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Caderno 01

Luciane Cardoso
Juíza do Trabalho – RS
Artigo publicado na Revista Justiça do Trabalho, nº 205, HS Editora

A produção de provas é uma garantia do cidadão no Estado de Direito,  decorrente do direito à demanda e à defesa. O sistema da livre persuasão racional para a apreciação das provas apresenta-se como um instrumento que permite aos juízes a superação da forte influência da prova tarifada momento da valoração da prova.

Segundo o professor Ovídio A. Baptista da Silva# o sistema da persuasão racional seria um sistema misto que aproveita elementos de valoração de prova dos outros dois – sistema da prova legal e livre convencimento. Ensina-nos que no sistema da persuasão racional a iniciativa probatória, a partir da necessidade de convencimento, pode levar o juiz a trazer para o processo provas que as partes não tenham proposto sem afastar-se das regras de experiência e da lógica. Os limites que se impõe à livre apreciação são a não violação de leis racionais e as regras de experiência. Por outro lado, a livre apreciação das provas em seu conceito mais apurado não pode justificar recepção de provas ilícitas ou desnecessárias cujo aproveitamento não será útil ao deslinde da controvérsia. Daí decorre que o legislador e o julgador não podem excluir de antemão um meio de prova que julguem abstratamente inidôneo sem comprometer o direito à prova. Entretanto, fruto de um juízo em particular, pode o juiz excluir determinadas provas, possibilidade que decorre do sistema (art. 130 do CPC). O dever de fundamentar a decisão tomada, indicando os motivos e as circunstâncias que levam o juiz a admitir  a veracidade dos fatos em que se  baseia sua decisão é o pressuposto do sistema da persuasão racional. Para as partes, pela motivação das decisões se torna possível controlar o raciocínio do julgador na valoração das provas.

Entende-se que o Processo Civil, em seu art. 131 seguiu o sistema da persuasão racional que pressupõe não a livre convicção ou livre convencimento mas uma livre apreciação, embasada em um dever de motivar que  representa verdadeira garantia de cidadania. Só pode haver liberdade de apreciação            da prova onde algo pode ser de um modo ou de outro, ou seja, quando existe uma alternativa. Porém, está implícito no sistema da livre apreciação da prova que as leis da razão e da experiência devem ser observadas quando               se constatam fatos. Neste sentido, o CPC aponta em seu art. 335, “verbis”:

“Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do             que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado quanto a esta, o exame pericial”.

Há um caráter normativo no dispositivo em questão que justifica o chamado conhecimento comum ou conhecimento privado do juiz traduzido na idéia de regras de experiência comum. As regras de experiência comum do CPC que já são aplicadas na valoração da prova no processo trabalhista ordinário, ressurgem explícitas na Lei nº 9.957/2000. A nosso ver, o texto legal enfatiza os poderes instrutórios do juiz, na condução do procedimento probatória e na apreciação da prova:

“Art. 852-D. O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor as regras de experiência comum ou técnica.” (grifos nossos)

O princípio da persuasão racional autoriza a utilização das chamadas regras ou máximas de experiência na apreciação da prova cujo conteúdo            são assim definidos por Stein:#

“Son definiciones o juicios hipotéticos de contenido general, desligados de los hechos concretos que se juzgam en el proceso, procedentes de la experiencia, pero independientes de los casos particulares de cuya observación se han inducido y que, por encima de esos caso, pretendem tener validez para otros nuevos.”

O saber concreto do juiz tanto o que repousa em sua cultura geral como um saber especializado é aproveitável no processo porque uma recepção (admissão) de prova não tem sentido se o juiz já possui os conhecimentos que pretende adquirir. De qualquer sorte, tanto o saber geral derivado do fato notório como o saber privado do juiz (máximas de experiência) devem ser explicitados quanto a sua origem, a partir do dever de ofício de fundamentar as decisões. A licitude da utilização das máximas de experiência é complementada e justificada pela fundamentação da decisão. Tal fundamentação autoriza a não recepção formal da prova desnecessária e indica a verossimilitude ou não dos fatos que embasarão a decisão.

Para julgar se um fato é verossímel# ou inverossímel o julgador recorre a um critério de mediante o qual pode averiguar se o fato narrado pode ser visto como em circunstâncias similares, ou seja, da forma que normalmente acontece (quod plerumque accidit). É neste ponto, ou seja, na formação do juízo de verossimilhança, que se tornam importantes as máximas de experiência.
Exemplifica-nos Stein#:

“A declaração: ‘este cavalo vale 500 marcos’ somente diferencia da declaração ‘este cavalo é pardo e rengo’ porque a verificação do primeiro juízo narrativo não é tão simples. É um juízo que se formou das característica essenciais do cavalo, conhecidas por quem julga, sob uma premissa maior que diz: ‘os cavalos de  monta, de cinco anos de idade, sãos,  nesta cidade podem ser vendidos por 500 marcos’”.

A premissa maior, no exemplo, equivale a uma máxima de experiência: este cavalo vale 500 marcos. As máximas de experiência são capazes de representar o papel das premissas maiores, tal como se fossem a lei no sistema clássico de silogismo, justamente porque são independentes dos casos experimentais ou concretos. Não há diferenças juridicamente consideradas em razão da maior ou menor segurança das máximas de experiência já                que não existem tarifas legais de valor probatório num sistema da livre valoração da prova. Elas não possuem certeza lógica mas representam valores aproximativos da verdade, que podem ser reformuladas  na medida em que se demonstre que a regra oriunda da máxima de experiência era falsa. E aqui  um juízo crítico sobre os limites interpretativos das próprias máximas de experiência podem levar o juiz, no exame concreto de uma dada situação,                 a afastar-se da máxima se contrariada pelo contexto probatório, que aponta a verdade noutra direção, que não o da normalidade dos fatos.

Além de valores aproximativos da verdade as máximas de experiência, servem, segundo Pistolese#, para … “permitir ao juiz dar a uma circunstância  argüida por uma  das partes, aquela  explicação  e interpretação, que não se pode atingir, por razões especiais, com os normais meios instrutórios.”

Outras funções são apontadas pelas máximas de experiência na doutrina: intervir na carga da prova do processo e atuar negativamante indicando, por verossimilhança, a impossibilidade de acontecimento de determinado fato.

Num sistema de oralidade acentuado como é o caso do procedimento sumaríssimo que se nos apresenta, verifica-se, pela análise do art. 852-D, um reforço aos poderes instrutórios dos juízes que poderão se valer da  idéia tão difundida na doutrina alemã das máximas de experiência.                       A concepção publicista do processo hoje protegido por disposições de natureza constitucional, sobretudo pelo dever de fundamentar, é assegurada no procedimento sumaríssimo.  

Visto sob o prisma da apreciação da prova, a inclusão de um dispositivo que incentiva a “dar especial valor as regras de experiência comum” abre-nos um caminho interpretativo para a valoração da prova que deve ser preenchido com parâmetros de razoabilidade. Por uma “lógica do razoável” extraída               da experiência humana devem ser interpretados os fatos que traduzem a realidade social concreta trazida para o processo pelo filtro probatório.

Concluindo: podemos constatar que, independentemente das críticas que possam ser feitas à Lei nº 9.957/2000 em sua totalidade, o art. 852-D da mesma lei incentiva uma postura política de incremento dos poderes instrutórios do juiz na condução do processo e aplicação justa da lei. A boa administração          do dispositivo legal pelo magistrado significa impulso legitimador da atividade jurisdicional, tão necessário no momento atual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. Vol. I, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991.

CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Vol. 3, Campinas: Bookseller, 1999.

PISTOLESE, Roberto Gennaro. La prova civile per presunzioni. Padova: CEDAM, 1935.

RECASENS SICHES, Luis. Nueva filosofia de la interpretación del derecho. Cidade do  México: Editorial Porrúa,  S.A., 1973.

STEIN, Friedrich. El conocimiento privado del juez. Madrid: Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, S.A., 1990.

WALTER, Gerhard. Libre apreciación de la prueba. Trad. Tomás Banzhaf. Bogotá: Editorial Temis Libreria, 1985.

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