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Vamos falar de aceitação

Por Fabiana Gallon, Juíza do Trabalho

Os filhos são diferentes, todos me diziam. Porém, sabia, algo estava errado com o José Antônio, nascido em 27.01.2013. Os pediatras, amigos da família, repetiam que o desenvolvimento dele estava dentro da normalidade e que os meninos demoram a falar. Mas Júllio César, meu primogênito, possuía um amplo vocabulário, tanto que ao passarmos pelo local da sua festa de aniversário, dizia, aos dois anos, “obrigado papai, obrigado mamãe”. Diferentemente, o caçula chorava muito, tinha crises violentas, era irritado, gritava com um simples “parabéns”, tapava os ouvidos com qualquer barulho, comunicava-se de forma instrumental, tinha restrição alimentar, demonstrava comportamento ecolálico, fazia pouco caso quando falávamos seu nome. Parecia não ouvir. Para muitos, genioso e mal-educado.

Num fim de tarde a babá chegou da praça e contou-me ter sido abordada por um homem. Ele pretendia saber se José Antônio era autista. Como assim? Que absurdo! Fui conhecê-lo. Tratava-se de um vendedor de lanche, pai de autista e que via no José Antônio traços claros do espectro, esteriotipias, pouco contato visual, caminhar na ponta dos pés, isolamento mesmo perto de outras crianças, falta de reação quando chamado.

Como mãe, a negação foi a minha primeira resposta. O pai, revoltado, também não aceitava. Preferia esconder o problema, chorava e se perguntava se haveria futuro, uma vida independente.

Aos poucos, ainda sem aceitação, busquei ajuda. Do neuropediatra, apenas recomendação para terapias, sem diagnóstico. Aos dois anos e oito meses, frequentar escola era tratamento, associado a sessões com fonoaudióloga e psicopedagoga. A escala CARS (avaliação do autismo), à época, setembro de 2015, era 37 – autismo grave. Lembro-me de ir na escola e vê-lo perto da janela, em pé, olhando os carros que passavam. Só sentava quando obrigado, e por alguns minutos.

Em janeiro de 2016, no seu aniversário de três anos, levei-o numa clínica em Santa Catarina, juntamente com a fonoaudióloga, a psicopedagoga e a babá, para uma terapia de “imersão familiar”. Todos deveriam aprender como ajudá-lo. Foi muito difícil. Precisei enxergar que José Antônio, meu bebê, não se desenvolveria sem a minha ajuda, e pequenas coisas, comuns à idade, seriam grandes conquistas.

Esqueci preconceito e incertezas. Ainda em 2016, ajudei a organizar uma caminhada de conscientização do dia mundial do autismo, 02 de abril, e saí de mãos dadas com meu filho. Também, diante da sua rápida e evidente evolução, trouxe a São Gabriel, com apoio de outros pais, o profissional da terapia de “imersão familiar”, inclusive para atendimentos gratuitos a famílias carentes. Iniciava a ideia de associação. Para o José Antônio nada de moleza: escola à tarde, fonoaudióloga duas vezes na semana, psicopedagoga diariamente, aulas particulares duas horas por dia e muita convivência social, com visitas a mercados, praças, bancos, farmácias.

Em dezembro de 2016, com quase quatro anos, a fonoaudióloga mencionou ter percebido que o meu filho tinha uma memória incrível. Lembrava das palavras com extrema facilidade. Contudo, dias após, disse haver se equivocado. Na verdade, já sabia ler. Reavaliado, CARS 32 – autismo leve a moderado.

A Dra. Newra Tellechea Rocha, neuropediatra, em avaliação de maio de 2017, atestou que José Antônio tem “Transtorno do Espectro Autista (TEA)”, tratando-se de “quadro leve em menino inteligente e verbal”, “no momento praticamente saiu do espectro“. Vitória!

Em junho de 2017, o Dr. Luciano Hartmann, neuropediatra que acompanha o tratamento desde 2015, avaliou que “passados 2 anos após o início do acompanhamento, de aderência total ao projeto de estimulação global, de avaliações multiprofissionais seriadas e, sempre com grande engajamento familiar, hoje, ao ser reavaliado, não é possível identificar sinais e sintomas que o enquadrem dentro do transtorno do espetro autista. (…). O potencial do menino José Antônio, aliado à qualidade do estímulo que lhe foi proporcionado, resultaram neste resultado impressionante“.

Problemas persistem, principalmente relacionados ao convívio com os colegas em sala de aula. Entretanto, desde 2017, José Antônio lê e escreve, inclusive com letra cursiva. Fala de forma fluente. Faz contas de adição e subtração. Orador da turma da pré-escola em 2018, também faz curso de inglês e participa de escolinha de futebol. Titular, foi campeão no último torneio.

Como não agradecer! E o meu agradecimento a todos os profissionais, familiares, amigos que contribuíram para o meu filho “praticamente” sair do espectro vem na forma de luta pela Associação DESPERTAR, de São Gabriel, constituída em maio de 2017, que já possui sede com vasta área de campo, prédio com salas de atendimento, equipamentos modernos para terapia ocupacional, playground, e, o melhor, pessoas com muita vontade de ajudar. Ainda, estamos próximos da tão sonhada contratação de neuropediatra para consultas gratuitas no município.

Muito está por vir. Dias de glória, outros difíceis. Tenho certeza, porém, que de braços dados as dificuldades parecem menores. Hoje, sei que o meu filho terá uma vida independente e seguirá a profissão que escolher. Sempre estarei a seu lado! E a minha luta seguirá contra a discriminação, com respeito às diferenças, e para que o diagnóstico e a intervenção precoces, ao  alcance de todos e de forma gratuita, melhorem os prognósticos das crianças com espectro autista.

Relato de Fabiana Gallon, mãe vitoriosa.

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