Notícias

“A prevenção é o melhor caminho”

O dia mundial em memória das vítimas de acidentes de trabalho é lembrado nesta sexta-feira, 28/4. Na segunda entrevista sobre o tema, a AMATRA IV traz a análise do desembargador Raul Zoratto Sanvicente. O magistrado, que atua no TRT-RS (Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região), é um dos gestores regionais do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho do TST (Tribunal Superior do Trabalho).

 

1) Como o senhor avalia os números atuais de acidentes do trabalho no País e o papel do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho do TST?

Houve uma redução nominal na estatística, mas isto não é encorajador. A redução é de cerca de 13%. Concorre uma retração da atividade econômica formal, de cerca de 4% e uma ampla faixa de subnotificação.  Segundo o Anuário da Previdência Social os acidentes no Brasil passaram de 712.302 em 2014 para 612.632 em 2015. Gostaríamos de acreditar que o Programa Trabalho Seguro e outras tantas campanhas de prevenção tiveram efetividade, mas apenas podemos avaliar, diante das duas constatações, que tiveram influência apenas para que esses números não fossem maiores. Importante notar que os patamares continuam inaceitáveis. Ainda, se observa que o número de óbitos não teve redução na mesma proporção, sempre recordando que o evento morte é muito mais difícil de ocultar.

 

Um dado inquietante é que o Rio Grande do Sul situou-se em terceiro lugar no Brasil, em número de acidentes: 52.030, o que é bem elevado. Também houve um acréscimo de óbitos por mil acidentes, que era de 3 em 2014, para 4 em 2015, o que significa maior incidência e também maior gravidade nos eventos.

Tais observações levam à conclusão de que não houve investimento efetivo em prevenção.

2) Quais são os setores ocupacionais em que mais ocorrem acidentes do trabalho?

Como já referido, temos um maior divisor, digamos, setorial, que seria economia formal e economia informal. Os números oficiais correspondem à primeira classificação. Não se conhece a acidentalidade do setor informal, dada sua própria característica, de precariedade, descompromisso das relações jurídicas, etc. Isto no Brasil inteiro, mas no Rio Grande do Sul não é diferente. 

Um índice que atualmente mede a economia informal, ou economia subterrânea, é o Índice de Economia Subterrânea (IES), apurado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO). Há outros indicadores, mas vamos tomar este. Conforme a última apuração, ficou em 16,2% do PIB em 2015. Apesar disto a simples aritmética não é aplicável, pois fatores imponderáveis que concorrem, no ambiente informal, sobretudo a negligência de prevenção, impedem mera projeção. A única possibilidade de se conhecer com maior exatidão é junto à rede pública de saúde e a autoridade policial, projeto e andamento em parceria com o Ministério Público do Trabalho e os serviços de saúde, para alimentação mais completa do SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação.

No campo formal, segundo dados do AEPS – Anuário Estatístico da Previdência Social, a maior incidência é o setor de serviços, no qual desponta o comércio e reparação de veículos automotores, seguido dos serviços de saúde. A Construção, setor sempre lembrado nas análises, também é relevante, com 41 mil acidentes, comparados com os 72 mil do setor mais acidentado. Acidentes de trajeto, retratando o massacre diário das condições do trânsito, também tem sua relevância, contribuído com 106 mil.

3) Como devem proceder, empregado e empregador, ante a situações de risco no ambiente de trabalho?

O lema do Programa Trabalho Seguro (e em outras palavras de muitas entidades que se dedicam ao tema) é: “a prevenção é o melhor caminho”. É obrigação do empregador fornecer os meios para a prevenção, assim como é obrigação do empregado utilizar estes meios, colocados à disposição pelo empregador. O empregador responde por responsabilidade e o empregado pode ser demitido até mesmo por justa causa, ao descumprir as determinações e rotinas. Recorde-se o conteúdo da Norma Regulamentadora 1 da Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho. Ocorrendo um acidente deve-se buscar os serviços de saúde e comunicar o evento, mas isto é o ideal. Sabe-se que a realidade nem sempre é esta. A legislação brasileira de saúde e segurança do trabalho é muito boa, bastaria que fosse observada com efetividade, e não com visão meramente burocrática.

4) Em relação às doenças ocupacionais, quais seriam as mais recorrentes e como evitá-las?

Também aqui navegamos na subnotificação. Ainda com os dados do AEPS, vemos que dos 612.632 acidentes de 2015, apenas 13.240 são doenças equiparadas. Diz-se “apenas”, pois este número é desproporcional com o número geral de acidentes e se refere ao Brasil inteiro. A nossa percepção imediata nos processos é de que este número deve ser bem maior. Nas doenças do trabalho os CID mais incidentes foram lesões no ombro (M75), sinovite e tenossinovite (M65) e dorsalgia (M54), com 22,07%, 12,87% e 7,45%, do total.

Prevenção é algo que contém o conceito de antecipação, “pré-visão”, ou visão prévia, dir-se-ia. Da mesma forma que os acidentes típicos, é possível evitar os vícios que levam às doenças. Os processos de trabalho, em sua maioria, são amplamente conhecidos, assim como as doenças que causam. Tanto que muitas delas já estão até mesmo classificadas como NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico, ou seja, nexo presumido, pela Previdência Social. Mas é necessário investimento. Equipamentos de proteção, primeiramente coletivos, depois os individuais. Treinamento, profissionais que acompanhem, e permanente vigilância. Muitos são os benefícios, inclusive redução de indenizações, em caso de acontecer a doença, que será de menor intensidade.

5) Qual a projeção do Programa Nacional quanto à prevenção do acidente e doença do trabalho para os próximos anos e a expectativa de redução efetiva?

 O Programa Trabalho Seguro não tem influência e nem poder para determinar ou prever essa redução. Trata-se de uma campanha que se soma a tantas outras iniciativas para promover uma cultura de prevenção. É um trabalho de longo prazo mas que não deve deixar de ser feito. O comportamento dos números tem indicado que a conscientização deve ser trabalhada ainda com intensidade. Recorde-se que a prevenção é algo que deve ser lembrado diariamente, na própria rotina das atividades. Quando isto for compreendido, teremos redução de acidentes.

6) Há motivos para comemorar neste dia 28 de abril?

Não. O Dia 28 de abril é o dia do alerta. Depois, estamos no estágio de combater a subnotificação. Somente por este fato, se isto for bem sucedido, teremos um aumento das estatísticas. Por outro lado, percebemos que a prevenção fica em segundo plano quando se compreende que estamos num ambiente de cancelamento de direitos e precarização das relações de trabalho. Então, nosso dever é alertar, avisar, mas sem otimismo. Como dito, a prevenção deve ser repetitiva, quotidiana. Não apenas em um dia ou um mês do ano.

Compartilhamento