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Caderno 01

Júlio César Bebber
Juiz do Trabalho Titular da 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande-MS
Mestre em Direito do Trabalho pela USP
Professor de Processo do Trabalho da EMATRA-MS

SUMÁRIO: 1. Considerações preliminares; 2. A disciplina do art. 71 da CLT; 3. Fundamentos para o intervalo intrajornada; 4. Direito indisponível;                 5. Exclusão da duração do intervalo do tempo de trabalho; 6. Ônus da prova;  7. Violação do intervalo. Caracterização; 8. Violação do intervalo. Repercussão;  9. Considerações finais.

I. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Segundo a disciplina do § 4º do art. 71 da CLT, quando o intervalo          para repouso e alimentação não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

A dissidência quanto à correta aplicação do referido dispositivo legal chegou ao Tribunal Superior do Trabalho que, ao decidir a esse respeito, editou a Orientação Jurisprudencial SBDI-1 nº 307, verbis:

307 – INTERVALO INTRAJORNADA (PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO) – NÃO CONCESSÃO OU CONCESSÃO PARCIAL – LEI Nº 8.923/1994 – Após a edição da Lei nº 8.923/1994, a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT). (Inserido em 11.08.2003).

Não obstante o esforço empreendido pela Augusta Corte, não foi ela suficientemente abrangente na análise feita, permitindo, com isso, a persistência de dúvidas quanto ao exato conteúdo do dispositivo legal mencionado.

Eis aí, portanto, o interesse em lançar algumas considerações superficiais sobre o tema, com os olhos voltados ao entendimento jurisprudencial acerca da aplicação da OJ SBDI-1 nº 307.

2. A DISCIPLINA DO ART. 71 DA CLT

Segundo a disciplina do art. 71 da CLT:

a) não será obrigatória a concessão de intervalo para repouso ou alimentação se a duração do trabalho contínuo não exceder de 4h.

b) será obrigatória a concessão de um intervalo de 15min para repouso ou alimentação se a duração do trabalho contínuo exceder de 4h, mas não ultrapassar 6h (CLT, art. 71, § 1º).

c) será obrigatória a concessão de um intervalo mínimo de 1h e máximo de 2h para repouso ou alimentação se a duração do trabalho contínuo exceder de 6h (CLT, art. 71, caput). Nessa hipótese, o intervalo:

– máximo poderá ser superior a 2h se assim for ajustado em acordo individual escrito, ou em convenção ou acordo coletivo de trabalho (CLT,  art. 71, caput).#

– mínimo poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho quando: a) se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios; e b) os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares (CLT, art. 71, § 3º).

3. FUNDAMENTOS PARA O INTERVALO INTRAJORNADA

O intervalo intrajornada possui fundamento de ordem biológica#. Busca-se, com a inatividade do trabalhador, atingir:

a) metas de saúde física e mental (higidez física e mental), propiciando-lhe que, após certo período, retempere em parte suas forças físicas e psíquicas. Vale dizer, que restabeleça em parte o sistema nervoso e as energias psicossomáticas.#

b) metas de segurança, com que se previne em parte a fadiga física e mental e reduzem-se os riscos patológicos e de acidentes de trabalho. A fadiga física e mental se traduz na diminuição do ritmo da atividade e na perda da capacidade de atenção ordinária, com conseqüente perda de produtividade e aumento dos acidentes do trabalho.#

4. DIREITO INDISPONÍVEL

Diante dos fundamentos (de ordem pública) do intervalo intrajornada, não poderá o tempo mínimo previsto na lei ser suprimido ou reduzido por ato individual ou coletivo (CC-2002, art. 2.035, parágrafo único), ressalvada a hipótese do § 3º do art. 71 da CLT.

As normas jurídicas concernentes a intervalos intrajornadas são normas de saúde pública. Não podem, por isso, “ser suplantadas pela ação privada dos indivíduos e grupos sociais. É que, afora os princípios gerais trabalhistas da imperatividade das normas desse ramo jurídico especializado e da vedação a transações lesivas, tais regras de saúde pública estão imantadas de especial obrigatoriedade, por determinação expressa oriunda da Carta da República”.#

Trata-se, portanto, de direito indisponível.#

5. EXCLUSÃO DA DURAÇÃO DO INTERVALO DO TEMPO DE TRABALHO

O tempo destinado ao intervalo intrajornada não é computado na duração do trabalho (CLT, art. 72, § 2º).

Esclareça-se, porém, que o tempo de intervalo não computado na duração do trabalho é o tempo legalmente previsto. Daí por que:

a) o tempo de intervalo que deve ser excluído da duração do trabalho é aferido (in abstrato) de acordo com a jornada contratual, sendo irrelevante           a jornada efetivamente trabalhada. Desse modo, se o empregado foi contratado para trabalhar 6h diárias, o tempo de intervalo não computado na duração do trabalho é de 15min. Se, então, labora das 7h às 14h, com 1h de intervalo, fará jus ao recebimento de 45min extra.

b) o tempo de intervalo que excede os limites legais, bem como os intervalos concedidos sem previsão legal serão computados na duração do trabalho (Súmula nº 118 do TST).#

6. ÔNUS DA PROVA

Segundo o comando “dos artigos 818 da CLT e 333, inciso II, do CPC, incumbe à Reclamada o ônus de comprovar a concessão do intervalo intrajornada para repouso e alimentação, por se cuidar de fato extintivo da pretensão de horas extras”.#

No caso de empregador com mais de dez empregados, a única prova admitida será a prova documental, uma vez que dele é o dever de manter, fiscalizar, conservar e ter sob sua posse e vigilância os controles de horários de seus trabalhadores (CLT, art. 74, § 2º). A inexistência dessa prova (salvo motivo de força maior ou caso fortuito), ou a sua não-exibição injustificada, fará emergir a presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial#,  a qual poderá ser elidida por prova em contrário, desde que

já existente nos autos (sendo inadmissível a sua produção).#

Esse mesmo tratamento jurídico, qual seja, o de presumir verdadeira a jornada de trabalho alegada na petição inicial, regerá a situação da apresentação de controles de jornada que não registram o tempo de intervalo.

Apresentados, entretanto, os controles de jornada será do empregado o ônus de provar a inexistência de intervalos:

a) que neles estiverem registrados.

b) que neles estiverem pré-assinalados. Nesse caso, exibidos pelo empregador os cartões de ponto, “sem que haja notícia de impugnação do empregado e prova de que não retratam com fidelidade a efetiva jornada de labor, não procede pedido de horas extras, com fundamento em inversão do ônus da prova. Não se pode cogitar de inversão do ônus da prova quando a parte a quem a lei atribui o ônus de provar determinado fato desincumbe-se de tal encargo”.#

Não obstante esteja consolidado na SBDI-1 do TST o entendimento exposto na alínea ‘b’, a pré-assinalação dos intervalos, em meu sentir, não goza de presunção de veracidade, uma vez que nada mais é do que um indicativo dos horários em que o intervalo deve ser gozado, e não o registro fiel desse acontecimento. O ônus de provar a existência do intervalo, portanto, deveria permanecer com o empregador.

Além disso, a Portaria nº 3.082/84 do Ministério do Trabalho, que autoriza a pré-assinalação dos intervalos, não tem caráter geral, não se dirige aos empregadores e tampouco possui força para revogar a determinação legal de assinalação dos horários de intervalo (CLT, art. 74, § 2º).

7. VIOLAÇÃO DO INTERVALO – CARACTERIZAÇÃO

Tem-se por violado o intervalo intrajornada mínimo:

a) pela não-concessão do tempo legal (OJ SBDI-1 nº 307).

b) pela concessão parcial do tempo legal (OJ SBDI-1 nº 307).

c) pela concessão total do tempo legal, mas de forma fracionada.                   A composição unitária de tempo informa a disciplina do intervalo intrajornada. Este, portanto, tem de ser concedido de forma única. Tal exigência deriva logicamente dos objetivos perseguidos pelo instituto. O intervalo intrajornada, então, não pode ser fracionado ou pulverizado durante o período de trabalho. Essa prática frustra os objetivos teleológicos e políticos da norma legal  (CLT, 9º).

O TST, porém, admite exceções diante de situações que considera excepcionalíssimas, como é o caso do trabalho no transporte coletivo urbano e dos vigilantes (TST-ROAA-141515-2004-900-01-00-5). De acordo com a Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, “é válida a cláusula de instrumento coletivo que prevê a substituição do intervalo intrajornada de 1 (uma) hora por descansos no ponto final de cada linha, em razão das peculiaridades das atividades desenvolvidas pela categoria a que pertence o Reclamante (transporte coletivo urbano).#

8. VIOLAÇÃO DO INTERVALO – REPERCUSSÃO

Como o tempo destinado ao intervalo intrajornada previsto no art. 71, caput e § 1º, da CLT não é computado na duração do trabalho (CLT, art. 72, § 2º), tinha a jurisprudência, antes do advento da Lei nº 8.923/94, firmado o entendimento de que a violação daquele, sem causar acréscimo na jornada de trabalho, não acarretava qualquer repercussão financeira para o trabalhador. Tratava-se, portanto, de mera infração administrativa (Súmula nº 88 do TST).

A Lei n. 8.923, de 27.07.1994, entretanto, rompeu com esse entendimento ao inserir o § 4º ao art. 71 da CLT. Segundo a nova disciplina legal, não sendo concedido pelo empregador o intervalo intrajornada, ficará este obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Desse modo, a violação do intervalo intrajornada:

a) caracteriza infração administrativa (CLT, art. 75).

b) não causa nenhuma repercussão financeira para o trabalhador anteriormente a 28 de julho de 1994, data da publicação da Lei nº 8.923/94 (Súmula nº 88 do TST).#

c) gera para o empregado, após 28 de julho de 1994, o direito de receber a totalidade do tempo correspondente ao intervalo, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (OJ SBDI-1  nº 307). Nessa hipótese, segundo a jurisprudência predominante do TST, o pagamento:

– embora equiparado ao das horas extras, tem natureza jurídica indenizatória.#

Como Flávio Cooper, porém, penso que a “tese da indenização não prospera”.# Não foi por acaso que o legislador utilizou-se, no texto do § 4º do art. 71 da CLT, do vocábulo remuneração em vez de indenização.

O lapso temporal para refeição e descanso dentro da jornada de trabalho “revela-se como instrumento relevante de preservação da higidez física e mental do trabalhador, de modo que o seu desrespeito conspira contra os objetivos de saúde e segurança no ambiente de trabalho”.#

Daí, então, a razão objetiva da norma legal em equiparar o pagamento pela violação do intervalo intrajornada às horas extras, com o que supervaloriza aquele instituto.

Quero acreditar que a recente decisão proferida pela SBDI-1 do TST,             e publicada no DJU de 20.10.2006, esteja a revelar uma mudança de posicionamento da Corte, no sentido de atribuir natureza salarial à parcela. Segundo a ementa da lavra do Min. João Batista Brito Pereira, “a supressão do intervalo intrajornada implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da              hora normal de trabalho, na forma do art. 71, § 4º, da CLT, que confere verdadeira natureza salarial a essas horas extras fictícias. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento”.#

– tendo natureza indenizatória não haverá reflexos.#

A exclusão dos reflexos, embora tecnicamente correta – diante da natureza indenizatória –, não atende aos fins teleológicos do art. 71, § 4º da CLT.

O escopo objetivo da norma ao determinar a remuneração do período

correspondente ao intervalo (com um acréscimo de no mínimo 50% sobre              o valor da hora normal) foi o de estabelecer equiparação com as horas extraordinárias (portanto, com seus consectários), sobrevalorizando, desse modo o instituto e ampliando consideravelmente a quantia a ser desembolsada pelo empregador, como forma de frear o seu intento de infringir regra de medicina e segurança do trabalhador.

A confirmar a mudança de posicionamento do TST, como revelado acima,# perde interesse a presente discussão, uma vez que os reflexos incidirão inexoravelmente.

– deve ser do tempo integral do intervalo legalmente previsto.

Desse modo, se o intervalo concedido foi de 55min, a indenização não será apenas dos 5min restantes, mas de 1h. A razão disso está em que a concessão de intervalo em tempo inferior ao legalmente previsto frustra os objetivos do instituto e é, por isso, nula (CLT, art. 9º).

Nesse sentido, aliás, foi o voto proferido pela Min. Maria Cristina Peduzzi nos ERR-628779/2000# (acórdão unânime que ensejou a edição da OJ SBDI-1 nº 307): “apenas quando assegurado o período mínimo destinado ao descanso e alimentação do empregado, desincumbe-se o empregador da obrigação legal. No presente caso, o intervalo intrajornada concedido era de apenas 40 (quarenta) minutos, insuficiente, estando correto o acórdão regional ao impor condenação em pagamento do intervalo intrajornada de forma integral, acrescido do adicional extraordinário”.

– por ser equiparado ao das horas extras, deve ser acrescido do adicional mínimo de 50%.

Assim, se o contrato individual ou qualquer outro instrumento normativo fixar percentual para o pagamento de horas extras superior a 50%, esse percentual maior é que deverá ser utilizado.

Como ressalta Maurício Godinho delgado, o “objetivo da lei, ao sobrevalorizar esse tempo desrespeitado, foi garantir efetividade (isto é, eficácia social) às normas jurídicas assecuratórias do essencial intervalo intrajornada para refeição ou descanso, por serem normas de saúde e segurança laborais, enfaticamente encoraçadas pela Constituição”.#

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se viu, a Orientação Jurisprudencial SBDI-1 nº 307 deixou sérias lacunas ao dar a interpretação do TST ao conteúdo do § 4º do art. 71 da CLT. Cabe à referida Corte, então, complementá-la.

A título de colaboração sugere-se a seguinte redação:

307 – INTERVALO INTRAJORNADA. ART. 71 DA CLT.   

I – Tem-se por violado o intervalo intrajornada mínimo:

a) pela não-concessão do tempo legal.

b) pela concessão parcial do tempo legal.

c) pela concessão total do tempo legal, mas de forma fracionada. Ressalvam-se as situações excepcionalíssimas em que o intervalo único se revele impossível, desde que devidamente ajustadas por                 meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho. Retirará a eficácia do ajuste, porém, a possibilidade de dano à saúde e a segurança                   do trabalhador e da comunidade em geral, bem como o labor do empregado em período extraordinário.

II – A violação ao intervalo intrajornada mínimo, posteriormente a edição da Lei nº 8.923/1994, implica o pagamento da totalidade do tempo legalmente fixado para o seu gozo (CLT, art. 71, caput e § 1º) como hora extraordinária para todos os efeitos legais.

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