No jornal O Sul: juíza Valdete Severo assina artigo sobre a escravidão moderna
Ainda a escravidão moderna é o título do texto de autoria da juíza do Trabalho Valdete Souto Severo (foto) publicado na coluna da AMATRA IV no jornal O Sul em 4/8. “Os cidadãos brasileiros precisam se mobilizar para que essa realidade seja modificada. Não é mais possível permitir que por meio da terceirização e da quarteirização, os trabalhadores sejam jogados em uma cadeia interminável de exploração, na qual lhes é negada a condição de sujeito”, assinala a magistrada no artigo.
Ainda a escravidão moderna
Um novo movimento social faz-se urgente. Um movimento radicalmente contrário a qualquer forma de espoliação da mão de obra por intermédio de empresas interpostas
Parece mesmo incrível que em 2013 ainda tenhamos tantos casos de escravidão, que inclusive correm o risco de não mais despertar a revolta da população brasileira, vez que a cada dia mais comuns. Esta semana, a sorteada foi uma rede de lojas de roupas femininas. Mais uma.
Três fábricas mantendo cativos trabalhadores bolivianos que recebiam pouco mais de dois reais por peças vendidas a mais de duzentos reais foram descobertas por uma ação conjunta da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP), do Ministério Público do Trabalho e de outras entidades. Palmas para eles. Vaias para nós, que de algum modo compactuamos com essa vergonha nacional.
E o pior é perceber que desrespeitar direitos dos trabalhadores brasileiros, tratando-os como escravos, ainda constitui um ‘bom negócio’. Na reportagem sobre o trabalho escravo descoberto em São Paulo, consta que “segundo a SRTE/SP”, a diretoria da empresa “assumiu a responsabilidade pelo caso, fazendo o registro e regularizando o pagamento de encargos de todos os trabalhadores, incluindo direitos retroativos referentes ao período em que ficou comprovado que os costureiros trabalharam para o grupo”.
Tudo certo então. A empresa regularizou a situação dos trabalhadores e fez questão de esclarecer que não sabia do que estava ocorrendo, afinal tratavam-se de trabalhadores quarteirizados. Será que o dano foi compensado? É claro que não. A escravidão não desaparece com o pagamento de verbas salariais. A agilidade da verdadeira exploradora da mão de obra em regularizar a situação revela apenas o que também já sabemos: não há garantia de civilidade para os trabalhadores no Brasil.
O dinheiro (extemporâneo) não é suficiente para apagar a dor e o sofrimento dessas pessoas que, longe de suas casas, foram tratadas como animais.
Os cidadãos brasileiros precisam se mobilizar para que essa realidade seja modificada. Não é mais possível permitir que por meio da terceirização e da quarteirização, os trabalhadores sejam jogados em uma cadeia interminável de exploração, na qual lhes é negada a condição de sujeito.
O primeiro passo consiste em escolher, com responsabilidade, os lugares em que gastamos nosso dinheiro, movendo a máquina capitalista. Quem escraviza não deve ter espaço em uma sociedade que se pretende solidária e fraterna. O passo seguinte deve ser a mobilização contra o projeto de lei que pretende regularizar a exploração de força de trabalho por meio da terceirização, abrindo as portas a situações como aquela aqui descrita.
Um novo movimento social faz-se urgente. Um movimento radicalmente contrário a qualquer forma de espoliação da mão de obra por intermédio de empresas interpostas, a fim de evitar que o projeto de lei em tramitação seja aprovado. Um passo de cada vez e conseguiremos finalmente comemorar a abolição da escravidão no Brasil.
Trata-se de um compromisso de cada um e de todos nós.
Valdete Souto Severo
Juíza do Trabalho
Foto: Femargs