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Desmonte do Direito do Trabalho: reforma trabalhista é avaliada como grande retrocesso

  

  Rodrigo Trindade  

 

Luiz Antonio Colussi

 “O substitutivo do PL 6787 é a mais forte tentativa de desmonte do Direito do Trabalho brasileiro que se tem notícia”, é a opinião do presidente da Amatra IV, juiz Rodrigo Trindade sobre o novo texto da Reforma Trabalhista.
Na manhã dessa quarta-feira, 12/4, foi divulgado parecer ao PL n. 6.787/2016, também conhecido como “Reforma Trabalhista”. Trata-se de projeto apresentado pelo Poder Executivo no começo de 2017, com objetivo de “modernizar” a legislação trabalhista nacional.
De início, apresentava poucas, mas profundas, modificações, essencialmente a respeito de força e conteúdo de acordos coletivos, trabalho temporário, terceirização e participação de trabalhadores em comissões de empresa.
Segundo o magistrado, a partir do relatório do deputado Rogério Marinho, houve notável soma de matérias, integrando propostas de mais de 800 emendas. “O mesmo parlamentar apresentou substitutivo ao projeto de lei, propondo modificação de texto em cerca de uma centena de artigos da CLT”, explica o diretor legislativo da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), e também diretor da Amatra IV, juiz Luiz Antonio Colussi.
Em sua redação original, o projeto de lei já vinha recebendo fortes críticas de associações de juízes, procuradores do trabalho, advogados trabalhistas e Centrais Sindicais. “Tínhamos a expectativa de convencimento dos parlamentares sobre a inadequação do PL, jamais que haveria um substitutivo que fosse tão ruim, que retrocedesse tanto em conquistas históricas do Direito do Trabalho”, avalia Trindade.
 
PONTOS MAIS POLÊMICOS
O substitutivo apresenta temas extremamente controvertidos e que são comentados pelo presidente da Amatra IV.

Restrição a súmulas do TST
Atualmente há centenas de súmulas do Tribunal Superior do Trabalho a respeito de temas de Direito Material e Processual do Trabalho. Elas têm objetivo de esclarecer a aplicabilidade das leis e suprir omissões. O projeto pretende criar mecanismos para frear essa atividade, estabelecendo diversas barreiras.
Trindade: “As súmulas servem justamente para oferecer orientações seguras, ante o dinamismo que sempre teve, e sempre terá, o Direito do Trabalho. Freios à interpretação jurisdicional são típicos de regimes ditatoriais e não combinam com o ambiente democrático que ainda estamos construindo”.

Horas in itinere
Não há lei geral sobre a matéria e o entendimento consolidado do TST é de que o tempo utilizado pelos trabalhadores para ir e voltar do emprego, em locais de difícil acesso ou sem transporte público regular, deve ser computado na jornada de trabalho. A pretensão com o Projeto de Lei é extirpar o conceito e afastar todas as formas pelas quais a magistratura trabalhista possa reconhecer como jornada de trabalho o tempo de transporte.
Trindade: “A jornada in itinere atinge principalmente os trabalhadores rurais, levados ao serviço em localidades não servidas por transporte público. O projeto intenta abandonar uma construção histórica e deixa mais tempo à disposição do trabalhador, sem recebimento de salário”.
 
Parcelamento de férias
Busca-se excluir da lei proibição de fracionamento de férias para menores de 18 e maiores de 50 anos.
Trindade: “A concepção de limitação de parcelamento de férias parte de concepção social do instituto, a partir de necessidades fisiológicas, convivência familiar e afastamento prolongado para efetivo descanso. Essas construções são ignoradas no projeto”.

 
Imposto sindical
Elimina a contribuição sindical compulsória.
Trindade: “O assunto é polêmico, inclusive dentro do movimento sindical. A eliminação do imposto sindical precisa ser tratada com sindicatos e pensada a partir de uma progressividade. Sempre de modo a impedir a inviabilização da atividade representativa”.
 
Trabalho intermitente
Tem objetivo de permitir que empregados fiquem à disposição do patrão, sejam ocasionalmente chamados, e apenas recebam salário pelo período de trabalho efetivo.
Trindade: “A jornada flexível encerra uma fórmula de transferir para o empregado custos de administração e variação de mercado. Não há obrigação na lei que empregados recebam salário a partir da contagem de horas de trabalho. A maioria é mensalista, mas nada impede que haja remuneração contada por quinzena, semana ou dia de trabalho. A limitação está no tempo contratado: para que haja expectativa mínima de salário com que se pode contar para viver, deve-se saber o número de horas que se trabalhará. O que se pretende com o projeto é criar o ‘salário-surpresinha’. O empregador poderá ter o poder de acionar o funcionário a qualquer momento da semana. Se for chamado, ganha; se o telefone não tocar, fica sem nada. Nos meses bons, o salário será suficiente para comer nos 30 dias; nos demais, vive-se de luz.”
 
Trabalho a tempo parcial
Trata-se do chamado trabalho de meio expediente. Busca-se ampliar esse tipo de contrato, com pagamento de salários menores.
Trindade: “Há diversos estudos internacionais que mostram a inadequação dos contratos a tempo parcial para criação de novos postos de trabalho. Ao contrário, estudos da Organização Internacional do Trabalho demonstram que as experiências na Europa e EUA com esse tipo de contratação significou aumento de desemprego e redução geral de salários.”
 
Terceirização
A Terceirização já foi objeto de lei muito recente, a de número 13.429/2017, publicada no dia 31 de março. O projeto de lei aprofunda ainda mais as possibilidades de repasse de parte das atividades produtivas, permitindo para “qualquer atividade da tomadora, inclusive a principal”.
Trindade: “No Brasil, terceirização, tal como está hoje, mata oito em cada 10 trabalhadores acidentados, é campeã absoluta de inadimplemento de verbas rescisórias, paga salário achatados (quando paga) e tem amizade íntima com trabalho análogo ao escravo. Ampliar hipóteses de terceirização é o que pior se pode pensar para o mercado de trabalho nacional.”
 
Teletrabalho
A pretensão do projeto é regulamentar o chamado trabalho a distância, realizado por meios tecnológicos, estabelecendo que não gera horas extras.
Trindade: “O trabalho remoto já é previsto na CLT e permite-se ao juiz reconhecer vínculo de emprego e condenar ao pagamento de horas extras, sempre que é exigido serviço em excesso. Se aprovado, o PL significará tendência de aumento das fraudes e ampliação de condições precárias e abusivas.”
 
Negociado sobre legislado
O tema já era tratado no projeto original e reafirma intenção de que normas coletivas possam estabelecer regramento até mesmo inferior ao previsto na legislação.
Trindade: “No Brasil, seguimos a regra da progressividade: acordos e convenções coletivas de trabalho podem estabelecer benefícios maiores ao que está na lei. O que se pretende com o PL 6787 é simplesmente utilizar a via negocial para prejudicar o trabalhador, excluindo até mesmo o mínimo previsto na legislação. Em tempos de crise econômica, como na atualidade, as consequências podem ser catastróficas”.
 
Indenização de danos morais
O PL estipula valores máximos para reparações de danos morais, que passam a ser de R$ 5 mil a R$ 100 mil.
Trindade: “De regra, a magistratura trabalhista já atua com parcimônia na fixação de ressarcimentos de danos morais. Excessos são raros e facilmente consertados em recursos. A pretensão no projeto é estabelecer amarras que impeçam a fixação de indenizações que verdadeiramente desestimulem a continuidade de práticas delinquentes graves”.
 
Jurisdição voluntária
Busca-se criar mecanismo para homologação pelo juiz do trabalho de extinções de contratos, outorgando-se quitação.
Trindade: “A Justiça do Trabalho já possui número excessivo de processos. A criação do mecanismo proposto abarrotará ainda mais os tribunais, transformando um órgão de jurisdição em mero carimbador de rescisões. Perdem os processos que efetivamente necessitam de decisão do juiz.”
 
Arbitragem individual
Cria-se regra de que trabalhadores que ganham o dobro ou mais do teto da previdência tenham possibilidade de submeter suas pretensões a árbitro.
Trindade: “O monopólio da jurisdição é garantia de civilização, compartilhada em praticamente todo o mundo. A arbitragem pode bem servir em conflitos coletivos, com partes com mesmo potencial econômico, como sindicatos e empresas. Não é isso que se encontra em praticamente todos os conflitos individuais”.
 
Distrato do contrato de trabalho
Permite que empregado e empregador reconheçam interesse mútuo para extinguir contrato de trabalho.
Trindade: “A proposta é um grande convite à fraude e saída ‘legalizada’ para não pagamento de verbas rescisórias”.
 
Representante dos empregados na empresa
Regulamenta dispositivo constitucional para que empregado eleito possa fazer representação de seus pares na empresa.
Trindade: “Costuma ser positiva toda integração de trabalhadores para promover entendimento com empresas. Todavia, deve-se assegurar efetividade de representação e evitar esvaziamento das funções dos sindicatos”.
 
Sucumbência recíproca e litigância de má-fé
A maior parte das ações trabalhistas tem grande número de pedidos e nem todos são procedentes. Mesmo havendo apenas condenação de um único, entre tantos, pedidos, somente o empregador paga os custos do processo. A proposta é que empregado possa ser condenado ao pagamento de custas processuais em relação àquilo que perdeu. Também regulamenta condenação em litigância de má-fé de empregado que faz pedidos sobre verbas já quitadas.
Trindade: “O tema é muito polêmico e não tem consenso, mesmo entre a magistratura trabalhista. Apesar da maior parte dos processos buscar verbas efetivamente devidas, há larga percepção de que também são inseridos pedidos com pouca pertinência. É importante que não haja generalização em afirmações de má-fé, com aplicação descriteriosa que dificulte o acesso à jurisdição.”
 
Trabalho da mulher
Pretende revogar a regra legal de intervalo de 15 minutos para as mulheres antes do início das horas extras. Também altera o texto que proíbe grávidas e lactantes de laborar em ambiente insalubre.
Trindade: “A necessidade de intervalo de 15 minutos apenas para mulher também é questão controvertida e que pode ser reavaliada, a partir de ampla discussão com representantes de empregados e empregadores. Todavia, é muito grave a pretensão do projeto de permitir trabalho de grávidas e lactantes em ambiente insalubre. Em uma sociedade civilizada, e que se importa com suas crianças, as conveniências de empresariais não podem se sobrepor a valores sociais muito mais importantes”.
 
 
FUTURO DO PROJETO
O PL 6787 está atualmente em tramitação em Comissão Especial da Câmara dos Deputados. O prazo de tramitação na comissão já está vencido e pode ser incluído em pauta pela presidência da Câmara, se colocado em regime de urgência.
Conforme o magistrado Luiz Antonio Colussi, houve um grande atropelo de calendário: “havia combinação de que o projeto seria instruído até maio, principalmente com realização de audiência pública e oitiva de autoridades”. Em sua análise, “espera-se que o presidente da Câmara se convença da necessidade de amadurecimento dos debates, no mínimo, que se possa seguir o ritmo normal, com prazo de mais 15 dias para apresentação de emendas”, conclui.

Link para o texto do parecer final da Reforma Trabalhista.

https://www.amatra4.org.br/images/stories/pdf/Parecer_Final_Reforma_Trabalhista.pdf

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