborales, el núcleo duro de derechos (core rights) y el ius cogens laboral”, Revista del Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, España, nº 72, p. 144.

[21] Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, Observación General Nº 20, “La no discriminación y los derechos económicos, sociales y culturales (artículo 2, párrafo 2 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales)”, 2/07/2009.

[22] Fernández López, Mª Fernanda, “La discriminación en la jurisprudencia constitucional”, Relaciones Laborales, Editorial La Ley, España, 1993, tomo 1, p. 151.

[23] Valdés Dal-Re, Fernando, “Del principio de igualdad formal al derecho material de no discriminación”, en “Igualdad de género y relaciones laborales”, Fernando Valdés Dal-Re y Beatriz Quintanilla Navarro (directores), Ministerio de Trabajo e Inmigración – Fundación Francisco Largo Caballero, España, 2008, p. 29.

[24] Alvarez Alonso, Diego y Álvarez del Cuvillo, Antonio, “Nuevas reflexiones sobre la noción de discriminación y la eficacia de la tutela antidiscriminatoria”, Revista Española de Derecho del Trabajo, Thomson – Civitas, Madrid, España, octubre-diciembre 2006 (132), p. 1028/9; Pérez Luño, A. E., “Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución”, 5ª ed., Tecnos, Madrid, España, 1995, p. 318.

[25] Gialdino, Rolando E., ob. cit. en la nota 16.

[26] Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, Observación General Nº 3,                “La índole de las obligaciones de los Estados Partes (párr. 1 del art. 2 del Pacto), 14/12/1990.

[27] Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, Observación General Nº 14,                  “El derecho al disfrute del más alto nivel posible de salud (artículo 12 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales), 11/08/2000.

[28] Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, Observación General Nº 18,                 “El derecho al trabajo”, aprobada el 24/11/2005. Como señala acertadamente Gialdino en la ob. cit. en la nota 16, corresponde citar la versión inglesa, pues es la original y permite advertir que la traducción al castellano que proporciona la ONU es incorrecta: “En cuanto a los demás derechos del Pacto, existe la intuición generalizada de que las medidas regresivas adoptas en relación con el derecho al trabajo no son permisibles”.

[29] Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, Observación General Nº 19,             “El derecho a la seguridad social (artículo 9), aprobada el 23/11/2007.

[30] Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso “Cinco Pensionistas” vs. Perú, sentencia de 28 de febrero de 2003, párr. 147.

[31] Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso Acevedo Buendía y otros (“Cesantes y Jubilados de la Contraloría) vs. Perú, sentencia de 1 de julio de 2009, párr. 102 y 103. En la nota 89 del párr. 103 se lee en lo pertinente lo siguiente:

“De acuerdo con el Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, “en caso de que un Estado parte aduzca `limitaciones de recursos´ para explicar cualquier medida regresiva que haya adoptado, […] examinará esa información en función de las circunstancias concretas del país de que se trate y con arreglo a los siguientes criterios objetivos: a)el nivel de desarrollo del país; b)la gravedad de la presunta infracción, teniendo particularmente en cuenta si la situación afecta al disfrute de los derechos básicos enunciados en el Pacto; c)la situación económica del país en ese momento, teniendo particularmente en cuenta si el país atraviesa un período de recesión económica; d)la existencia de otras necesidades importantes que el Estado Parte deba satisfacer con los recursos limitados de que dispone; por ejemplo, debido a un reciente desastre natural o a un reciente conflicto armado interno o internacional; e)si el Estado Parte trató de encontrar opciones de bajo costo [.] y f)si el Estado Parte recabó cooperación y asistencia de la comunidad internacional o rechazó sin motivos suficientes los recursos ofrecidos por la comunidad internacional para la aplicación de lo dispuesto en el Pacto”. Naciones Unidas, Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, Declaración sobre la “Evaluación de la obligación de adoptar medidas hasta el `máximo de los recursos de que disponga´ de conformidad con un protocolo facultativo del Pacto, E/C.12/2007/1, 38 Período de Sesiones, 21 de septiembre de 2007, párr. 10.

[32] C.S.J.N., M.3724.XXXVIII, 16/10/2004, “Milone, Juan Antonio c/Asociart S.A. Asegurdora de Riesgos del Trabajo”.

[33] C.S.J.N., M. 1280. XLI, 26/02/2008, “Medina, Orlando Rubén y otro c/Solar Servicios             On Line Argentina S.A. y otro”. Este criterio fue reiterado en L. 257. XL, 3/06/2008, “Lescano, Demetrio y otro c/Estructuras Metalúrgicas Din S.A. y otro” y en B. 1013. XLIII, 25/08/2009, “Barberis, Nilda María y otro c/Adecco Argentina S.A. y otro”.

[34] C.S.J.N., sentencia citada en nota 6.

[35] C.S.J.N., sentencia citada en nota 5.


INDEPENDENCIA JUDICIAL

Ramón Alvarez Bangueses

Juez Nacional del Trabajo

Profesor de las Universidades de Buenos Aires y Morón

Secretario General de la Asociación de Magistrados y Funcionarios de la Justicia Nacional

En primer lugar quiero agradecer la invitación en la persona del                      Sr. Presidente de Amatra 4 para estar aquí hoy ante tan calificado auditorio, muchas gracias amigo Luis.

Durante el acto de apertura, escuché atentamente las palabras del joven colega Luciano presidente de Anamatra y me pregunté ¿otra vez el tema              de independencia judicial? Y la respuesta en mí fue rápida, sí otra vez, nuevamente, porque mientras hablemos públicamente de ello, quiere decir que seguimos viviendo en democracia, y en cambio si no hablamos de                       la independencia del poder judicial, es porque la alcanzamos en su plenitud, o cuidado, porque estaremos gobernados por otro sistema, y las experiencias anteriores en nuestros países fueron devastadoras y sanguinarias.

La independencia del poder judicial y de los jueces constituye el eje esencial en la estructura y funcionamiento de las instituciones republicanas, por eso ha sido una de las materias sobre las que más se ha escrito y discutido, cuando se trata lo atinente a la justicia en la actualidad.

Sin embargo, su importancia institucional no se encuentra hoy comprendida en toda su dimensión por la sociedad en general, que exhibe un marcado descreimiento en la justicia, y por ende tampoco es preservada y respetada  en su medida por los órganos políticos, más allá de declamaciones que no siempre superan lo formal.

La cuestión es trascendente porque la idea de una justicia independiente se vincula estrechamente con la concepción del estado de derecho y la división de poderes en departamentos autónomos, de manera que, cuando el juez resuelve el conflicto, no quede supeditado a los poderes políticos, sobre todo en países como el nuestro en que a los jueces se les otorgó la potestad de controlar la constitucionalidad de las leyes para resolver los casos concretos.

Su origen histórico se remonta al principio de “división de poderes”, cuyos primeros pasos se vieron signados por la desconfianza que privó a la justicia de un carácter de verdadero poder.

Fue el propio Montesquieu quien afirmó que los jueces “no son más  que la boca que pronuncia la ley, seres inanimados que no pueden moderar        ni su fuerza ni su rigor”. Esta concepción respondía a la posición filosófico jurídica, basada en la perfección de la ley como expresión básica y esencial del derecho, pero se vio condicionada por la desconfianza de los mismos revolucionarios franceses hacia los órganos judiciales.

Luego, no estuvo ausente el propósito de evitar que los jueces controlaran el ejercicio de las atribuciones de los poderes políticos del Estado, concepción ésta que contribuyó al debilitamiento del poder judicial, considerado el más débil de los tres poderes.

Fue recién con la consolidación de los Estados Democráticos de Derecho que alcanzó el rango de auténtico poder del estado. Como señalara Karl Lowenstein “uno de los fenómenos más característicos de la evolución del Estado Democrático Constitucional es el ascenso del Poder Judicial a la categoría de auténtico detentador del poder del estado”.

Si el poder judicial es garante de la vigencia de la legalidad y de las libertades individuales consagradas en las constituciones y pactos internacionales, y tiene a su cargo, en virtud del señalado principio de separación de poderes, la función de control de la constitucionalidad de los órganos de gobierno, a más de contar con los mecanismos previstos en garantía de su independencia, debe encontrarse, respecto de la comunidad, en una posición de confianza que le otorgue el respaldo y la fortaleza necesarias para contrarrestar todo tipo de presión cualquiera fuera su origen.

Las instituciones judiciales están entre las instituciones de un Estado, que tienen más inmediato e íntimo contacto con las condiciones sociales y con el carácter de un pueblo. Es que el fundamento de la legitimación democrática de la actividad judicial, es decir la causa en virtud de la cual la soberanía popular decidió otorgar con exclusividad a los jueces la potestad de juzgar y de hacer ejecutar lo juzgado, estriba en la independencia y sumisión a la Constitución y a la ley de los órganos que deban aplicarlas, es decir los jueces.

En tanto cada juez y todos ellos tutelen auténticamente los derechos                   y libertades de los ciudadanos, tiene sentido que existan como miembros de un poder independiente de cualquier otro.

Legisladores y gobernantes deben ser elegidos democráticamente para que sus actuaciones se vean legitimadas. Los jueces, en cambio, adquieren legitimación sin elecciones, y esa adquisición se vincula directamente                    con el acierto y eficacia que demuestren en el ejercicio de las funciones encomendadas. Aún cuando los jueces no son elegidos por el voto popular pueden llegar a representar mejor al electorado en cuestiones concretas, al promover definiciones coherentes y criterios políticamente aceptables a la comunidad nacional.

El juez es quien recuerda a los gobernantes el límite de sus actuaciones y, en consecuencia, la fuente de sus poderes. Es quien verifica que los poderes delegados permanezcan en los límites impartidos por la delegación y, especialmente que el pueblo confíe en que los poderes que delegó se sitúen bajo un poder encargado de vigilar que los mandatarios no excedan el mandato otorgado.

Un Poder Judicial ineficiente, que no resuelva los conflictos de manera esperada, carece de la consideración que debe merecer la función que presta, por ello es que eficacia y eficiencia no resultan ser conceptos extraños a la de independencia judicial.

La aceptación social de las decisiones judiciales demanda un acto jurisdiccional que no reconozca más influencia que la que derive de la ley             y responda a criterios y procedimientos reglados.

Si los procesos son eternos, si no se consigue que paguen los deudores, si sólo se reacciona contra delitos leves, si jamás se sanciona a los infractores que forman parte de un circulo privilegiado, si se ponen condiciones al acceso a la justicia y al derecho de defensa, entonces los ciudadanos sofocan sus reclamos, y comienzan a transitar por caminos no jurídicos. Para contar con una justicia confiable e independiente su presupuesto debe ser suficiente y su administración totalmente autárquica.

La independencia de los jueces implica una doble concepción. Por una parte, la independencia funcional, que es una regla básica y valorativa de cualquier ordenamiento, en virtud de la cual el juez en el ejercicio de su función debe estar sometido únicamente a la legalidad, es decir al sistema jurídico que pertenece. Por la otra la independencia entendida como garantía que está conformada por el conjunto de mecanismos previstos para salvaguardar y realizar ese valor, es decir la independencia en sentido estricto.

La independencia judicial en la aplicación de la ley, en tanto tutela los derechos civiles, comprende un conjunto de garantías que tienden a preservar y asegurar la actuación del juez imparcial, tanto frente a presiones de los demás poderes del estado, como de la que pueden ejercer los tribunales superiores mediante órdenes e instrucciones sobre el sentido de resolver los asuntos sometidos a la jurisdicción, y de las propias partes dado que todos los ciudadanos son iguales ante la ley, y ésta como manifestación de voluntad general debe ser judicialmente individualizada sin tomar en consideración situaciones hegemónicas de las partes o privilegios materiales. Ciertamente no quedan          al margen del resguardo, la inocultable influencia que siempre tratan de ejercer

grupos o sectores validos de la preponderancia de los medios de comunicación.

En la actualidad tienen aceptación unánime en los Estados democráticos, dos garantías fundamentales para preservar la independencia: la inamovilidad en el cargo mientras dure la buena conducta y la intangibilidad de las remuneraciones, prohibiendo que éstas puedan ser disminuidas.

La inamovilidad y en particular el nombramiento vitalicio, impide la arbitraria remoción por fuera de las causas que generan responsabilidad penal o disciplinaria. Permite mantener la neutralidad política de la magistratura, necesaria para el cumplimiento de sus fines y asegura que el contenido de sus fallos, en tanto no implique delito o grave irregularidad, no pueda ser causal de remoción. También contempla la estabilidad de sede para evitar que los magistrados sean apartados de los casos que deben juzgar.

La intangibilidad de las remuneraciones preserva no sólo de una injerencia indebida por parte de los otros dos poderes, sino que resguarda al juez de la imprescindible atmósfera de tranquilidad que debe rodear la delicada función de juzgar, a la vez que constituye un reconocimiento a la dignidad de la función, evitando que los “mejores” abandonen la función buscando actividades mejor rentadas.

Ambas garantías no se establecieron en beneficio de las personas de              los magistrados, sino teniendo en mira la institución del Poder Judicial y por fundadas razones de bien público, en beneficio sí, de los justiciables.

En el ámbito internacional esas reglas son uniformes. Así a modo de ejemplo: La Declaración Universal de Derechos Humanos (1948), La Convención Internacional sobre la Protección de los Derechos de todos los Trabajadores Migratorios y de sus Familiares (1990), La Convención Americana sobre Derechos Humanos (1969), imponen el derecho de toda persona de ser oida públicamente y con las debidas garantías por un tribunal competente, independiente e imparcial.

La doctrina y jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en los casos “Tribunal Constitucional vs Perú” (2001) y “Apitz Barbera y otros vs Venezuela” (2008), ha considerado que las normas constitucionales, legales o convencionales, sobre independencia judicial son de naturaleza imperativa (ius cogens), y que la independencia del juez constituye uno de los fundamentos del debido proceso, por cuanto para que el poder judicial pueda servir de manera efectiva como órgano de control, garantía y protección de los derechos humanos, no sólo se requiere que exista de manera formal, sino que además debe ser independiente e imparcial.

La Federación Latinoamericana de Magistrados, en la asamblea realizada en abril de este año 2009, en la ciudad de San Salvador, el Salvador, aprobó, al igual que lo había hecho el año anterior en Campeche, México la Declaración de Principios Mínimos sobre la Independencia de los Poderes Judiciales y de los Jueces en América latina”. Fijo así las condiciones mínimas para la protección de la independencia e imparcialidad de los jueces que son: la defensa de la carrera judicial; nombramientos a título definitivo, no pudiendo serlo a plazo; que no puedan ser enjuiciados y sancionados por el sentido              de sus decisiones; el derecho a la capacitación y a la asociación; las incompatibilidades que aseguren, en general, la imparcialidad; la intangibilidad de las remuneraciones, que deben ser suficientes para asegurar la independencia económica y un régimen jubilatorio que se corresponda con el nivel de responsabilidad ejercido.

La imparcialidad de los jueces garantizada por su independencia, a su vez debe estar preservada por un amplio espectro normativo de distinta jerarquía, que autorice desde la separación del caso cuando aquella (independencia) se encuentra comprometida o sospechada, hasta la imposición de una serie de estrictas incompatibilidades para evitar la influencia de intereses personales.

La cuestión es si todo ese conjunto de normas de diferente jerarquía basta para asegurar que los jueces sean efectivos guardianes de las garantías individuales y de los derechos fundamentales. Y la respuesta parece ser negativa porque, no han sido suficientes para prevenir los embates contra el poder judicial. Los jueces no pueden confiar en que las barreras de papel impidan la invasión del espíritu del poder.

La defensa de la independencia es un deber de todos. En primer lugar, el factor fundamental radica en los propios jueces porque sin su compromiso institucional en resguardo de los principios y valores que sustentan la función judicial, ninguna de las garantías previstas puede operar con eficacia.

Y radica en el juez, porque ser independiente es también una actitud de conciencia que parte del convencimiento que serlo, en sentido sustancial, impone asumir las responsabilidades del ejercicio del cargo y dejar de lado especulaciones e intereses personales en aras de garantizar los derechos del justiciable.

Pero la defensa de la independencia judicial es también un deber puesto en cabeza de los integrantes de los poderes políticos porque un estado sin               la seguridad jurídica que emana de un Poder Judicial respetado, confiable             y fortalecido, no trasunta una verdadera democracia.

Justicia y democracia son dos ideales esenciales de las sociedades contemporáneas, tan estrechamente ligados, que uno no se concibe sin la existencia del otro.

El reconocimiento de las libertades que son propias de un sistema democrático constitucional, no pasaría de ser una expresión de deseos si al mismo tiempo no se garantizara la plena vigencia del ejercicio de las garantías y los derechos, a través de un órgano con poder jurisdiccional que controle y vele por el respeto de las libertades de los ciudadanos.

Libertad y justicia conforman dos caras de la misma moneda, porque así como no existiría libertad sin justicia ésta tampoco podría existir sin aquella. Y ambas son el basamento sobre el que reposa la convivencia democrática.

Vivir en un Estado democrático, equivale a reconocer que la dignidad  es condición intrínseca del hombre, es sinónimo de derechos fundamentales de la persona. Estos derechos requieren de un sistema que preserve su ejercicio en libertad y otorgue un grado razonable de seguridad. La herramienta es             el Poder Judicial al que se le atribuye la responsabilidad de tutelar la vigencia de la vida democrática.

Justicia y vida democrática constituyen una unidad indisoluble, cohesionada y armónica de manera tal que los avatares de una comprometen indefectiblemente a la otra. Por eso, cuando se pretende debilitarla por conveniencias políticas, cuando se la agravia o cuando se le retacean medios o instrumentos imprescindibles para el ejercicio eficiente de la función jurisdiccional, no sólo se contribuye al deterioro de la justicia, sino también al deterioro de la democracia.

Ese deber, de defensa de un poder judicial independiente, no parece ser comprendido porque subidos en el descontento social, de manera sostenida se agravia a los jueces con expresiones ligeras y gratuitas, se formulan críticas que son verdaderos mensajes dirigidos a condicionar su labor, se relativizan las garantías constitucionales diseñadas en resguardo de la independencia, presentándolas como privilegios personales y, ante cualquier malestar derivado de algún fallo trascendente, se anuncian reformas legislativas para restringirlas. Por esa vía se ahonda el deterioro en la justicia pero al mismo tiempo se deterioran los principios republicanos.

Estas situaciones, sin embargo, no deben conducir al aislamiento que no es sinónimo de independencia, porque resguardando sus propias esferas, los poderes deben relacionarse, dado que no se trata de uno sin los demás o de uno contra los demás. Establecer canales de relación es la vía mas adecuada para desarrollar un rol activo en el mejoramiento de la administración de justicia.

No es novedoso decir que buena parte del desprestigio que padecen los sistemas de justicia, es producto de la información ligera e irresponsable, o de campañas orquestadas por algunos medios de comunicación.

Uno de los acontecimientos más importantes de la era actual es la aparición de los medios de comunicación masiva, con su capacidad para uniformar criterios, anular individualidades e inducir comportamientos.

El poder judicial debe asimilar una realidad: aquél ambiente recoleto de  tribunales donde todo era discreción y reserva y donde los jueces hablaban exclusivamente por sus sentencias, forma parte del pasado. La relación entre la justicia institucional y la prensa, que ha sido históricamente conflictiva, hoy es motivo de gran tensión y debemos hacer lo posible para cambiarlo.

Estamos en la época en que el individuo se encuentra captado por la cultura de la imagen –televisión, Internet, publicidad estática-frente a la cultura basada en la palabra. La tensión se genera entre lo emocional y lo racional, entre contemplar y comprender, entre espectáculo y reflexión, convirtiéndose, estos medios en enemigos del análisis critico, y consolidan el imaginario, excitan la visión conspirativa, modelando y construyendo a su publico.

En un mundo de imágenes, hay poco espacio para los conceptos, el razonamiento y el análisis critico, y ninguno para el pensamiento abstracto.

Los medios de comunicación dirigidos por empresarios hábiles, son las más aptos y sensibles para captar los humores cambiantes de la sociedad. Alimentan a su publico con el producto que tendrá mejor acogida y en lo informativo, manipulan, parcializan e incluso inventan la noticia según el paladar de su público.

Desde este lugar los medios suelen enfrentarse al Poder Judicial, con enorme ventaja, la prensa está y estará siempre más cerca de los gustos populares que los jueces y el ciudadano sólo accede a los actos de la justicia a través del periodismo.

Si los medios dicen que en el sistema judicial hay mucha corrupción, el público mayormente lo creerá aunque no exista o sea leve; si dicen que hay inseguridad, el público la sentirá, sin importar las estadísticas (si estas fueran confiables).

La percepción de la realidad tiene efectos sociales más importantes que la realidad fáctica y los operadores del derecho, especialmente los jueces, deben admitir tal situación, habituarse a la cohabitación con los medios de comunicación y adaptar el sistema a esta circunstancia, por lo menos en la actualidad no existe otra salida.

Por esto, es en la sociedad donde resulta imprescindible que arraigue el concepto de que la independencia del poder judicial es el valor fundamental que garantiza a todos la vigencia de sus derechos.

La inocultable desconfianza en los jueces que existe en algunos países, es caldo de cultivo para que se avance sobre el poder judicial, con el pretexto de inoperancia, incapacidad, ineficiencia, desinterés, cuando no corrupción.

Frente a ese panorama, es necesario orientar la acción para crear conciencia de que las decisiones judiciales no se guían por intereses mayoritarios, porque en ese supuesto las minorías o los individuos quedarían desamparados, que la presión no es el medio para obtener un fallo conforme a derecho, que la función de los jueces es dirimir los conflictos aplicando la ley vigente a la luz de las garantías constitucionales, que la disconformidad con el sentido de las sentencias tiene como remedio las instancias recursivas, que las garantías              de independencia fueron legisladas en función del bien común y no como privilegio personal de los jueces, que la intervención de otros poderes           para condicionar de cualquier manera las decisiones judiciales corroe los principios que alimentan cualquier democracia, que el poder judicial debe contar con presupuesto suficiente e infraestructura adecuada para facilitar el debido acceso a la justicia.

Transmitir los valores que gobiernan la función judicial y revertir la situación actual, no será tarea fácil. Tal vez demande de nosotros, de nuestras Asociaciones, asumir también un activo rol docente. Intentarlo, al menos, vale la pena, porque, como dijo un médico argentino, si luchamos por ello en el presente, el futuro seguramente será nuestro.

Encontrándose concluido mi tiempo y no habiendo agotado el tema pero seguramente sí al auditorio, es mi deseo que la actividad científica y académica que comenzó hoy, exceda las expectativas de los organizadores, y nos sirva para perfeccionarnos y nos ayude a ser, ante todo, mejores personas.

Muchas gracias a los colegas argentinos y latinoamericanos presentes.

Muito obrigado colegas brasileiros.

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