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Obrigada por tanto, Ministra Rosa Maria Weber!

Gabriela Lenz de Lacerda*

Aprendi com a Ministra Rosa que nós, magistrados e magistradas, temos que sair de nossos confortáveis gabinetes e colocar os pés na terra, convivendo e aprendendo com as pessoas que lá habitam. Na sua gestão, a Ministra esteve em comunidades quilombolas, ribeirinhas e aldeias indígenas. Em lugares onde nenhum outro Presidente da Suprema Corte esteve. Confesso que uma das cenas mais emocionantes que eu tive a alegria de presenciar foi a sua chegada em São Félix do Xingu/PA, na primeira edição da Justiça Itinerante Cooperativa na Amazônia Legal. O projeto – sonhado pela primeira vez por um grupo de amigos queridos em uma tarde ensolarada de sábado em Brasília – se concretizava a partir de uma parceria dos Conselhos Superiores (CNJ-CSJT-CNMP-CJF) para levar todo o sistema de justiça e inúmeros outros parceiros para uma ação gigante de cidadania, em locais onde o Estado sempre foi ausente. A Ministra Rosa sabia que a sua presença levaria todo o holofote institucional para a ação e lá esteve, sob aquele calor escaldante e olhares curiosos de pessoas que jamais tinham visto uma Ministra assim, tão de perto.

Aprendi com a Ministra Rosa sobre coragem, ao vê-la enfrentar o real risco de ruptura da nossa (sempre frágil) democracia, conduzindo os dias que se seguiram ao 8 de janeiro de uma forma lúcida e responsável. A mesma coragem se fez presente ao não se esquivar de incluir em pauta processos espinhosos, como o do marco temporal, o da aposentadoria compulsória de magistrado acusado de assédio sexual e – para fechar a sua gestão com chave de ouro – da descriminalização do aborto. Senti orgulho por ver uma mulher com tamanha habilidade política à frente do Poder Judiciário em um dos períodos mais complicados da história recente.

Aprendi com a Ministra Rosa sobre a importância de escutar e de estar presente, mesmo em tempos de agendas apertadas. Integrei o comitê executivo do Observatório de Direitos Humanos (ODH) do CNJ no período de sua gestão. Isso me deu a oportunidade de acompanhar as reuniões do ODH, por onde passaram militantes de movimentos negros, quilombolas, indígenas, de mulheres, de ambientalistas, de pessoas LGBTQIAP+ e de pessoas com deficiência. Trabalhadores e trabalhadoras. Gente que não costuma ter muito espaço para estar dentro da instituição e, menos ainda, ter a oportunidade de contar com a escuta qualificada da ocupante do cargo máximo do Poder Judiciário. Ali surgiram tantos projetos bonitos, como o Pacto pela Equidade Racial (com adesão de 100% dos Tribunais do país), além de compromissos políticos importantes. Talvez o melhor fruto, contudo, seja vislumbrarmos as possibilidades de um Poder Judiciário muito mais democrático, permeado por espaços de escuta e diálogo. 

Aprendi com a Ministra Rosa a ter muita cautela para aceitar elogios e homenagens. Brasília, descobri neste último ano, é um lugar onde não é difícil se perder em meio a armadilhas que o poder traz, nos fazendo acreditar que somos mais e melhores do que realmente somos. A Ministra me ensinou que é possível estar neste lugar, em que tantas coisas importantes se perdem, mantendo a lucidez, a gentileza, a coerência e a integridade.

Aprendi com a Ministra Rosa a pensar a ampliação do acesso à justiça, com foco especial nas mulheres e em outros grupos em situação de vulnerabilidade. Dentre muitas outras ações importantes, graças à sua atuação, tivemos a aprovação da Resolução que tornou obrigatório o uso do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ e a primeira Constituição traduzida para a língua indígena Nheengatu. As homenagens, aliás, que ela recebeu dos povos indígenas nos últimos dias mostram o seu imenso compromisso com as pessoas que habitam e já habitavam este território muito antes da chegada da colonização – e que hoje, diga-se, são os grandes responsáveis por manter a floresta em pé.

Aprendi com a Ministra Rosa que olhar para as jurisdicionadas não pode nos impedir de olhar também para as mulheres magistradas. Após um voto irretocável da Conselheira Salise, a Ministra conduziu o julgamento que resultou na aprovação, por consenso, da alteração da Resolução nº 106 para garantir uma maior paridade de gênero nos critérios de promoção. Pela primeira vez na história, o CNJ reconheceu que a estrutura da carreira da magistratura impacta de forma desproporcional as mulheres, dificultando o acesso a promoções e demandando, portanto, uma atuação diferenciada. Sim, a Ministra Rosa esteve à frente do Conselho quando foi aprovada a primeira ação afirmativa destinada a garantir a equidade de gênero na magistratura.

Aprendi com a Ministra Rosa a ser gentil e buscar preservar as mulheres que estão em cargos de poder institucionais, mesmo que elas sejam extremamente conservadoras. A sororidade na práxis, foi o que eu vi neste ano de gestão.

Aprendi com a Ministra Rosa que é preciso estar cercada por mulheres incríveis para fazer uma gestão realmente transformadora – para citar apenas algumas delas, um vivas para as queridas Carmen Gonzalez, Karen Luise Vilanova e Lívia Peres, juízas auxiliares do CNJ com quem tive a alegria de fazer inúmeras parcerias e que deixaram um legado recheado de coisas boas. Orgulho de todas vocês!

Aprendi, por fim, que é possível sair da 4ª Vara do Trabalho de Porto Alegre e percorrer todas as instâncias da magistratura, até chegar à Presidência do Supremo Tribunal Federal, deixando as magistradas trabalhistas da 4ª Região com um imenso orgulho por ver uma de nós realizar a primeira gestão feminista da história do Poder Judiciário brasileiro! Obrigada, obrigada e obrigada por tanto, Ministra Rosa Maria Weber!

* Juíza do Trabalho Substituta da 4ª Vara de Porto Alegre do TRT4. Mestre em Direitos Humanos, Interculturalidade e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide – Sevilha/ES. É Juíza Auxiliar da Presidência do TST (biênio 2022/2024).

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