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Artigo sobre a artinclusão no Instituto Psiquiátrico Forense

 

 

Artinclusão no IPF: quando a arte é revolucionária
Por Gabriela Lenz de Lacerda*

“o que estou querendo dizer com isso,
ele continuou,
é que há uma linha muito tênue
entre o que chamamos sanidade e
o que chamamos loucura
e que o esforço que fazemos para permanecer no lado são
só é feito para que não sejamos punidos
pela sociedade.
senão, iríamos
frequentemente cruzar essa linha e
as coisas seriam muito mais interessantes”

Charles Bukowski

Nesses tempos de negação das nossas diferenças e de tentativa de aniquilação daquilo que não se enquadra no que optamos por classificar como “normal”, o projeto de inclusão pela arte desenvolvido no Instituto Psiquiátrico Forense – IPF de Porto Alegre é absolutamente revolucionário.
Capitaneado pelo artista plástico Aloizio Pedersen, com apoio do próprio Instituto e da Vara de Execuções Criminais, o atelier do Artinclusão funciona há pouco mais de um ano no local.
Por ele, pacientes acolhidos aprendem sobre história da arte e sobre artistas famosos que circulam para além dos muros do Instituto. Aprendem também que um pincel na mão e tintas coloridas são melhores do que qualquer terapia tradicional para organizar a mente, acalmar o espírito e apurar os sentidos. A arte não encontra os filtros da palavra dita. É democrática: não tem erros e acertos. Só um universo rico de cores e de traços que contam histórias de vida de pessoas tidas como loucas por uma sociedade que nunca aprendeu a enfrentar a diferença. E, por temer conviver com os não padronizados, os imprevisíveis, entende que a única alternativa válida para os potencialmente violentos (e quem não é?) é encarcera-los.
Aloizio, com suas falas carregadas de amor e entusiasmo, mostra que já passou da hora de construirmos uma alternativa melhor. Mostra que qualquer um (inclusive os enquadrados no conceito de normalidade, como juízes e servidores visitantes) pode expressar suas alegrias e tristezas em uma tela em branco que tudo aceita. Muito mais do que seu conhecimento sobre arte, Aloizio compartilha a oportunidade dos alunos se verem e serem vistos por um outro olhar. Pelos olhos de um artista que reconhece outros tantos artistas em potencial e que, subvertendo a ordem atual de marginalização e de invisibilização, estimula todos a correr o mundo com suas belas obras.
Ganham, portanto, os artistas por conseguirem se expressar de forma livre e extravasar todos os sentimentos que guardam dentro de si. Mas ganham mais ainda os visitantes, por verem os seus (pré)conceitos destruídos ao se deparar com releituras de Klimt, Pollock ou Frida Kahlo, com traços firmes e contínuos vindos de mãos trêmulas pertencentes a corpos medicados. Ao descobrirem como se têm a aprender ao tocar uma outra realidade – ouvindo as palavras daqueles artistas que já tinham desistido de falar, pela falta de ouvidos atentos –, se surpreendem com o derramar de lágrimas frente à representação de uma filha que somente é vista nos dias de lançamento da exposição; de autorretratos com “olhos de medicamentos”; ou de pássaros que simbolizam toda a liberdade faltante por entre os muros do Instituto.
Tenho muito orgulho da Administração do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região que, por sua Comissão de Cultura, dá visibilidade a um trabalho tão impactante quanto transformador, no melhor estilo Nise da Silveira. A exposição será inaugurada em 10 de dezembro, às 9h30min, no próprio IPF (só tem que enviar os dados completos para que a entrada seja autorizada) e depois será recebida no Tribunal. No dia em que a Declaração de Direitos Humanos completará 70 anos, nada mais oportuno do que prestigiar esse projeto tão bacana e se engajar na luta para que todos os seres humanos sejam iguais em dignidade e respeito. Não percam!

*É Juíza do Trabalho da 4ª Região, Diretora de Assuntos de Cidadania da AMATRA 4, integrante da comissão de Direitos Humanos da Anamatra e do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia – AJD

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